Leia a transcrição da entrevista de Marina Silva à Folha e ao UOL
Marina Silva, ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente, participou do "Poder e Política", projeto do UOL e da Folha conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues. A gravação ocorreu em 26.fev.2012 no estúdio do UOL em Brasília.
Marina Silva– 26/02/2012
Narração de abertura: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima tem 55 anos. Já foi senadora da República, ministra do Meio-Ambiente e candidata a presidente da República.
Marina Silva nasceu em uma pequena comunidade chamada Breu Velho, no Seringal Bagaço, localidade situada na zona rural de Rio Branco, capital do Acre. Aos 16 anos, mudou-se para a zona urbana para tratar da saúde, fragilizada por doenças como malária e hepatite. Nessa idade, aprendeu a ler, trabalhou como empregada doméstica e também dedicou-se à religião.
Filiada ao PT, Marina disputou sua primeira eleição em 1986, para deputada federal. Perdeu. Depois, em 1988, foi eleita vereadora em Rio Branco. Foi quando sua carreira política deslanchou. Na eleição seguinte, de 1990, elegeu-se deputada estadual. E, em 1994, aos 36 anos, tornou-se senadora, cargo para o qual foi reeleita em 2002.
Marina Silva foi ministra do Meio Ambiente do ex-presidente Lula de 2003 a 2008. Pediu demissão do cargo por discordar de políticas do governo petista. Filiou-se ao Partido Verde e disputou a eleição presidencial de 2010 contra a candidata do PT, Dilma Rousseff. Marina foi derrotada, mas ficou em 3º lugar com 19,6 milhões de votos.
Agora, em 2013, fora do Partido Verde, Marina Silva tenta fundar uma nova sigla... chamada “Rede Sustentabilidade”. Se a “Rede” ficar pronta, Marina pode disputar a Presidência da República pela legenda em 2014.
Folha/UOL:Olá internauta. Bem-vindo a mais um "Poder e Política - Entrevista".
Este programa é uma realização do jornal Folha de S.Paulo e do portal UOL. E a gravação é realizada aqui no estúdio do Grupo Folha, em Brasília.
A entrevistada desta edição do Poder e Política é a ex-senadora, ex-ministra, ex-candidata à presidente da República, Marina Silva.
Folha/UOL: Como vai, Marina, tudo bem?
Marina Silva: Tudo bem, Fernando.
Folha/UOL: Começo perguntando uma questão de gênero. O novo partido que está sendo criado deve ser tratado por nós como a Rede ou o Partido Rede Sustentabilidade? Masculino ou feminino?
Marina Silva: É. Eu acho que a Rede.
Folha/UOL: É?
Marina Silva: A Rede. É.
Folha/UOL: Seria, assim, no feminino, então. A Rede, sempre.
Marina Silva: A Rede. É.
Folha/UOL: Está certo.
Marina Silva:Porque, inclusive, já...
Folha/UOL: Então, “o partido [a Rede]”, né?
Marina Silva: É. Mas vai quebrando o paradigma, né?
Folha/UOL: Está certo. Então, feminino. E, dois, outra dúvida que eu tenho, os jornalistas têm essa dúvida: Quem é do partido PT, é petista. Do PMDB, pemedebista. Do PSDB, peessedebista. Quem é da Rede é o que? Redista? Como a gente poderia chamar?
Marina Silva: É, isso é ainda uma indagação que até o meu filho, que trabalha com programação, me fez. “Mãe, como é que vai ser isso?” Eu digo, as pessoas vão ser criativas o suficiente para encontrar um caminho. Ou, pelo menos, vão nos chamar de “os redes”.
Folha/UOL: Os redes?
Marina Silva: [risos]
Folha/UOL: Essa seria uma forma aceitável, você acha, do grupo que foi composto?
Marina Silva: É. Eu acho que soa bem, não é?
Folha/UOL: É. Muito bem. Como é que está a coleta de assinaturas para a formação do partido?
Marina Silva: Bem, nesse momento em que a gente ainda está no processo de registro junto ao TSE [Tribunal Superior Eleitoral], ainda é um esforço de mobilização muito espontâneo. Mas várias iniciativas estão sendo tomadas e, sobretudo, das pessoas que entram no nosso site, o www.brasilemrede.com.br, e baixam a ficha e estão encaminhando para os endereços mais próximos.
Folha/UOL: Eu soube que, num primeiro momento, cerca de 20 mil fichas foram baixadas. Tem alguma atualização desse número?
Marina Silva: Nesse momento, eu não tenho essa atualização. Mas é uma grande quantidade que já foi baixada e a busca que as pessoas estão fazendo. Eu estou medindo um pouco isso nas minhas caminhadas. Geralmente, as pessoas são muito respeitosas, mas quando, agora, depois do sábado que foi lançada a Rede, uma boa parte passa e diz: “Como é que eu faço para ajudar? Conte comigo”. E várias pessoas estão manifestando espontaneamente o desejo de contribuir com as assinaturas.
Já tivemos um ato aqui, na Feira do Guará, sábado aqui em Brasília. Em São Paulo também, lá na Av. Paulista. E em Minas Gerais já está programado. Em vários lugares, as pessoas já estão fazendo. E não só, digamos assim, pelos grupos mais ligados à Rede, mas iniciativas espontâneas também de pessoas que não são fundadoras ou que não estão diretamente ligadas.
Folha/UOL: Uma dificuldade que muitos que já montaram algum partido no Brasil relatam é que não é só a coleta das assinaturas, que é um processo difícil, mas também a validação das assinaturas e o enfrentamento de algumas impugnações ou protestos de grupos que são contra a formação do partido. No caso da Rede, como isso está sendo visto e como vai ser enfrentado?
Marina Silva: Bem, primeiro nós estamos olhando com muita atenção aos erros que foram cometidos por outras iniciativas no sentido de aprender com elas e evitar.
Folha/UOL: Por exemplo.
Marina Silva: Por exemplo, acumular muitas fichas para mandar para a Justiça Eleitoral. No caso, aquela zona que precisa ser verificada, atestada a assinatura da pessoa, a veracidade daquele apoio. Então, nós estamos fazendo um esforço para mandar em pequenas quantidades para facilitar o trabalho. E, obviamente, que existem duas dificuldades, na verdade. Uma é a questão do tempo, que é muito pequeno para a coleta de assinaturas. E outro, esse aspecto que você mencionou, enfim, dos questionamentos que possam ser feitos numa estratégia protelatória por parte de algumas pessoas que estão interessadas em que não criemos a Rede.
Mas eu espero que o espírito democrático prevaleça porque é um direito que esse grupo representativo, não há dúvida, da sociedade que há mais de 30 anos vem militando na causa socioambiental tem de participar do processo político na sua configuração institucional.
Folha/UOL: Não é novidade que no Congresso há alguns projetos que foram apresentados, projetos de lei, que tentam mudar o modelo atual de formação de partidos para impedir que ocorra como no caso do PSD, o partido montado pelo ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. Se algum desses projetos prosperar, vier a ser aprovado, ele vai impactar diretamente na iniciativa da Rede. No Congresso, a sra. tem monitorado o que está acontecendo a respeito disso e qual é a sua opinião?
Marina Silva: Os parlamentares ligados à Rede, Walter Feldman, Alfredo Sirkis, o deputado [Domingos] Dutra, enfim, e os amigos da Rede estão fazendo esse acompanhamento. Obviamente que isso seria mudar as regras do jogo durante o jogo porque, até então, partidos foram criados com base na legislação atual. Mudar essas regras seria, claramente, uma atitude casuística no sentido de evitar que esse grupo representativo da sociedade também possa buscar uma ferramenta para participar da política institucional alinhado com os seus princípio, com o seus propósito.
Agora, isso também denuncia algo. Que há uma preocupação em relação a essa força política que vem se configurando desde 2010. Se por um lado isso, de fato, demonstra uma ação casuística mesmo, para tentar evitar [a formação do partido], isso não se dá por acaso porque, se fossemos uma força irrelevante, com certeza as pessoas estariam nos tratando como trataram boa parte dos demais.
Folha/UOL: No caso de prosperar uma dessas iniciativas, daí a Rede, evidentemente, tentaria alguma reação no plano judicial? Ou não?
Marina Silva: É. Eu, enfim, acredito que os advogados da Rede estão já com uma estratégia de fazer esse acompanhamento do ponto de vista do enfrentamento judicial porque seria claramente mudar as regras do jogo direcionadamente para um determinado grupo político já que o próprio partido do Kassab acaba de ser criado sem nenhuma perda daquilo que são os ganhos que tiveram. Isso estaria sendo imposto à Rede. Então, vamos, sim, fazer os questionamentos judiciais e acreditamos que, no caso, a Justiça Eleitoral vai estar muito atenta para evitar dois pesos e duas medidas.
Folha/UOL: Quantos deputados federais e senadores manifestaram publicamente a intenção de se filiarem à Rede ou já se filiaram?
Marina Silva: Olha, nesse momento, nós temos quatro deputados.
Folha/UOL: Federais?
Marina Silva: É.
Folha/UOL: Quem são eles?
Marina Silva: Dois do Maranhão e, inclusive o deputado Dutra, que é militante histórico do PT, o deputado Walter Feldman, do PSDB.
Folha/UOL: De São Paulo.
Marina Silva: E o Alfredo Sirkis, do PV. Esses já estão conosco no ato de fundação da Rede.
Folha/UOL: O Dutra do Maranhão. Alfredo Sirkis, PV do Rio de Janeiro. Valter Feldman, PSDB de São Paulo.
Marina Silva: E o Simplício também, do PPS do Maranhão.
Folha/UOL: Simplício do PPS do Maranhão. São quatro. Senador algum se manifestou?
Marina Silva: Até o momento, temos conversa com algumas pessoas mas muito mais no campo do apoio. Não necessariamente para vir para a Rede. São pessoas que têm um olhar de respeito para conosco, como é o caso do deputado Randolfe [Rodrigues, PSOL- AP] que manifestou claramente que nós temos o direito de nos organizar como tal, mas que ele permaneceria no PSOL e não foi uma abordagem para que ele viesse para a Rede, mas muito mais para que esteja ao lado.
Folha/UOL: Deixe eu fazer uma pergunta. O Brasil tem 30 partidos políticos. A sra. já participou do PT. Esteve um breve período no PV. Nenhum desses, na sua avaliação, poderia ser adaptado para receber essa militância toda que hoje se concentra ao lado da Rede?
Marina Silva: Bem, adaptado eu não sei. Mas o PV teve a grande chance de se reelaborar. De se refazer. Mas foi o próprio PV que se recusou a fazê-lo. Após as eleições de 2010, havia o compromisso de que o partido iria se democratizar, abrindo-se para eleger seus dirigentes no plano estadual, municipal, e introduzir no seu programa a questão da sustentabilidade como sendo, digamos assim, a matriz orientadora do seu programa. A parte programática, eu diria, que caminhou bem porque o programa que eu e o Guilherme Leal apresentamos nas eleições de 2010, já era essa contribuição. Infelizmente, na reestruturação do partido, na democratização do partido, isso não aconteceu. E a minha saída, do Guilherme e de um grupo relevante de pessoas do Partido Verde, se deu em função dessa incoerência, de que o PV não foi capaz de fazer jus ao legado que ele mesmo suscitou, preferindo manter-se como um partido que não queria se colocar como um projeto político para o país.
Folha/UOL: Por que eu pergunto isso? Expressando, mais ou menos, um senso-comum de muitos brasileiros. Será que o Brasil precisa ter tantos partidos?
Marina Silva: Eu diria que o Brasil precisa repensar o seu sistema político. Reformar o sistema político. E a Rede surge exatamente para fazer esse questionamento que você está fazendo. Eu diria que nós estamos antecipando, em alguns aspectos, a reforma política que desejamos. Porque não dá para continuar fazendo compromisso com a reforma, como fazem aqueles que ganham as eleições, e depois reformando o compromisso. Nós decidimos que, no que desse para antecipar, mesmo de acordo com a legislação atual, nós já iriamos fazendo essa antecipação. Como, por exemplo, o teto para contribuição financeira. Nós advogamos e trabalhamos pelo financiamento público de campanha. Isso vai estar no nosso programa, está na nossa plataforma. Mas, enquanto ele não vem, que tal pensarmos no financiamento popular de campanha? Em vez de poucos contribuindo com muito, muitos contribuindo com pouco.
Folha/UOL: Esse modelo foi tateado na última eleição pela sua campanha à presidente da República, que teve um êxito relativo às demais. Mas, olhado exclusivamente no plano geral, ainda foi muito modesto o valor obtido e o número de contribuintes. Por que foi tão difícil, na última eleição, ampliar mais essa base de contribuintes individuais e ter uma massa maior de contribuições?
Marina Silva: Primeiro porque levou muito tempo para validar o sistema junto à Justiça Eleitoral.
Folha/UOL: Mas isso não vai se repetir agora?
Marina Silva: Não, mas agora ele já está validado. Agora, a Justiça já acolheu como mecanismo de arrecadação por parte dos partidos, inclusive em períodos eleitorais. E nós fizemos com que esse sistema se tornasse um sistema público. Ele está à disposição de qualquer partido que queira fazê-lo. A organização da sociedade civil... Enfim, quem quer queira lançar mão desse sistema, inclusive aperfeiçoá-lo, poderá fazê-lo. E nós vamos, com os devidos aperfeiçoamentos, trabalhar com ele. E foi um risco que nós, deliberadamente, decidimos correr. Nós preferimos sair da retórica e tentar implementar do ponto de vista prático do que repetir sempre que almejamos o financiamento público de campanha e continuar fazendo as mesmas coisas. Já que isso está na nossa governança, se colocarmos no estatuto que será assim, a Justiça Eleitoral não criará nenhum constrangimento a nós de fazermos assim.
Folha/UOL: Só para recapitular, eu estou com o número aqui de 2010, logo depois da eleição, houve um balanço. Pode ser até que tenha mudado, mas a ordem, eu acho, que de grande é essa. Foram 3.095 mil doações via web. Total de 170 mil reais. Sendo realista, que tipo de horizonte é possível imaginar que possa ser atingido em número de doadores individuais e valores doados na sua avaliação?
Marina Silva: Olha, eu não quero ainda chegar a esse ponto de ficar imaginando um número.
Folha/UOL: Mas é que é muito pouco. Três mil é, realmente, muito modesto.
Marina Silva: É. Mas para aquelas circunstâncias de quem estava... Digamos, os pioneiros sempre pagam o preço, né? Dizem que tem os pioneiros e tem os desbravadores. Os colonizadores, aliás. Os pioneiros e os colonizadores. E que a diferença dos pioneiros e dos colonizadores é que os colonizadores precisam perguntar sempre. “E aí? Tem chuva? Tem Sol? A terra é fértil? Tem muitos espinhos?” Não é? Ou seja, no caso, os colonizadores perguntariam: “E vai ter gente suficiente? Vai ter um número, digamos assim, de doações necessárias para o partido ou para a campanha?” E eles perguntam isso para quem? Eles só podem perguntar isso para os pioneiros. E nós queremos pagar o preço dos pioneiros mesmo diante de uma incerteza. Numa demonstração de que é possível pensar a político num processo de construção, de reelaboração dos nosso códigos, das nossas linguagens. Criar um outro acervo de experiência, um outro repertório para um sistema político que está cada vez mais estagnado. Então nós estamos, digamos assim, pagando o preço dos pioneiros para que os desbravadores depois possam fazer as suas devidas perguntas.
Folha/UOL: Então, mas eu não sou nem um desbravador, nem um colonizador. Mas vou fazer a pergunta, então, para a sra. na condição de pioneira que teve essa bem sucedida experiência. A sra. teve quase 20 milhões de votos. É lícito supor que metade daqueles, ou uns 25% daqueles que votaram na sra. em 2010, possam ser pessoas que estejam propensas ou que não tiveram condições, naquele ano, de fazer uma doação? É isso?
Marina Silva: Olha...
Folha/UOL: Eu estou pensando num horizonte objetivo. Foram 20 milhões de votos. Metade, será que doariam? 25%? 10%?
Marina Silva: Eu acho que a gente não pode fazer esse cálculo automático. Acho que é trabalhar para que se crie uma cultura da doação espontânea. Para que se crie uma cultura dessa ideia de muitos contribuindo com pouco. Isso já acontece nos Estados Unidos. Por que não experimentar no caso da realidade brasileira, da América Latina? E, no caso do Brasil, há um potencial. Eu não sei exatamente quanto isso pode se configurar em ação efetiva por parte das pessoas. Nós vamos trabalhar para que isso se estabeleça como um novo paradigma: de que as pessoas assumam a responsabilidade com aquilo que elas querem ver se transformar em realidade. E, obviamente, que uma campanha tem custos e, se esse custo for distribuído, é bem melhor do que ele centralizado na mão de poucos doadores.
Um exemplo disso, Fernando, foi agora, no encontro que nós tivemos. Cerca de 1.700 pessoas vieram pagando as suas passagens, fazendo hospedagem solidária ou pagando a sua hospedagem, a sua alimentação, não é? Esse número de delegados ou de participantes teriam um custo em média, sendo bem conservadora, em torno de 500 a 700 mil reais. Imagino que as pessoas, em menos de 20 dias, se mobilizaram para dar uma contribuição dessa magnitude. Então há um potencial e a Rede vai trabalhar esse potencial para que a gente crie uma nova cultura política na realidade do Brasil.
Folha/UOL: O cadastro de cerca de um milhão de pessoas que foi montado em 2010 permaneceu com a Rede ou ficou no PV?
Marina Silva: Bem, é do PV também, mas ele faz parte desse legado que, também, nós temos acesso a eles. Até porque foi um, digamos, produto coletivo, de um esforço coletivo.
Folha/UOL: Entendi. Para esgotar esse tema do financiamento, foi anunciado que a Rede não deve aceitar doações de determinadas empresas. A saber: Empresas que fabricam cigarro, bebidas alcoólicas, agrotóxicos e, se eu não me engano, uma outra. Enfim, agora, tem outras empresas que também são polêmicas na sociedade, se envolvem em escândalos. Por exemplo, empreiteiras. Uma empreiteira que doou para a sra. em 2010, a Andrade Gutiérrez, ela faz a usina Angra III, usina nuclear. Tem lucros por conta de construir uma usina nuclear. Fez uma doação para a sua campanha. Empreiteiras não há, pelo que eu entendi, uma limitação de doação. Não é uma limitação pela metade essa que foi feita? E, se é pela metade, será que ela é eficaz?
Marina Silva: Bem, na verdade, pelo que nós fizemos em 2010, foi estabelecer que, no caso, armamento e tabaco não doariam para a campanha em 2010. Por que fizemos isso? Primeiro porque era uma forma de divulgar o nosso ideal de uma cultura de paz. Tinha uma força simbólica. E, no caso do tabaco, também a questão da saúde. Lembra que naquela época estava toda a discussão da proibição do fumo em espaços públicos em São Paulo? Uma situação bem intencionada. E nós resolvemos que iríamos participar, inclusive colocando claramente na nossa campanha que não iríamos receber doação da indústria do fumo. Nesse momento, agora, a Rede entendeu que também o problema dos agrotóxicos está muito grave, envolvendo graves problemas de saúde das pessoas. E, nessa linha de saúde, continuamos com o simbolismo de não receber os recursos dessas empresas. E, também, em relação a cultura de paz. Tem um recorte simbólico em relação a questão da paz e da saúde.
Em relação as demais empresas, vai ser tratado no caso a caso. Até porque resolvemos que, como a legislação estabelece que pode haver doação de empresas, o que nós fizemos para que todas pudessem, vamos dizer assim, ter o mesmo recorte é o que teto para a contribuição que vai ser arbitrado de acordo com o levantamento que os nosso especialistas irão fazer futuramente. Então, vai ter o teto com certeza. Algo que não caracteriza qualquer possibilidade de influência em qualquer processo político para que fique bem claro essa ideia de muitos contribuindo com pouco, inclusive aqueles que podem contribuir mais. Porque, entre os simpatizantes da Rede, tem pessoas que até gostariam de contribuir mais. E nós resolvemos colocar essa autolimitação exatamente para evitar que ficássemos dependendo das contribuições daqueles que já estão propensos a contribuir.
No caso das demais empresas, vamos tratar no caso a caso, sem nenhum tipo de discriminação em relação a elas. A questão da saúde e da paz foi o recorte que fizemos do ponto de vista de um posicionamento político que já fosse traduzido numa atitude.
Folha/UOL: Entendi. Agora, ainda assim, esse recorte que foi feito: armas, fumo, bebidas alcóolicas, agrotóxicos. Quatro áreas. Esse exemplo específico que eu dei, uma empreiteira que constrói uma usina nuclear e que deseja doar, nesse caso teria que ser analisado.
Marina Silva: Depende da situação. Vai ser no caso a caso. Primeiro porque o nosso entendimento é que o doador está doando espontaneamente, que isso não vai configurar nenhuma influência. Pelo menos no meu caso, em todos os debates eu fui fazer, digamos, a afirmação da minha posição contrária a energia nuclear como alternativa para a realidade do Brasil e não seria diferente em relação a qualquer outro aspecto. A independência em relação aquilo que são as nossas posições políticas baseadas no princípio da probidade, da visibilidade, da transparência e de tudo aquilo que está prescrito na nossa Constituição.
Folha/UOL: Mas, nesse caso específico, é um caso a ser analisado ou certamente uma empresa envolvida na construção de uma usina nuclear poderia doar?
Marina Silva: Se ela quiser doar mesmo sabendo da minha posição ou da posição contrária da Rede à energia nuclear, não teria nenhum problema. Até porque isso caracterizaria da parte dela um certo desprendimento de estar contribuindo com quem tem uma posição contrária. Isso é a democracia.
Folha/UOL: Mas, nesse caso, se a Rede tem contra, a posição da sra., que é pública, energia nuclear para a conjuntura brasileira e é contra, também, o uso de agrotóxicos, digamos como efeito. Agora, a empresa ligada à energia nuclear pode ter o desprendimento de doar. Agora, a empresa que faz o agrotóxico, mesmo sabendo da sua posição, não poderia doar.
Marina Silva: Porque, nesse caso, nós queremos marcar muito claramente que é uma posição política mesmo em relação aos problemas graves de saúde que estão sendo causados em função do abuso dos agrotóxicos. É um protesto, não é? E, obviamente, que futuramente, se a Rede decidir protestar outras atividades que considerem que deve protestar, vai fazê-lo. Vamos tratar no caso a caso. Não é uma posição a priori. Do mesmo jeito que temos uma posição crítica com relação ao uso abusivo da produção de energia de hidroeletricidade, mas não uma posição ideológica que, no caso em que fique devidamente comprovado que aquela hidrelétrica pode ser feita respeitando os aspectos sociais, ambientais, culturais, não tem nenhum problema, é um potencial de geração que deve ser usado e que é altamente benéfico para o nosso país que, afinal de contas, tem a sua maior fonte de geração na hidroeletricidade. Não é um posicionamento ideológico. E vamos tratar, sim, no caso a caso.
Folha/UOL: Se, muito difícil falar no condicional mas, se, eventualmente, até 5 de outubro não for possível obter o registro definitivo, o que fazer?
Marina Silva: Algo que a Rede vai ter que debater. Agora, uma coisa é certa: Nós não vamos ter uma atitude exacerbada em relação a tentar viabilizar uma candidatura a qualquer custo, a qualquer preço. Queremos ter total coerência programática. E nossa decisão levará em conta o esforço e a coerência com o que vem sendo feito. Quando eu saí do PV, eu disse que não ia ficar na cadeira cativa de candidata e não estou na cadeira cativa de candidata. Havia um grupo que achava que deveríamos fazer imediatamente um partido. Decidimos que íamos apostar no movimento. Durante esses dois anos, eu andei o país inteiro defendendo o ideário da sustentabilidade em todas as suas dimensões, inclusive na dimensão da sustentabilidade política. E, nesse momento, houve um entendimento da maioria das pessoas que participam dessa rede, porque nós já somos uma rede, que se deveria participar também do processo político institucional na forma da criação de uma ferramenta política que nos possibilitasse isso. Porque o bom da ideia da Rede é que ela é muito maior do que as fronteiras que um partido possa estabelecer. Existem pessoas que estão na Rede que nem estão no possível partido que criaremos. Então, nós vamos manter coerência com esse legado. Não vai haver nenhum tipo de atropelo ou atropelamento dos ideias para viabilizar uma candidatura de forma incoerente com essa história e com essa trajetória. Temos alguns partidos que até se dispuseram ao diálogo conosco. Propuseram uma espécie de fusão.
Folha/UOL: Quem são eles?
Marina Silva: No caso, foi o PPS que se dispôs. Ele estão num movimento, também, de transformação, de reavaliação. Acho louvável o esforço que está sendo feito no PPS. Temos um diálogo de proximidade, mas a nossa escolha foi por termos um instrumento político; E, claro, quando chegar o momento, quando essa situação se colocar... Se se colocar, porque se Deus quiser e os brasileiros, nós haveremos de estar aptos para fazer a nossa escolha. Porque mesmo estando aptos, ainda vamos ter que tomar a decisão sobre candidaturas em 2014.
Folha/UOL: Então, para recapitular, deixe eu ver se eu entendi. Cinco de outubro, que é a data exata que marca um ano antes da eleição de 2014, vai cair em 5 de outubro de 2014. Então, 5 de outubro de 2013, se, na eventualidade de a Rede não estar ainda com o registro definitivo na Justiça Eleitoral, o movimento, como a sra. chama, aí analisaria as possibilidades de eventualmente trabalhar com um partido já existente.
Marina Silva: É. Eu não quero trabalhar essa hipótese agora. Eu digo que eu não consigo nadar se eu tenho que fazer uma, digamos travessia a nado com alguém me oferecendo um barco do lado. Eu prefiro encarar a situação e não ficar colocando isso, digamos assim, como um horizonte. Nós estamos a determinados a que teremos a possibilidade de fazer a nossa própria escolha com essa ferramenta política que queremos que o Brasil nos ajude a criar. Então, todo o nosso foco, nesse momento, está para a viabilização da Rede para que possamos fazer essa escolha. E o diálogo com os outros partidos tem muito mais a ver com esse esforço de buscarmos mais e mais pessoas e organizações identificadas com esse conteúdo programático. Porque eu sempre digo que as mudanças que o Brasil e o mundo precisam não serão feitas por um partido, por uma pessoa. Eu gostaria muito de que essa visão pudesse atravessar também os demais partidos. Não apenas quanto um programa, um capítulo para ser mencionado, mas como uma atitude prática nas votações do Congressos, nos compromissos que assumem em relação a várias questões importantes, sobretudo diante do retrocesso que tivemos nos últimos dois anos na agenda ambiental do nosso país.
Folha/UOL: No dia do lançamento oficial da Rede, a sra. deu uma entrevista se manifestando sobre vários aspectos e mencionou que o partido não será nem situação, nem oposição. Algumas pessoas enxergaram aí um pouco de similaridade naquilo que o ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, falou sobre o partido dele quando foi criado, falando que o partido dele não seria nem de centro, nem de direita, nem de esquerda. Eu entendo a razão pela qual a sra. falou isso. Não queria ficar enquadrada nos padrões tradicionais da política partidária, do establishment que foi feito e que não teve sucesso etc. Dá para eu entender que foi essa a intenção. Agora, por outro lado, essa aversão à política dos partidos também não tem um efeito ruim em certa medida? Porque as pessoas não conseguem enxergar direito o que vai ser a Rede?
Marina Silva: Ah, mas as pessoas enxergam muito bem. Eu fiquei nesses últimos três anos, porque contando com a campanha de 2010, dizendo isso. De que nós estávamos à frente. A frase completa é essa, de que estamos à frente. Até porque os velhos enquadramentos já não dão conta mais dessa realidade complexa. A pergunta que se deveria estar fazendo é: Se a esquerda é quem delimita o caminho fora do padrão conservador de fazer política, dos velhos caciques políticos, ter uma separação clara em relação a isso, é isso que é ser esquerda? Se for isso, quem é a esquerda hoje no Brasil? Certo? Se a direita é quem fica na política conservadora e mantém uma certa distância daqueles que se intitulam de esquerda, se for isso, quem é a direita no Brasil? Na verdade, os velhos paradigmas já não dão conta da realidade. Essa realidade complexa exige além, muito além, da oposição pela oposição, que só vê defeitos mesmo quando as virtudes saltam aos olhos, como é o caso do Bolsa Família, e da situação que só vê virtudes, mesmo quando os problemas saltam aos olhos, como é o caso do Código Florestal. É por isso que eu digo que nós estamos à frente. E as pessoas, nesse momento, estão fazendo um esforço muito grande para que nos enquadremos no que está aí. Mas nós não somos o que está aí. Nós somos diferentes pela nossa própria natureza. Foi assim que eu fiz o debate em 2010, não é? Se alguém repetir o que havia sido dito em 2010, problema de quem repetiu fora do contexto apenas como pretexto para se justificar. Nós temos uma posição que eu considero a frente mesmo. A sustentabilidade não deve ser pensada como uma tarefa apenas de esquerda ou de direita. Tem que ser pensada como uma tarefa da sociedade brasileira, dos empresários, dos trabalhadores, dos jovens, da academia, dos índios, de todos nós. É uma força tarefa. Então, essa é uma visão que exige de nós. Não apenas ser oposição por oposição ou situação por situação. Exige posição. E é isso que eu tenho feito. É isso que a gente tem feito. Se a presidente Dilma tem uma proposta interessante em relação às políticas sociais, eu não tenho porque ser contra. Agora, se ela não cumpriu com o que havia se comprometido de vetar os artigos que promovem anistia para desmatadores, eu não tenho porque ser favorável. E isso é assumir posição.
Folha/UOL: Inclusive, a presidente Dilma Rousseff, que já está com quase 2 anos e 2 meses de mandato, teve na sua campanha, em 2010, na propaganda eleitoral, uma imagem oferecida aos eleitores de grande administradora, eficaz, e que iria ajudar o Brasil naquilo que se convencionou chamar de governança. O Brasil cresceu pouco nos últimos 2 anos, enfrenta alguns problemas estruturais. A sra. Acha que essa imagem da grande administradora foi mal colocada em 2010?
Marina Silva: Bem, nós vivemos uma situação delicada. De fato, o crescimento pífio do nosso país coloca uma série de preocupações, não só para o governo, mas para todos nós. Eu não faço a política do quanto pior, melhor. Eu acho que nós temos que começar a pensar a política a partir de acúmulos que sejam progressivamente melhores para o Brasil. É muito fácil você fazer política em cima da ideia de terra arrasada. Torcer para que o país vá mal e, em cima dessa situação, você se viabilizar como salvador da pátria. Difícil é você fazer um debate em que você diga: “Nos últimos dezesseis anos, tivemos conquistas na agenda econômica, na estabilidade econômica, tivemos conquistas na agenda social. Vamos manter essas conquistas, corrigir os erros e...”
Folha/UOL: A sra. Falou 16 anos, termina no Lula. A sra. excluiu a Dilma ou não? Queria dizer 18 na verdade?
Marina Silva: Eu estou falando de um período. É um referencial de onde começaram as mudanças. Por exemplo, o avanço das políticas sociais é claramente identificado com o governo do presidente Lula e a presidente Dilma dá continuidade às políticas que foram iniciadas e consolidadas no governo do presidente Lula.
A questão da estabilidade econômica foi uma conquista do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. O presidente Lula deu continuidade. E a presidente Dilma, a duras penas, está tentando dar continuidade, com sérias dificuldades de manter esses ganhos, já que estamos vivendo uma situação em que o repeteco das medidas de 2008 e de 2009 já não está funcionando mais. Então, neste momento é fundamental que tenhamos um olhar para várias questões referentes ao Brasil.
Para mim, o Brasil, e eu dizia isso na campanha, não precisa ficar fazendo a apologia do gerente. Um presidente da República não é para ser o gerente do país. O presidente da República é para ter visão estratégica. Quando ele tem isso, ele consegue os melhores gerentes. O Fernando Henrique não era um gerente. O Lula não era um gerente. Mas foram pessoas que tiveram uma determinada visão estratégica em relação à economia, em relação às políticas sociais.
Qual é o desafio do Brasil de hoje? O desafio do Brasil, hoje, é, em cima dos ganhos já alcançados, ir numa outra direção que, no meu entendimento, é a mudança do modelo de desenvolvimento. Como sair do modelo atual, predatório, insustentável, que não é só do Brasil, é do mundo inteiro, para uma economia de baixo carbono? Como investir em educação, tecnologia e inovação para produzirmos os empregos, a qualidade de vida, preservando os ativos ambientais. Esse aí é o grande desafio que, infelizmente, a presidente Dilma não foi capaz de entender. Mas não só ela. O PT não foi capaz de entender. O PSDB não é capaz de entender essa nova agenda que se coloca para o mundo.
Folha/UOL: Neste caso, a sra. está dizendo: a presidente Dilma tem mais uma visão de gerente e menos uma visão estratégica neste caso?
Marina Silva: Eu não estou dizendo isso. O que eu disse é que não se deve ficar fazendo a apologia do gerente. O país precisa de quem tem...
Folha/UOL: A sra. citou o Lula e o Fernando Henrique, mas não citou ela como visão estratégica.
Marina Silva: Não, mas é porque a apologia do gerente foi feita em relação a ela. Talvez um erro de quem fez a sua campanha, correto?
Folha/UOL: Dela também, não é? Ela comandava a campanha, ou não?
Marina Silva: Não sei. É possível que, em parte, sim. Numa campanha, você não há de achar que o candidato, ele sozinho faça a sua campanha.
Folha/UOL: Mas à revelia dele algo importante assim também não é feito.
Marina Silva: Com certeza não. Há, digamos, uma aceitação. Mas alguém trabalhou essa imagem. Mas eu não quero aqui ficar entrando nos estrategistas de campanha da presidente Dilma que, inclusive, foram vitoriosos. O que eu disse...
Folha/UOL: Mas a gestão mesmo... A presidente Dilma carece um pouco de visão estratégica na sua opinião?
Marina Silva: Em relação aos temas deste século, com certeza. Apostar em energia limpa renovável e segura com uma matriz energética diversificada, distribuída, isso seria a visão estratégica deste século. Políticas de longo prazo no curto prazo dos políticos. Em vez de políticas de curto prazo para alongar o prazo dos políticos. Ter um incentivo a ser dado para estimular a economia sem contrapartidas ambientais, no meu entendimento é carecer de visão estratégica. O Obama está fazendo política de incentivo e cobrando contrapartidas ambientais. Não ter um olhar para a posição estratégica que o Brasil ocupa como economia emergente para produzir, criar essa nova economia é falta de visão estratégica. Agora, isso não é falta de visão estratégica de uma pessoa, é de um comando. É do próprio PT, que não foi capaz de resignificar suas bandeiras. E do PSDB...
Folha/UOL: Mas o comando do país está com a presidente.
Marina Silva: Sim, está com a presidente. Mas, ela, infelizmente não está indo nessa direção. O que eu estou dizendo é que, infelizmente, nesse particular, de ver o Brasil por esse ângulo de um país que pode quebrar paradigmas, que pode fazer jus à potencia ambiental que ele é, não está sendo feito. Pelo contrário, nós temos retrocessos. É a primeira vez que, em lugar de avançar, se está perdendo as conquistas dos governos anteriores. É só verificar o caso do Código Florestal, da mudança que foi feita nas competências do Ibama para fiscalizar desmatamento. É só verificar a mudança que foi feita para dar poderes à presidente, para que ela possa reduzir unidades de preservação criadas em outros governos, para facilitar as licenças das hidrelétricas que estão previstas. Então é a primeira vez que, em vez de ganhos, você tem retrocessos.
Agora, eu acho que essa agenda estratégica não está separada de uma agenda de transformação na política. A política está mudando e vai mudar no mundo inteiro. Há um movimento que começa a acontecer, que o professor Eduardo Viola fala que é da ordem de mais ou menos 20% das pessoas, que estão com uma visão reformadora do mundo. Eu chamo isso de “borda”. Tem um núcleo estagnado que só consegue ver o que aí está, o diapasão do que está aí, mesmo os esforços que estão acontecendo agora na Europa para socorrer da crise econômica ainda é dentro do velho paradigma. O esforço seria de já irmos não é nem fazendo uma ruptura, porque não é possível uma ruptura abrupta, nem uma transição demorada, é produzindo mesmo uma mutação no próprio tecido estagnado para essa transformação, porque a gente está vendo uma crise civilizatória. A modernização dos meios de comunicação com a internet está possibilitando mudanças em todos os setores da vida humana, dentro das empresas na cultura, na produção do conhecimento, na gestão pública. Por que não faria na política?
A política terá necessariamente que se reinventar. E uma das formas dessa reinvenção é o novo modelo de ativismo que está surgindo no mundo. Hoje, você não tem mas aquele ativismo clássico, dirigido pelo partido, pelo sindicato, pela UNE, pelo DCE. Hoje é aquilo que eu chamo de ativismo autoral. As pessoas são autoras da sua ação política. Eles são protagonistas, eles são mobilizadores e, ao mesmo tempo, eles são aqueles sonhadores que acreditam que podem ajudar a transformar o mundo. Isso vai mudar completamente a lógica do fazer político e, digamos, as instituições políticas terão que se reinventar, inclusive, não é, as lideranças carismáticas, cada vez mais elas vão ser substituídas por novas formas de lideranças. E eu falo isso com muita tranquilidade porque eu sei que eu tenho um certo carisma. Mas eu tenho dito que, se há alguma coisa para se fazer com o carisma, não é se investir para ter mais carisma. É investir para que as pessoas se convençam que elas podem ser um sujeito político livre, independente, que não precisa do carisma. Cada vez mais as lideranças serão multicêntricas. Os processos serão multicêntricos. Você vai ser líder num determinado momento e, em outro determinado momento, você vai ser liderado.
Esse ativismo autoral a gente vê agora com a assinatura do mais de um milhão de assinaturas de pessoas contra o presidente [do Senado] Renan [Calheiros, do PMDB-AL], a gente vê na blogueira cubana [Yoani Sánchez], que inclusive foi impedida em vários momentos de manifestar a sua opinião na nossa democracia... Enfim, esse ativismo autoral é uma característica do nosso tempo.
Folha/UOL: A sra. mencionou o presidente Renan Calheiros do Senado Federal. O senador Renan, do PMDB de Alagoas, que foi recém eleito para comandar o Senado. Há um movimento grande na internet que pede que ele seja retirado do cargo. Não obstante, quando as manifestações de rua são chamadas, o número de pessoas que comparecem ainda é, relativamente, muito baixo na comparação dos que assinam na internet. Quando vai ser possível transbordar da internet para a rua?
Marina Silva: De certa forma, já está transbordando. Já está transbordando. Eu acho que transbordou da internet...
Folha/UOL: A sra. assinou essa petição na internet?
Marina Silva: Não. Não assinei.
Folha/UOL: Mas assinaria?
Marina Silva: Eu encontrei com o rapaz que fez a mobilização. E ele até falou: “Nós vamos entregar para o Congresso a petição e a sra. não gostaria de estar?” “Não. Para o seu próprio bem, é melhor que eu não esteja. Porque isso é um processo autoral, com autonomia de pensamento”.
Folha/UOL: Mas como cidadã, a sra. assinaria essa petição?
Marina Silva: Como cidadã, eu teria outros meios para fazê-lo. Não necessariamente da forma como ele fez. Mas eu acho que o Congresso Nacional...
Folha/UOL: Mas a sra. acha legítimo?
Marina Silva: Acho legítimo. Acho legítimo...
Folha/UOL: Mas a sra. acha bom e desejável que Renan Calheiros saia do cargo de presidente do Senado?
Marina Silva: Eu acho bom e desejável que a gente tenha uma reforma do nosso sistema político. Inclusive para que não se tenha a repetição dos mandatos como temos e nós já colocamos na Rede de que até dois mandatos apenas, para que a gente não tenha esse tipo de situação em que as pessoas vão se perpetuando no poder, em que pese os questionamentos excessivos que são feitos. Nós temos casos no Congresso em que a imprensa inteira, a sociedade inteira se colocou contra uma autoridade e ela permaneceu lá, intacta.
Folha/UOL: Estou com medo do tempo porque a gente já está um pouco estourado, mas, no caso do Renan, eu não vou poder escrever, com isso que a sra. falou, que a sra. é a favor da saída dele. O que eu devo escrever? Marina Silva sobre Renan Calheiros, ele deve sair? Deve ficar?
Marina Silva: Ele deve levar em conta o clamor que a sociedade está dizendo. E não considerar o clamor que a sociedade está dizendo... Não só o Renan, isso não é uma atitude do Renan. Isso é algo para ser trabalhado pelos 81 senadores, inclusive os que votaram no presidente Renan. Há um questionamento muito forte, um descompasso muito grande entre o que a sociedade está manifestando e aquilo que o Congresso está fazendo. E não é a primeira vez. No Código Florestal, 84% não queria as mudanças e 80% fez as mudanças. No caso do Renan, mais de 1,5 milhão de pessoas estão dizendo que foi inadequada a escolha por parte do Congresso. Inadequado do ponto de vista político. E não estão considerando. Vai chegar um momento que essa, digamos, atitude que as pessoas acham que não transborda, vai começar a transbordar. E não adianta esperar que esse novo ativismo será da mesma forma do que nós fazíamos no passado. Não vai ser. Só que vai chegar um momento que vai transbordar na hora da escolha política. O cidadão vai começar a manifestar, como manifestou na eleição de 2010. As pessoas acham que o voto que foi dado a mim, foi algo esporádico que aconteceu naquele momento. Se eu tivesse no Congresso, não teria votado no senador Renan Calheiros. Teria votado no candidato do PSOL, claramente. Então, já estou dizendo qual é a minha posição.
Folha/UOL: O PDT, no caso. Foi, né? Pedro Taques.
Marina Silva: Do Pedro Taques, aliás.
Folha/UOL: Deixe eu fazer algumas perguntas assim, se a gente pudesse correr um pouco. A sra. falou da visão estratégica do país. No caso da Rede, se a Rede chega a ter a possibilidade de ser escolhida para comandar o país. Alguns aspectos da economia que estão sendo tocados, foram tocados por Fernando Henrique, Lula, mais ou menos, que continuou e Dilma Rousseff também. Por exemplo, a gestão da taxa de juros, a gestão de vários aspectos da economia. Haveria mudanças significativas na condução desses aspectos que regem o país. Por exemplo, taxa de câmbio, taxa de juros, controle da inflação?
Marina Silva: Na campanha de 2010, nós dissemos claramente das nossas diretrizes programáticas que iríamos manter o tripé da política econômica por entender que essa política era o que estava viabilizando o desenvolvimento em bases sustentáveis do ponto de vista econômico do nosso país.
Folha/UOL: Isso se mantém?
Marina Silva: Isso se mantém. A Rede mantém a mesma diretriz programática que nós estabelecemos na campanha de 2010. Claro que a grande mudança que faríamos é justamente no direcionamento daquilo que é o que eu chamo de uma competição pelo caminho de cima. Não iríamos nos perder nessa história de Estado provedor ou Estado fiscalizador. Eu até criei um termo para isso. Nós apostamos na ideia do estado mobilizador. E aí, a gente quebra mais uma vez mesmo o paradigma porque, o tempo todo, as pessoas estão querendo enquadrar. Ou você é mais Estado ou menos Estado. Não. Nós temos que fazer uma síntese desses esforços e fazer com que o nosso país continue sendo um país economicamente próspero, mas, ao mesmo tempo, ambientalmente sustentável. Essa seria a grande mudança. Manteríamos o tripé da política econômica que, aliás, existe até uns questionamentos se, de fato, ele ainda está devidamente equilibrado em função dos riscos que temos atualmente com relação a questão da inflação e das medidas que vêm sendo tomadas.
Folha/UOL: Mas em relação ao tripé que segura, a economia, no momento, a ideia é a manutenção?
Marina Silva: A manutenção, sim. A ideia do câmbio flutuante com todas as questões que levam à autonomia para operar a política econômica.
Folha/UOL: Tema polêmico. Religião. Foi um tema na última eleição. A sra. tem posições conhecidas sobre vários aspectos que são caros para quem tem uma religiosidade como a sra. tem. Flexibilização da lei do aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexo, vários aspectos que são e provocam polêmica no Congresso quando vão ser analisados. A sra. mantém essas posições e, no caso da Rede, como que ela vai tratar esses temas?
Marina Silva: Primeiro, o estatuto da Rede estabeleceu uma cláusula de consciência para que as pessoas que se sentem impedidas, enfim, por questões religiosas, filosóficas, enfim, possam ser coerentes com a sua visão de mundo. Então, eu me sinto beneficiada em relação a esse princípio democrático adotado pela Rede. Porque, às vezes, as pessoas confundem o Estado laico com o Estado para beneficiar apenas os que não creem. Os maiores beneficiados do Estado laico são os que creem. E eu advogo inteiramente o Estado laico. Bem, a Rede não tem ainda uma posição fechada porque nós temos menos de 10 dias de criação, 16 dias de criação.
Folha/UOL: Vai tomar posição sobre esses temas, talvez?
Marina Silva: Não sei. Vai depender do processo. Obviamente que vai assegurar os que têm posicionamento diferente de manifestar a sua opinião. Agora, nós nos unimos na adversidade. Entre nós, existem pessoas que defendem a descriminalização da maconha, que defendem o aborto, que defende o casamento gay. E, no caso do casamento gay, é bom que fique claro que eu não defendi plebiscito para o casamento gay. Está mentindo quem disse eu defendi. Em nenhum momento eu defendi o plebiscito. O que eu disse é que os direitos civis das pessoas gays devem ser assegurados como para qualquer outra pessoa, que não deve haver nenhum tipo de discriminação. Obviamente que a nossa Constituição também assegura liberdade religiosa. E as igrejas, qualquer uma dela que tenha essa questão dentro dos seus cânones como sendo algo que não é em acordo com aquilo que diz a Bíblia ou aquilo que professa como sendo seu livro sagrado, tem o direito de dizê-lo não tratando como problema moral ou, enfim, de desqualificação das pessoas. É um direito. E isso seria ferir a liberdade religiosa das pessoas. Por outro lado, a Igreja não pode mandar naquilo que são as leis civis. As pessoas tem o direito de ser quem são independentemente da posição daqueles que creem. E isso que eu falei durante a campanha de 2010. Em relação ao aborto, eu defendi o plebiscito porque é uma questão muito complexa, envolve uma série de fatores que não são puramente religiosos. Existem pessoas que não tem nenhuma fé e, no entanto, defendem radicalmente a vida, que não admitem sequer que se mate, enfim, um inseto, qualquer coisa do gênero. São questões de natureza política, de natureza religiosa, de natureza filosófica e eu advoguei a questão do plebiscito. E a mesma coisa para a maconha.
Agora, tem uma coisa, Fernando, que as pessoas estão fazendo que é meio dois pesos e duas medidas. Por exemplo, as pessoas dizem que eu sou progressista na agenda da sustentabilidade, dos temas desse século, e sou conservadora em relação alguns aspectos em função da minha, enfim, condição de ser uma pessoa de fé. E me cobram nisso com toda a legitimidade. Aliás, devem cobrar que eu explicite as minhas posições. E eu as estou explicitando. Eu não fiz, durante a minha campanha, nem a satanização de quem defende nem a maconha, nem o casamento o gay e nem a questão do aborto. Tratei sempre com respeito e tentei elevar o debate. Por outro lado, não me escondi de assumir as posições para que as pessoas saibam exatamente o que eu penso. O que não aconteceu com os outros candidatos no segundo turno, que fizeram uma discussão, eu diria, vergonhosa sobre esse tema, assumindo posições que claramente não eram as suas posições e as pessoas tratam isso como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Folha/UOL: Houve uma hipocrisia no segundo turno, não é isso?
Marina Silva: Claramente. Claramente, um uso no mínimo inadequado dos temas. De autopromoção...
Folha/UOL: Tanto por parte da candidata do PT, Dilma, candidato do PSDB, José Serra?
Marina Silva: Eu diria que houve um uso inadequado. Eu não diria a palavra hipocrisia porque eu não tenho como julgar na subjetividade. Mas, claramente, um uso inadequado desse tema, exacerbando mil vezes mais do que eu, que tinha uma posição religiosa. Aliás, as pessoas, depois reconheceram isso. De que eu tratei, de forma muito mais correta e progressista os temas, do que foi tratado pelo Serra e pela Dilma no segundo turno. Então, eu acho que a Rede vai fazer esse debate. Existem diferentes posições.
Folha/UOL: A sra. é a favor de a Rede tomar posição objetiva sobre esses temas?
Marina Silva: Bem, eu não posso dizer que uma organização política não tome uma posição sem entender. Obviamente, que a Rede já possibilita àqueles que têm uma posição contrária por questões de consciência de divergir e que não haverá nenhum enquadramento que obrigue aquela pessoa a defender aquilo que é contra os seus princípios. Agora, uma coisa é clara: Eu não tenho nenhum problema de ter uma militância política com as pessoas que pensam contrários a mim. Aliás, eu sempre fiz campanha para pessoas que tinham um posicionamento completamente diferente do meu. Eu fazia campanha da Marta Suplicy, fiz a campanha do Gabeira e, mesmo quando o PT orientou que deveria apoiar outros candidatos no Rio de Janeiro, eu fui lá fazer a campanha do Gabeira, que defende, inclusive, a descriminalização da maconha. Por quê? Porque eu não estou elegendo padre. Eu não estou elegendo um pastor. Eu não estou elegendo uma, digamos, pessoa para dar orientação espiritual ao país. Eu estou elegendo o governador, o presidente da República. Esse foi o meu posicionamento desde sempre. Quando era católica, sempre me posicionei assim. Como cristã evangélica, do mesmo jeito.
Agora, obviamente, do mesmo jeito que as pessoas têm a liberdade de expressar o seu posicionamento, é justo que também o posicionamento contrário possa ser colocado sem que a pessoa venha a ser satanizada igualmente. Por que a gente não faz um debate aberto, respeitoso, sem as rotulações? Eu não fico rotulando moralmente ninguém que defende os temas polêmicos com os quais eu divirjo. Por que eu tenho que ser rotulada? Essa é uma questão. Eu não quero achar que eu seja mais tolerante do que eles.
Folha/UOL: A sra. mencionou padres, pastores etc. A sra. agora não é mais católica, não é? Ainda assim, tem alguma opinião de como deveria ser o perfil do novo papa da Igreja Católica?
Marina Silva: Eu venho de uma relação muito profunda com Igreja Católica. Toda a minha base ética na política vem das comunidades de base e eu devo profundamente isso à Igreja Católica pelo excelente trabalho que fez no final da década de 70, década de 80, fazendo com que pessoas como eu, que não tinham nenhuma chance de ser olhada na política, tivessem um lugar para pensar a política e aprender. E aprendi com professores muito bons. Dom Moacyr, Leonardo Boff, Clodovis Boff, Frei Betto, e outras pessoas de altíssimo quilate da nossa, enfim, realidade eclesiástica no campo da teologia progressista. O que eu espero, é que tenha um posicionamento progressista. Depois de João Paulo II, com o seu jeito carismático, mas, ao mesmo tempo, acolhedor das diferenças, com certeza, é uma grande contribuição que se dá para o mundo pela importância política que tem a figura do papa e a importância religiosa que tem para os católicos.
Folha/UOL: A sra. foi companheira no PT de vários militantes do PT que foram processados e condenados no processo chamado de mensalão. [Vou] citar José Dirceu, João Paulo Cunha, José Genuíno, entre outros. Eles foram condenados à prisão. A sra. acha que foi justa a condenação?
Marina Silva: A Justiça teve acesso aos autos. Eu não tive, digamos, a altura e profundidade que eles tiveram para fazer o seu veredito. Então, eu espero que as instituições tenham feito a justiça, sim. Se você me perguntar se eu lamento, lamento. Claro que eu lamento por essas pessoas, por suas famílias, pelo nosso país, pelas nossas instituições. Lamento o que aconteceu. Por outro lado, é uma grande chance de aprendizagem para todos nós. Inclusive para mim. No Roda Viva, eu fiz uma menção do sofrimento que é o que aconteceu com o Genuíno, certo? Eu conheço o Genuíno de muitos anos, conheço a sua família. E não foi fácil ver o que estava acontecendo. Quando eu vi a carta da Miruna eu fiquei muito emocionada. A carta da filha do Genuíno, né? E isso é um ensinamento para todos nós. Quer por ação ou por omissão, há um preço que se paga quando erros são cometidos. Mesmo que você não tenha cometido diretamente. Então, isso é uma demonstração que devemos ficar todos atentos. Como você falou, que eu sou cristã evangélica, tem um versículo bíblico que diz: “Aquele que pensa que está de pé, cuide para que não caia”. Então, nenhum de nós pode se vangloriar de um estado permanente de retidão. Devemos ficar vigilantes o tempo todo. Agora, é claro que a humanidade consegue criar meios muito sofisticados para fazer as suas correções quando não é capaz do exercício da autolimitação, que o que mais nos dá independência e liberdade é quando somos capazes de nos autolimitar. E isso só é possível com as instituições virtuosas. E eu espero, sinceramente, que a ação do Supremo [Tribunal Federal], que tudo que foi feito pela Polícia Federal e pelo Ministério Público sejam uma demonstração de que instituições virtuosas estão aptas a nos corrigir quando falharmos em nossas virtudes.
Folha/UOL: Alguns são deputados federais e já foram condenados pelo Supremo, embora o processo ainda não tenha sido concluído formalmente. O Congresso acerta em esperar até o último momento para retirar esses que tem mandato lá de dentro?
Marina Silva: Eu diria que é protelar um processo que talvez acaba passando uma imagem ruim das instituições.
Folha/UOL: O que seria melhor?
Marina Silva: O que seria melhor é que, guardando a autonomia dos poderes, quando um poder tem o poder de condenar e é ele que é capaz de fazer isso, que o Congresso não resista a esse poder. Da mesma forma que o Judiciário não deve resistir quando legalmente ou constitucionalmente o Congresso fizer as leis mesmo que não seja de agrado da Justiça.
Folha/UOL: Três presidentes: Fernando Henrique Cardoso, Lula e, agora, Dilma Rousseff. Qual dos três foi mais exitoso no exercício da presidência.
Marina Silva: Primeiro, a presidente Dilma ainda está quase na metade. Seria injusto comparar com quem passou oito anos, não é? E eu acho que...
Folha/UOL: Mas Lula e Fernando Henrique estão no mesmo nível ou um se sobrepõe ao outro?
Marina Silva: Eu não gosto dessas comparações. É impossível fazer comparação em política. A política é um processo vivo, não é? E cada um vive as circunstâncias históricas daquele momento, tem que atuar naquele momento que é, digamos assim, “irrepetível”, não tem como se repetir, se é que existe essa palavra. Então, o Fernando Henrique viveu as suas circunstâncias, o Lula viveu as circunstâncias dele e seria uma leviandade ficar comparando os dois. Eu posso dizer que os dois tiveram graves problemas e tiveram conquistas muito significativas. A conquista da política econômica, da estabilidade econômica, isso ninguém pode retirar do governo do Fernando Henrique e não dá a eles o crédito. O avanço fantástico da política social, de tirar mais de 30 milhões de pessoas da extrema pobreza, de colocar mais de 30 milhões da classe média, isso ninguém pode tirar do Lula.
Agora, qual é a diferença do meu posicionamento em relação a isso tudo? É que graças a Deus, estar a frente me possibilita não ter uma visão de oposição por oposição e nem de situação por situação. E eu era assim mesmo quando estava no Governo e era assim mesmo quando estava na oposição. Se as pessoas olharem para a minha trajetória de vida, vão verificar que, como senadora de oposição, eu ajudei a provar muitos projetos que achava interessante do presidente Fernando Henrique Cardoso. Mesmo sendo do Governo, eu criei situações que iam na contramão daquilo que o Governo estava defendendo, mesmo quando era ministra do presidente Lula. Porque a minha lógica não é de oposição por oposição, nem de situação por situação.
Folha/UOL: Do melhor do seu juízo, dada a conjuntura de hoje, que forças a sra. acha que estarão representadas com candidato a presidente em 2014?
Marina Silva: Com certeza, o PT, que tem a presidência da República. Não só é legítima, mas que tem a força que está sendo expressa nas pesquisas, não é? E, enfim, não é de se esperar que seja o contrário o PSDB. Até porque a polarização PT e PSDB já tomou conta do Brasil. E, enfim, legitimamente, o governador Eduardo Campos está pleiteando construir a sua candidatura. Se você fala isso pensando na Rede, essa é uma decisão que será tomada nesse momento, nós estamos muito focados um projeto político para essa situação de crise que nós estamos vivendo na política brasileira que não é diferente no mundo. A discussão da candidatura é uma possibilidade, mas, por enquanto, apenas uma possibilidade que, pode ter certeza, se tiver uma candidatura melhor na Rede, nós não tergiversaremos um segundo para encaminhá-la.
Folha/UOL: Eu perguntei isso para a sra. porque no caso do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, que também é presidente do PSB, Partido Socialista Brasileiro, há uma avaliação, enfim, de pessoas que acompanham o cenário eleitoral há anos no Brasil de que, na eventualidade de ele vir a ser candidato, ele disputará, em certa medida, alguns eleitores que também estão incomodados com essa polarização já antiga, nos padrões brasileiros, entre PT e PSDB, e que dessa forma, seria um cenário diferente de 2010. Teria uma disputa também no campo de eleitores que hoje a Rede vai disputar e a sra. teve em 2010, e que isso faria com que a sra. tivesse uma limitação no desempenho perante esses elitores. O que a sra. acha dessa análise?
Marina Silva: Bem, eu prefiro ir para princípio. Se somos democráticos, devemos defender o direito de que as pessoas possam pleitear, apresentar as suas ideias e seus projetos. E isso, para mim, em nenhum momento será negativo. Teremos mais opções de pessoas apresentando as suas propostas.
Folha/UOL: Ele disputa um pouco os votos parecidos com os seus ou não?
Marina Silva: Mas eu acho que, se a gente ficar tratando o eleitor como se eles fossem objetos que a gente fica disputando aqui, como se as pessoas não tivessem vontade própria. As pessoas têm vontade própria e devemos trabalhar para que, cada vez mais, elas não sejam percebidas como eleitoras da Marina, nem da Dilma, nem do Aécio, nem do Eduardo Campos. Que sejam sujeitos políticos que merecem ser respeitados. E que olhando para os candidatos, para as suas propostas, para as suas ideias, vão fazer livremente as suas escolhas. Não tem nada a priori. Os 20 milhões de votos foram dados em 2010. Essa cena não vai se repetir. O que vai acontecer vai ser algo inteiramente novo, diferente, ainda que com base naquilo que foi acumulado e que deve ser preservado. Eu não trato os eleitores como se eles fossem uma herança. Eu trato os eleitores como pessoas, como sujeitos políticos. É para isso que eu estou fazendo esse esforço. Eu estou há mais de 30 anos na vida pública acreditando profundamente que as pessoas podem fazer as suas escolhas não porque já tenham compromisso à priori com esse ou aquele candidato. Mas porque elas são capazes de fazer uma leitura viva. Da política viva. E, a partir daí, ajudar a criar o momento de acordo com as circunstâncias que é dada e que é oferecida.
Folha/UOL: Marina Silva, ex-senadora, ex-ministra. Muito obrigado por sua entrevista na Folha de S.Paulo e ao UOL.
Marina Silva: Obrigada à você.
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