Deputados já articulam aprovar posse e comercialização de armas

Samy Adghirni, Simone Iglesias e Vinícius Andrade

  • Evaristo Sá - 5.set.2018/AFP

Impulsionados pelo presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), que está à frente nas pesquisas eleitorais para o 2º turno e é amplamente favorável ao uso de armas de fogo, deputados alinhados com o capitão reformado do Exército já se articulam para votar a revisão do Estatuto do Desarmamento. A mudança principal é passar a permitir a posse de armas por qualquer cidadão, o que é proibido no Brasil.

"Vamos votar o mais rápido possível a revisão do Estatuto do Desarmamento. O ponto central é simplificar a lei permitindo a posse de armas", disse o deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), vice-líder do DEM e um dos mais influentes parlamentares da bancada evangélica na Câmara, em grande maioria apoiadora de Bolsonaro.

O projeto está pronto para ser votado no plenário da Câmara, depois de anos tramitando em comissões. O texto prevê o "direito de possuir e portar armas de fogo para legítima defesa ou proteção do próprio patrimônio", reduz a idade mínima para a compra de armas de 25 para 21 anos, e as taxas pagas ao governo.

Apesar de o texto aprovado na Comissão de Constituição e Justiça liberar o porte, além da posse, esse ponto deve ser revisto no plenário pelos defensores da revisão do estatuto. Isso porque há consenso entre os aliados de Bolsonaro quanto à liberação da compra de armas para ter em casa, mas existem resistências quanto ao porte em qualquer local.

Apesar de o assunto ser polêmico, é relativamente fácil de ser aprovado, já que requer maioria simples de votos. Com a adesão suprapartidária a Bolsonaro entre os congressistas, ele teria apoios suficientes para mudar as regras.

"Se Bolsonaro for eleito, votamos esse assunto rápido", afirmou o líder do PR na Câmara, deputado José Rocha (BA). Tanto Rocha quanto Sóstenes, ambos reeleitos, acreditam que o projeto será aprovado até o início do próximo ano legislativo.

Até a oposição vê alta probabilidade de mobilização em favor da proposta. O deputado Julio Delgado (PSB-MG), também reeleito, prevê que o estatuto será um dos primeiros pontos a serem tratados pela nova legislatura. "Esse tema tem mais apelo, e os outros assuntos, como reforma da Previdência, são mais conflituosos, então acho que eles começarão por aí", disse ele, numa referência ao perfil predominantemente conservador dos deputados recém-eleitos.

A liberação da compra de armas é recorrente nos discursos e está no programa de governo de Bolsonaro, sendo uma das suas principais bandeiras de campanha. "As armas são instrumentos, objetos inertes, que podem ser utilizadas para matar ou para salvar vidas. Isso depende de quem as está segurando: pessoas boas ou más", diz trecho de seu programa de governo.

Em live no Facebook em outubro, o capitão reformado defendeu o armamento como legítima defesa: "Por que eu sempre defendi a posse de arma de fogo? É você, cidadão de bem, com algumas poucas exigências ter uma arma dentro da tua casa, da tua fazenda. Isso chama posse de arma de fogo, é você poder reagir. O cara forçou a porta da tua casa, derrubou a porteira da tua fazenda, você tem o direito de reagir, por isso, eu defendo arma de fogo para o cidadão de bem", afirmou o candidato de extrema-direita.

Desde que Bolsonaro surgiu como um candidato viável eleitoralmente, a maior fabricante de armas do Brasil, a Forjas Taurus S.A., viu suas ações mais do que triplicarem em valor neste ano, devido às expectativas de que ele vencerá a eleição presidencial. As ações subiram 299% no acumulado do ano e sua volatilidade histórica de 100 dias está no nível mais alto desde pelo menos 2008, de acordo com dados compilados pela Bloomberg.

Os fracos fundamentos da empresa foram compensados pelas apostas de que o governo de Bolsonaro vai expandir o acesso a armas. "Forjas Taurus continua em uma situação crítica, com alto endividamento. Mas o cenário de uma vitória de Bolsonaro dá um fôlego para a companhia", disse Glauco Legat, analista-chefe da corretora Spinelli, à Bloomberg por telefone.

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva sancionou em 2003 a lei do Estatuto do Desarmamento. O principal ponto foi a proibição do porte de arma, com exceção para os responsáveis pela segurança pública, integrantes das Forças Armadas, agentes de Inteligência e da segurança privada. No Brasil, é proibida a comercialização de arma de fogo e munição, salvo aos profissionais com permissão de porte. A Polícia Federal pode autorizar pessoas que demonstrem necessidade de posse de armas em casa, desde que apresentem documentos sobre antecedentes criminais e aptidão psicológica para manusear a arma.

Especialistas em violência advertem que flexibilizar a legislação armamentista poderia inflar ainda mais os índices que fazem do Brasil um dos países mais violentos do mundo, com mais de 63.000 homicídios em 2017. "Colocar mais armas em circulação seria jogar gasolina num quadro que já está pegando fogo", disse Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos de Violência da USP. Segundo o especialista, a flexibilização do estatuto do desarmamento somada ao discurso de guerra contra o crime acirraria tensões sociais e poderia até abrir caminho para a proliferação de grupos paramilitares.

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