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Comissão da Verdade diz que ex-prefeito catarinense foi morto pela ditadura

Renan Antunes de Oliveira

Do UOL, em Florianópolis

02/06/2014 20h47

Os peritos da Comissão Nacional da Verdade apresentaram na tarde desta segunda-feira (2) em Florianópolis uma nova versão para a morte do ex-prefeito de Balneário Camboriú Higino João Pio, que supostamente teria cometido suicídio enquanto detido na Escola de Aprendizes da Marinha, em 1969. A perícia concluiu que ele foi "vítima de homicídio por estrangulamento, em local ignorado."

Segundo os peritos Pedro Cunha e Saul Martins, Pio já estava morto quando foi suspenso pelo pescoço por um arame, amarrado ao registro de um vaso sanitário, na sala do capelão da Escola de Marinheiros, no lado continental da capital catarinense.

O Inquérito Policial Militar aberto ainda durante a ditadura, em 1976, que estava arquivado no STM (Superior Tribunal Militar), concluiu por suicídio dentro da Escola. O reexame das fotos e laudos levaram a uma conclusão totalmente oposta, a de homicidio por estrangulamento, mas sem indicar o local onde o crime aconteceu.

Apresentando as fotos para familiares e membros da Comissão Estadual da Verdade de SC, no plenarinho da Alesc, o perito Cunha desceu aos detalhes dos chinelos do morto. Eles foram fotografados numa sala diferente daquela onde o corpo foi encontrado: "Isto é raro, em casos de suicídio os chinelos sempre estão ao lado do corpo, ou próximo dele", disse Cunha.

Ele disse também que a rigidez do cadáver indica que ele foi morto num horário anterior ao declarado no laudo original, feito na época pela Polícia de Santa Catarina. O corpo estava de pé, sem flexionar os joelhos (flexão existente na célebre foto de Vladimir Herzog morto no Doi-Codi de São Paulo).

Os documentos originais serão postados na internet pela Comissão Nacional da Verdade na próxima quarta-feira (4).

Higino João Pio foi o primeiro prefeito de Balneário Camboriú, eleito pelo antigo PSD em 1965.

Segundo seu ex-secretário Rubens Rodrigues, 79, presente na audiência, ele foi preso pelos militares por ser amigo do ex-presidente Jango, derrubado pela ditadura em 1964: "Pio foi acusado de corrupção, mas não era nada disto. Um fiscal da fazenda que era da UDN fez a denúncia por birra, levando os militares a prendê-lo. Ela não cometeu sucidio, não era homem disso", afirmou Rodrigues.

A historiadora Tania Serpa também na audiência, tinha 8 anos quando Pio morreu. Desde então estuda o caso: "Foi um crime político, pelas diferenças locais entre PSD e UDN, coisas que já acabaram. Pio já tinha sido absolvido das acusações pela Câmara de Vereadores da cidade".

O filho mais velho do prefeito morto, Júlio César Pio, também participou da mesa onde os peritos expuseram as fotos do pai - mas ele preferiu não olhar no momento em que foram exibidas as imagens mais dramáticas. O perito Cunha pediu desculpas pela apresentação do material.

Higino Pio foi o único preso político catarinense supostamente morto em uma dependência militar em Santa Catarina. 

Os peritos da CNV estiveram em Florianópolis em 30 de janeiro e realizaram uma investigação na Escola de Aprendizes Marinheiros.

Cunha disse que "fomos recebidos com gentileza e os militares nos deram acesso aos locais da prisão". Segundo ele, não foi possível apurar onde Pio foi morto. O banheiro onde seu corpo foi apresentado pelos militares em 1969 foi transformado e hoje é um alojamento para oficiais.

Na quarta-feira de cinzas, em fevereiro de 1969, ele e alguns funcionários da prefeitura foram presos pela Polícia Federal e levados para a Escola da Marinha. Todos os demais foram libertados, menos Pio, que permaneceu incomunicável por uma semana. Ninguém mais o viu vivo. No dia 3 de março o corpo foi entregue à familia para sepultamento.

A historiadora Tânia Serpa lembra de ter visto  "quatro homens de terno preto que as pessoas sabiam que eram da ditadura, vigiando o enterro. Naquela época, todo mundo tinha medo deles".

A perícia do caso de Higino Pio foi um pedido do Coletivo Catarinense de Memória.

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