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Belo Monte deixa pendências na Justiça e futuro duvidoso para a região

Lalo de Almeida - 09.mar.2016/Folhapres
Imagem: Lalo de Almeida - 09.mar.2016/Folhapres

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

05/05/2016 12h50

Com a primeira das suas 24 turbinas gerando energia, a usina de Belo Monte, em Altamira (PA), foi visitada pela presidente Dilma Rousseff, nesta quinta-feira (5).

Polêmica desde sua fase de projeto, em 2006, a obra que começou a funcionar há um mês deixa cerca de 1.500 ações pendentes na Justiça, um legado de questionamentos sobre a forma como foi conduzida a obra e dúvidas sobre o futuro da região com o desmonte do canteiro de obras.

“Belo Monte representa a perda de uma oportunidade de mostrar que os grandes empreendimentos podem ser realizados na Amazônia com respeito aos direitos humanos. Tivemos condições de fazer uma discussão da implantação, mas acabamos reproduzindo aquele modelo da década de 1970, com a imposição de uma obra. E surgiu assim uma série de irregularidades”, declarou o procurador da República Ubiratan Cazetta, que acompanha o projeto desde seu início.

Movimento em uma das principais ruas de Altamira (PA), por onde passam todos os ônibus que levam e trazem diariamente os trabalhadores da obra de Belo Monte - Lalo de Almeida/Folhapress - Lalo de Almeida/Folhapress
Em 2013, a movimentação de trabalhadores da usina Belo Monte era intensa em Altamira (PA)
Imagem: Lalo de Almeida/Folhapress

“O que foi em Altamira que melhorou com Belo Monte? Nada! Dilma vem inaugurar o caos! Ainda pagamos aqui a energia mais cara desse país, de péssima qualidade”, disse Antonia Melo, da ONG (organização não-governamental) Xingu Vivo.

Segundo a Norte Energia, as obras de Belo Monte estão praticamente concluídas, restando o trabalho de montagem eletromecânica. A previsão é que a cada dois meses, em média, seja ativada uma nova turbina até o pleno funcionamento da hidrelétrica, em 2019. A empresa diz que a usina terá capacidade instalada de 11.233,1 MW, distribuindo energia para 17 estados do Brasil.

Para o Ministério Público Federal, com o fim das obras, a preocupação agora é acompanhar o desmonte de Belo Monte. “O impacto agora é desmontar toda estrutura, que chegou, no auge, a ter 30 mil trabalhadores. Com a saída, Altamira vai ter um impacto significativo, e agora vamos entender o tamanho real de Belo Monte. A operação demanda pouca gente, e muitos serviços do entorno vão deixar de ocorrer. Daqui pra frente será mais um problema social que ambiental. ”

Cazetta mantém, no momento, um trabalho de “depuração dos dados”, analisando tanto os prejuízos individuais quanto coletivos, que deverão gerar várias discussões na Justiça. Mesmo sem condições de reverter os danos causados, o procurador, que questiona inclusive os estudos de impacto ambiental, espera o julgamento das ações para que outras obras não passem por problemas idênticos.

Tanto Cazzeta quanto Antonia Melo veem o início de uma depressão econômica na região, que poderia ter sido amenizada com investimentos anteriores. Ambos lembram ainda os impactos ambientais como a mortandade de peixes.

A líder comunitária destaca que as famílias retiradas tiveram que se mudar para conjuntos distantes do rio e do centro da cidade, e falta postos de saúde e escolas. “É uma precariedade. Isso sem contar a violência extrema, as drogas que tomaram conta dos jovens”, finalizou.

Histórico

Belo Monte foi marcada por uma série de denúncias de danos ambientais e sociais que levaram o país, inclusive, a ser alvo de ação na OEA (Organização dos Estados Americanos) por violações de direitos humanos

Por diversas vezes, a obra chegou a ser paralisada para ajustes e seu custo tornou-se quatro vezes maior que o previsto, saltando de R$ 7 bilhões para R$ 30 bilhões.
Houve uma série de questionamentos sobre a deterioração cultural indígena na região. Cerca de 8 mil famílias (entre índios, ribeirinhos, agricultores e moradores de Altamira) foram retirados para dar lugar aos lagos e à obra. Indenizações teriam sido pagas com valores aquém dos praticados no mercado.

Nos primeiros oito anos de execução da obra, os moradores não tiveram assistência jurídica gratuita -- apenas em 2015 a Defensoria Pública da União chegou a Altamira.

Outro lado

O UOL procurou, nessas terça e quarta-feira (3 e 4), a Norte Energia para que se pronunciasse sobre as críticas ao projeto, mas o consórcio não respondeu aos questionamentos. A reportagem enviou três e-mails para o escritório de imprensa do consórcio, que não foram respondidos, e também telefonou para o local, mas ninguém atendeu.

Em outras ocasiões, o consórcio afirmou que a construção de Belo Monte cumpriu as exigências socioambientais em todas as etapas do empreendimento. "Foram cumpridos os compromissos para obtenção das licenças Prévia, Instalação e de Operação. Portanto, não há o que falar em violação dos direitos humanos uma vez que a empresa atendeu a todas as condicionantes do licenciamento ambiental", disse em comunicado, no início do ano.

Ainda segundo a empresa, entre 2007 e 2009, durante a elaboração do estudo de impacto ambiental foram realizadas 12 consultas públicas, 10 oficinas com a comunidade, mais de 4.000 visitas às famílias da região do Xingu e 30 reuniões com representantes indígenas em aldeias. 

Nesta sexta-feira (6), o consórcio divulgou uma nota em que afirma que "Belo Monte representa segurança energética para 40% dos domicílios brasileiros". Sobre as ações na justiça, a nota diz que "cerca de 25 ações movidas pelo Ministério Público Federal tiveram decisões favoráveis ao empreendimento até agora".

A nota afirma também que "dizer que o modelo de Belo Monte segue os padrões de 1970 é desconhecer e desrespeitar um debate de mais de 30 anos com a sociedade civil organizada". E prossegue: "Discussão essa que resultou na evolução e adequação do projeto para não alagar nenhum centímetro de terras indígenas e apresenta o mínimo de impactos ambientais para a região do Xingu, além de proporcionar um título que muito honra Belo Monte: hoje é a usina com o melhor aproveitamento por área de reservatório. Dois reservatórios de 478 km², com área total 60% menor do que a proposta original, essa sim de três décadas atrás."

Segundo o consórcio, "a reportagem ignora os investimentos de R$ 4,2 bilhões do Plano Básico Ambiental e do Plano Básico Ambiental- Componente Indígena".

"A Norte Energia tem um programa específico de desmobilização de mão de obra para garantir que as pessoas cujos contratos chegaram ao fim voltem às suas cidades de origem, evitando os 'problemas sociais' apontados na reportagem", diz a nota.

"As denúncias de violência e segurança apontadas na matéria são questões que deveriam ser tratadas pelo Estado brasileiro, não pelo empreendedor. Ainda assim a Norte Energia investiu, por meio de convênio com o governo do Pará, mais de R$ 100 milhões em obras, aquisições e serviços, incluindo a compra de um helicóptero, o mais moderno da frota estadual", afirma o texto.

"Por fim, a reportagem lamentavelmente ignora que a região sempre foi marcada pelo abandono do poder público e carência completa de serviços essenciais à população. Problemas que os adversários ideológicos da obra teimam em desprezar e, assim, demonizar o empreendimento de forma irracional", conclui a nota do consórcio.
 

Em 2015, indígenas bloquearam acesso à usina de Belo Monte

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