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"Golpe" contra Dilma segue metodologia paraguaia, diz ex-ministro de Lugo

O então ministro Miguel Lopez Perito se reune com o ex-presidente Fernando Lugo em foto de 2009  - Flickr/Fernando Lugo
O então ministro Miguel Lopez Perito se reune com o ex-presidente Fernando Lugo em foto de 2009 Imagem: Flickr/Fernando Lugo

Fernando Notari

Do UOL, em São Paulo

29/04/2016 06h00

Ex-ministro-chefe do Gabinete Civil do Paraguai durante o governo de Fernando Lugo, presidente que sofreu impeachment em 2012, Miguel López Perito, hoje senador no país, crê que o processo brasileiro contra Dilma Rousseff é mais uma tentativa de “golpe de Estado” na América Latina.

Eleito em 2008, Lugo teve seu mandato interrompido após julgamento político que durou pouco mais de 24 horas. À época, as nações sul-americanas, inclusive o Brasil, avaliaram que houve “ruptura da ordem democrática” e decidiram pela suspensão temporária do país do Mercosul (Mercado Comum do Sul) e da Unasul (União de Nações Sul-Americanas).

Em entrevista ao UOL, Perito reforçou que Lugo foi destituído ilegitimamente, apesar da aparência constitucional conferida ao processo, e aponta semelhanças com o caso que corre contra a petista – de acordo com ele, a metodologia usada é a mesma.

Entre outras características, o ex-braço direito de Fernando Lugo destaca a busca por um pretexto para depois se consumar o “golpe” com auxílio de um parlamento corruptível, revelador de uma democracia frágil e “manejável pelo dinheiro” verificada em toda a América Latina.

No Paraguai, o “Massacre de Curuguaty”, conflito por terra em município homônimo que decorreu na morte de seis policiais e 11 campesinos, pelo qual Lugo foi responsabilizado, foi o “detonador do impeachment”, avalia Perito, que sustenta que a situação foi "montada". No Brasil, o suposto pretexto forjado equivalente seria a tentativa de imputar crime de responsabilidade a Dilma.

UOL - O senhor defende que houve um golpe de Estado no Paraguai. Os grupos contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff também usam esse termo. O senhor concorda?

Miguel López Perito - Considero que, como houve no Paraguai, há também um golpe sendo aplicado no Brasil. Os mecanismos, as características podem variar, mas basicamente a metodologia é a mesma. Ativa-se uma figura constitucional por meio de um complô e por fim se utiliza o parlamento para romper a ordem constitucional.

Há quem defenda que a destituição de Lugo se deu respeitando o que manda a Constituição do Paraguai. O que, então, caracteriza um golpe de Estado no processo?

Se usaram uma figura constitucional, que é o impeachment, no Paraguai também foram violadas as garantias processuais. O que precisamente caracteriza essa metodologia de golpe de Estado inaugurada em Honduras, seguida depois no Paraguai e que agora atinge o Brasil, é que utiliza-se uma figura constitucional e a cumplicidade dos setores mais poderosos da sociedade para direcionar a vontade política das representações parlamentares.

Obviamente, no caso brasileiro, manifesta-se a utilização desse mecanismo. Acusada, Dilma Rousseff é julgada por operadores de esquemas de corrupção -- o próprio presidente da Câmara dos Deputados [Eduardo Cunha - PMDB-RJ] é um dos principais operadores desses mecanismos. Portanto, não se trata de uma ativação jurídica, mas de uma decisão política a fim de tombar um governo legitimamente constituído.

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Dilma é acusada de cometer crime de responsabilidade. O senhor não concorda?

Aparentemente, o que fez Dilma não é motivo para impeachment. No caso de Lugo, como dizia a agenda parlamentária programada à época, o que entrou na pauta do dia foi a “condenação do presidente da República”. Quer dizer, não era o julgamento. Ele já estava condenado de antemão, previamente à realização do julgamento.

Entendo que no caso de Dilma há uma situação parecida, porque coincidem muitas opiniões a afirmar que aquilo do que se acusa a presidente não é efetivamente um delito que implique em má administração e muito menos em impeachment.

Que outros fatores levaram à destituição de Fernando Lugo?

Resumiria em uma palavra: medo. O medo da direita sobre a continuidade de um projeto progressista no Paraguai. O grupo que manejou o impeachment, dirigido por Horácio Cartes [atual presidente do Paraguai], tinha grupos empresariais, multinacionais e muitos outros que colaboraram e geraram condições, junto com as grandes corporações midiáticas, para a efetivação do impeachment.

Assim como Lugo, Dilma também tem atualmente um oponente político na figura de seu vice-presidente. Há semelhança nas atitudes de Michel Temer e Federico Franco?

Sobre Federico Franco, há de ser entendido que desde quando Lugo assumiu ele esteve conspirando. Foi um dos cabeças da conspiração para derrubar o presidente. No caso de Dilma, não posso dizer porque desconheço a trajetória de Temer. Mas, havendo suspeita de que ele estaria sendo afetado pelo famoso caso da Lava Jato, considero que pode ser um vice-presidente que se prestou a esse papel, a essa operação de golpe de Estado parlamentar.

Como o senhor vê a democracia na América Latina?

Creio que em geral [a democracia na região] segue sendo frágil, manejável pelo dinheiro e pela pressão midiática. São também as grandes corporações midiáticas multinacionais que manejam esse tipo de processo [de impeachment] em toda a América Latina.

A destituição de Lugo causou uma profunda ferida na democracia da qual até agora a cidadania paraguaia não se recuperou. Creio que o impeachment de Dilma no Brasil também teria consequências. Não esquecendo, claro, que no Brasil há condições de participação democrática, de nível político maiores do que na cidadania paraguaia. Os setores progressistas do Brasil estão melhores articulados e em melhores condições de gerar um processo de recuperação frente a este tipo de ofensiva contra a estabilidade democrática e contra o sistema republicano.

Outra consequência [provável no caso brasileiro] é que os que estão aplaudindo o golpe contra Dilma são os mesmos que estarão nas ruas pedindo a cabeça dos líderes que propiciaram a queda da presidente. Isso ocorrerá quando esses líderes atuarem contra os interesses das massas. Porque essa é a verdade, atuarão declarando brutais medidas que provocarão empobrecimento e grande precarização das condições de vida da população. É isso que ocorre em governos de direita na América Latina. Cedo ou tarde, as pessoas reagem contra isso.