Estatuto racial perdeu "espinha dorsal", diz representante do Movimento Negro
A exclusão de alguns itens polêmicos que compunham o texto original do Estatuto da Igualdade Racial, aprovado nesta quarta-feira (16), definitivamente não agradou os representantes das comunidades negras brasileiras. Porém, ainda que com diversas ressalvas, a aprovação do texto, após sete anos de tramitação no Congresso Nacional, foi considerada um avanço na luta pela igualdade de direitos.
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Para o diretor de Proteção ao Patrimônio Afrobrasileiro da Fundação Palmares, Maurício Reis, o Estatuto poderia ter aguardado mais tempo para ser votado no Senado. Assim seria possível garantir maior apoio aos pontos considerados polêmicos, como as cotas para negros em universidades e as políticas de saúde, que ficaram fora do texto aprovado.
“Poderíamos amadurecer, não fazer da forma que foi feito, não votar [agora]. Poderíamos garantir que os pontos ditos polêmicos não ficassem de fora”, disse Reis. Para ele, as cotas de acesso à universidade fariam com que "essas pessoas tivessem êxito no mercado de trabalho e que pudessem estar qualificadas para competir de igual para igual".
Para a coordenadora do Movimento Negro Unificado (MNU) do Distrito Federal, Jacira da Silva, a decisão de suprimir alguns pontos vai na contramão da história e na contramão da sociedade brasileira.
“Nesta sexta-feira nosso movimento completa 32 anos. É muito triste, após três décadas combatendo a discriminação racial e propagando a conscientização da população, receber este estatuto como presente”, lamentou Jacira em entrevista ao UOL Notícias.
“Nós do MNU defendemos que foram retirados itens inegociáveis, que formavam a espinha dorsal do Estatuto. Com isso, não estamos dizendo que a aprovação não tenha sido um avanço. Foi, sim, uma aprovação importante após anos tramitando no Congresso, mas a retirada destes itens vai representar uma grande perda na vida de nós negros”, completou a coordenadora.
Rebatendo o argumento de que a aprovação das cotas aumentaria o ódio racial, Jacira afirma que dizer isso faz parte da estratégia que alguns usam para barrar a aprovação de direitos para a classe negra. “Todas as reivindicações dos negros têm sempre um senão”.
A luta continua
Para o ministro da Igualdade Racial, Eloi Araújo, o projeto servirá de base para que o Executivo crie medidas afirmativas e para respaldar a defesa de ações que tramitam hoje no Supremo Tribunal Federal -de inconstitucionalidade das cotas no ensino superior e da demarcação de terras dos quilombolas.
Segundo ele, uma das ações do governo federal poderá ser a criação de mecanismos que ampliem a presença de negros na administração pública.
Entidades se preparam para tentar incluir a saúde no Estatuto da Igualdade Racial
Organizações de saúde da população negra prometem se mobilizar para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não sancione o Estatuto da Igualdade Racial, aprovado ontem (16) pelo Senado, sem os itens que tratam da questão. O objetivo é manter os avanços trazidos pela Política de Saúde para a População Negra, feita pelo Ministério da Saúde.
Um dos itens suprimidos no texto incentivava a divisão de atribuições entre o governo federal, estados e municípios por meio de indicadores e metas, com objetivo de identificar déficits no atendimento em saúde e a incidência de determinadas doenças entre os negros.
Para o ministro, a lei aprovada pelo Senado é “extraordinária” e uma “vitória fantástica”. “Com esse estatuto nós colocamos uma argamassa poderosa na consolidação e sedimentação da nossa democracia. Fora do ambiente democrático, nós não teríamos condições de discutir esse tipo de matéria sobre a inclusão de negros e negras. Com a inclusão de negros e negras damos um passo definitivo na consolidação da democracia”, avaliou.
O senador Paulo Paim (PT-RS), autor do projeto original, disse, em entrevista à Agência Senado, concordar com o ministro Eloi Araujo.
"Ele [o estatuto] tem um valor simbólico que ilumina o caminho dos que lutam pela igualdade de direitos e por ações afirmativas", disse o senador, acrescentando que o estatuto dará "conforto legal" para que se avance na busca da regulamentação das cotas raciais.
Porém, Paulo Paim lamentou que o relator da matéria, senador Demostenes Torres (DEM-GO) tenha retirado artigo pelo qual o poder público estaria habilitado a conceder incentivos fiscais às empresas com mais de 20 empregados que mantivessem uma cota mínima de 20% de trabalhadores negros.
O senador considera como pontos positivos do Estatuto o reconhecimento ao livre exercício de cultos religiosos e o direito dos remanescentes de quilombos às suas terras.
Para a senadora Serys Slhesssarenko (PT-MT), que votou pela aprovação do texto, ainda que com algumas ressalvas, “a garantia de igualdade entre todos é princípio fundamental para a existência de uma democracia de fato e de direito. Devo admitir que o projeto não é o ideal, mas ainda assim, está próximo de ações mais contundentes de combate ao racismo. Estamos mais próximos da reparação de injustiças históricas que afligem a raça negra”, disse durante a votação.
A coordenadora do MNU-DF ainda rebateu as declarações dos que avaliaram de forma positiva a aprovação do Estatuto. “Eles [os políticos] dizem que com a aprovação tudo vai melhorar lá na frente. Bom, isso a história vai dizer, mas enquanto isso não queremos ficar de braços cruzados. Vamos continuar lutando pelos nossos direitos. Queremos aperfeiçoar o Estatuto com ajuda de toda a sociedade civil”.
O Estatuto da Igualdade Racial foi aprovado nesta quarta-feira (16) no plenário do Senado, em sessão extraordinária. Mais cedo, o texto havia sido aprovado na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e passou sem alterações no plenário da Casa. O projeto segue agora para sanção presidencial.
*Com informações das Agências Brasil e Senado e da Folha de São Paulo
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