Propostas de Bolsonaro para segurança não dependem só dele; veja análise

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

  • César Sales/Código19/Estadão Conteúdo

    Bolsonaro precisará de apoio do Congresso para aprovar medidas que prometeu

    Bolsonaro precisará de apoio do Congresso para aprovar medidas que prometeu

O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) terá, a partir de 1° de janeiro de 2019, a difícil tarefa de pôr em prática as propostas para a segurança pública que apresentou durante a campanha. A maioria das promessas, entretanto, não passa unicamente pela decisão do presidente.

Bolsonaro aposta em sete pontos prometidos para conter o crime. Em pelo menos seis deles, é necessária mudança em leis e até mesmo na Constituição --e que necessitam de aprovação de 3/5 do Congresso. O plano não faz qualquer menção a facções criminosas e se concentra, em grande parte, em críticas ácidas ao PT (que governou o país entre 2003 e 2016). Veja a seguir:

  • Investir fortemente em equipamentos, tecnologia, inteligência e capacidade investigativa das forças policiais
  • Acabar com a progressão de penas e as saídas temporárias
  • Reduzir a maioridade penal para 16 anos
  • Reformular o Estatuto do Desarmamento para garantir o direito do cidadão à legítima defesa
  • Criação do excludente de ilicitude para policiais
  • Tipificar como terrorismo as invasões de propriedades rurais e urbanas, retirando da Constituição qualquer relativização de propriedade privada
  • Redirecionamento da política de direitos humanos, priorizando a defesa das vítimas da violência

"São propostas que, para se converter em normas legais ou constitucionais, será preciso dialogar com o legislativo", observa o professor de direito Adilson Dallari, da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo. "Mas as propostas são viáveis, pois o presidente terá uma bancada numerosa. São medidas que se justificam tanto pelo incontestável estado falimentar da segurança pública quanto, e principalmente, por atender a reivindicações de seus eleitores", diz.

Cidadão no fogo cruzado

O debate sobre segurança foi impulsionado pela alta da violência nos últimos anos. Desde 2006, a taxa de homicídios no país cresceu 14%, saltando de 26,6 para 30,2 para cada 100 mil habitantes, em 2016 --últimos anos com dados disponíveis pelo Atlas da Violência. O número de mortes violentas naquele ano foi o maior já registrado: 62,5 mil. 

Nesse período, foram muitos programas de segurança, mudanças de gestões, novas leis, mas que surtiram pouco efeito no combate ao crime. Também neste século, o país assistiu quase paralisado ao crescimento das facções criminosas, que passaram a disputar o crime nas periferias e deflagraram uma guerra, em especial no Nordeste.

Arma na mão será solução?

As propostas apresentadas, porém, são vistas com ressalvas por especialistas e pesquisadores em segurança pública. O pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Daniel Cerqueira, afirma que as propostas de Bolsonaro vão na "contramão do que se espera de politicas efetivas e racionais."

"A política dele está baseada no tripé endurecimento penal, licença indiscriminada para o policial matar e a possibilidade de todos terem arma de fogo. Cada um desses elementos é um equívoco terrível, e conjuntamente vão significar uma tragédia social", afirma.

Para ele, as propostas apresentam um "cenário desanimador" para a segurança pública nacional. "O que se esperaria, olhando os bons exemplos nacionais e internacionais, era o comprometimento dos governos com a vida das pessoas, não políticas baseadas no achismo, na ideologia, e sim na gestão científica, em que você tem diagnósticos sobre violência local, planejamento, monitoramento e avaliação, para saber se as politicas funcionam ou não", diz, citando a facilidade de adquirir armas pela população como um erro científico grave.

"Uma evidência já consagrada da literatura científica nacional e internacional é que mais armas geram mais homicídios: 1% mais armas nas ruas, 2% mais homicídios. Uma arma em casa aumenta em cinco vezes a chance de quem mora naquele lar sofrer suicídio ou homicídio, sem contar os acidentes domésticos com as crianças", afirma.

Cerqueira entende ainda que leis mais duras não vão surtir efeito, assim como impunidade não se resolve com "licença para polícia matar". "Precisamos é de uma polícia mais qualificada. Hoje, menos de 10% dos homicídios são esclarecidos no Brasil. Se a gente não consegue saber quem matou, de que adianta dar dureza penal? Se não predemos milicianos, os grandes traficantes, para que manter mais tempo na cadeia o ladrão de galinha e o garoto que estava com 50 gramas de maconha?", questiona.

Marcelo Ferraz/UOL
Bolsonaro segura chave simbólica da cidade de Araçatuba (SP) como se fosse arma

O presidente do Instituto de Criminalística e Ciências Policiais da América Latina, José Ricardo Bandeira, elogia a promessa de melhorar o serviço de inteligência e investigação das polícias. "Esta é a medida mais importante e urgente a ser tomada visando reduzir os índices de violência e criminalidade no país", aponta.

A flexibilização do Estatuto do Desarmamento é visto com ressalvas. "Não podemos pensar em liberar o porte de armas nas ruas", diz, citando ainda que garantir a proteção ao agente público "é uma necessidade", mas que deve vir "acompanhada de mecanismos de controle, fiscalização e punição dos possíveis excessos".

Ele também se posiciona contra a redução da maioridade penal e diz que classificar como terrorismo a invasão de propriedades, ou tirar a "relativização" da Constituição, não terá impacto na segurança.

O que levou o país a uma situação crítica?

Bandeira afirma que a violência cresceu no país porque o governo federal "não cumpriu o seu papel como principal ator neste cenário, já que não investiu em um serviço eficiente e unificado de inteligência." "Também não promoveu a devida proteção às nossas fronteiras, portos, estradas federais e aeroportos, permitindo assim que drogas armas e munições invadissem as nossas comunidades", acrescenta.

Ivenio Hermes, coordenador do Obvio (Observatório de Violência Letal Intencional), ligado à Universidade Federal Rural do Semiárido, afirma que a política de segurança falhou por não ser considerada prioridade nas gestões e por ações contrárias ao conhecimento científico sem viés ideológico.

"Os grandes erros vieram de não darem continuidade ao único e grande plano de gestão em segurança pública, o Pronasci [Programa Nacional de Segurança com Cidadania, lançado em 2007, que buscava um crescimento das instituições de segurança a partir de seus agentes", aponta. O Pronasci foi abandonado ainda na primeira gestão da presidente Dilma Rousseff, que passou a adotar uma estratégia centrada no combate às drogas e encarceramento em massa.

O recém-criado Ministério da Segurança Pública não foi capaz, na opinião de Hermes, nem de estabelecer um critério unificado para a coleta de dados da criminalidade. 

A partir de uma visão desencontrada a critério dos Estados, mapas de violência foram sendo criados e muito pouco utilizados na criação de um plano de segurança pública nacional, com os devidos recortes respeitando as peculiaridades de cada região."

Ivenio Hermes, coordenador do Observatório de Violência Letal Intencional

No caso de Jair Bolsonaro, Hermes sugere o uso da literatura científica como uma bússola para estratégias. Uma das formas é "tomar para si a responsabilidade, e não jogar nas mãos do cidadão", como propõe no caso das armas de fogo.

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