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Rede perde dirigentes, e militantes criticam comando de Marina Silva

Marina durante evento da Rede; partido nega concentração de poder - Sergio Lima/Folhapress
Marina durante evento da Rede; partido nega concentração de poder Imagem: Sergio Lima/Folhapress

Bernardo Barbosa

Do UOL, em São Paulo

05/12/2016 06h00

Anunciada como a representante de uma “nova política”, a Rede está sendo acusada por militantes do próprio partido de ser gerida sob práticas de uma “velha política”. Segundo filiados ouvidos pelo UOL, problemas enfrentados pela legenda, como a saída de nomes de peso e o fraco desempenho nas eleições municipais de outubro (o partido elegeu apenas sete prefeitos, sendo apenas um em capital), decorrem da concentração de poder exercida pelo grupo que comanda o partido, sob a orientação da ex-senadora Marina Silva.

O comando do partido diz que as instâncias estaduais e municipais têm autonomia para tomar decisões políticas e que disputas são resolvidas de modo colegiado. A direção também questiona a avaliação de que o resultado nas urnas foi ruim e afirma que muitas das reclamações vêm de pessoas cujos grupos perderam disputas "democráticas" dentro do partido.

No entanto, um dirigente do partido em nível estadual, que pediu para não ser identificado, faz avaliação diferente. Segundo ele, um grupo de "satélites" de Marina está "cada vez mais aparelhando a Rede". Segundo ele, o grupo age por meio de resoluções da Executiva Nacional do partido para que os diretórios estaduais tenham cada vez menos autonomia.

"Falta sensibilidade em dividir o poder, em fazer o que o estatuto [do partido] prevê. Há uma distância muito grande entre o que fazem e o que falam", disse.

Para o dirigente, esta forma de gerir o partido tem "total relação" com o desempenho fraco da Rede nas últimas eleições, já que a centralização de poder impediria a expansão do partido. Ele disse temer que, desta forma, a legenda não consiga ultrapassar a nova cláusula de barreira aprovada recentemente pelo Senado.

"Precisamos ser um partido de fato diferente. Se a gente não ultrapassar a cláusula, a diminuição passa a ser gradativa. Precisamos de um novo caminho."

Uma "régua" diferente

Para José Gustavo, um dos dois porta-vozes nacionais da Rede --Marina Silva divide a função--, as expectativas sobre o partido são altas ("E isso é bom", afirma) devido à presença de lideranças como a ex-senadora. No entanto, disse ele, é necessário medir a legenda com uma "outra régua", por ser uma organização formalizada há pouco mais de um ano.

"Nós elegemos 180 vereadores e sete prefeitos. Na comparação com a primeira eleição do PSOL, eles elegeram 25 vereadores e nenhum prefeito", declarou.

1.jun.2016 - Os porta-vozes da Rede Sustentabilidade, José Gustavo Fávaro Barbosa e Marina Silva, participam, em Belém, de evento de lançamento de pré-candidaturas a prefeito no Pará - Léo Cabral - 1.jun.2016/Rede/Divulgação - Léo Cabral - 1.jun.2016/Rede/Divulgação
José Gustavo e Marina em evento da Rede em Belém, em junho
Imagem: Léo Cabral - 1.jun.2016/Rede/Divulgação

Segundo José Gustavo, a Executiva Nacional, órgão que gere o partido, envia comissões para a moderação de conflitos em nível estadual.

"Diferente de outros partidos, que intervêm, a Rede vai até o lugar, dialoga. Isso aconteceu em muitos Estados. Se fosse hierarquizado, a Executiva Nacional escolheria um lado e seria mais rápido", disse.

"Já fui 'marineiro', hoje sou Rede"

Já segundo outro filiado à Rede em São Paulo, que também preferiu se manter no anonimato, o problema é a falta de transparência. A militância não teria acesso ao conteúdo das reuniões do Elo Nacional, órgão que define o posicionamento político do partido. O integrante da legenda também disse que o comando da Rede estaria descolado de sua base, sem consulta aos filiados para decisões partidárias.

O militante cita, por exemplo, a atuação do partido durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Marina Silva se manifestou a favor da saída da presidente, enquanto a bancada no Congresso se dividiu. Da mesma forma, “60% dos membros do Elo Nacional posicionou-se favoravelmente ao impeachment, e os outros 40% dividiram-se entre a posição contrária e a abstenção”, disse Bazileu Margarido, integrante da comissão executiva da Rede, em texto publicado no site do partido no dia 25. Segundo Margarido, a divisão no Elo levou a Rede a preferir não fechar questão sobre o impeachment.

30.ago.2016 - O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) disse em discurso no plenário que os erros cometidos pelo PT não podem levar à condenação de uma pessoa inocente -- no caso, a presidente afastada, Dilma Rousseff, acusada de crime de responsabilidade - Jonas Pereira - 30.ago.2016/Agência Senado - Jonas Pereira - 30.ago.2016/Agência Senado
O senador Randolfe Rodrigues divergiu de Marina no impeachment
Imagem: Jonas Pereira - 30.ago.2016/Agência Senado

Para o filiado ouvido pelo UOL, uma decisão sobre o impeachment deveria ter sido tomada com a participação da militância.

"A Executiva Nacional e Marina não representam mais a base do partido", disse.

Eu já fui 'marineiro', hoje eu sou Rede. Essa é uma fala corriqueira

Filiado à Rede

Por sua vez, José Gustavo afirmou que a reclamação de distância entre comando e bases "revela vícios de cultura política no Brasil", já que a Rede, segundo ele, não atua por meio de "comando e controle" e deixa opções em aberto. Sobre as reuniões do Elo Nacional, o porta-voz nacional declarou que as atas estão disponíveis "para todos os filiados em ambiente restrito aos filiados".

Saída de dirigentes

As reclamações feitas pelos militantes são similares aos motivos que levaram três dirigentes da Rede nos níveis nacional e estadual a se afastarem de suas funções do partido --ou mesmo sair da legenda-- após o primeiro turno das eleições municipais.

No começo de novembro, Neide Herrero, porta-voz (cargo equivalente ao de presidente) da Rede no Mato Grosso do Sul, anunciou que deixaria as atividades do partido em uma carta aos filiados. No texto, ao qual o UOL teve acesso, Neide diz que "tanto a eleição quanto o poder foram tornando-se bandeiras principais do movimento".

A ex-dirigente também critica a centralização das decisões tomadas pelo partido, distante das bases, com direito a intromissões da Executiva Nacional na gestão estadual. Segundo Neide, Marina Silva está rodeada por um grupo que esconde problemas dos Estados e "filtra todas as notícias para que cheguem sedosas aos seus ouvidos". O UOL procurou Neide por telefone e e-mail ao longo de três dias, mas não conseguiu contato.

Já Giowanna Cambrone, que era coordenadora nacional de ativismo e movimentos sociais, deixou o cargo --que faz parte da Executiva Nacional da Rede-- em meados de novembro. Antes, ela foi porta-voz estadual (equivalente a presidente) do partido no Rio.

Segundo uma fonte da legenda, ela tomou tal decisão devido ao desgaste provocado pela aliança da Rede com o PSC em Guarulhos, na Grande São Paulo, para a eleição de 2016. Giowana é militante transexual, e o PSC é o partido do deputado federal Jair Bolsonaro, conhecido por suas posições contra direitos de minorias. Procurada pelo UOL, ela não quis comentar o assunto.

Antes, no caso mais ruidoso, Luiz Eduardo Soares, porta-voz da Rede no Rio, anunciou sua saída do partido em carta aberta. No texto, publicado no dia 3 de outubro --um dia após o primeiro turno das eleições-- eles e mais seis militantes disseram que "a Rede tem se estruturado sobre um vazio de posicionamentos políticos". Segundo o grupo, a falta de rumo da legenda "permitiu que muitos oportunistas e políticos de direita identificassem na Rede um espaço fértil para seus projetos particulares. O que ocorreu em todo o país, então, foi um mergulho da Rede em direção ao passado e às tradições políticas que pretendíamos superar."

'Ânimos aflorados'

Segundo o porta-voz José Gustavo, alguns casos de afastamento do partido se deram com pessoas que "estavam em minoria política em posições tomadas de modo democrático". De acordo com ele, isso aconteceu no Mato Grosso do Sul. No caso, houve uma divergência sobre a tática para as eleições de Campo Grande que foi mediada pela Executiva Nacional, e Neide "não se sentiu contemplada". O partido elegeu um vereador na capital sul-mato-grossense.

"Parece [que há] uma necessidade de que a Marina ou outra liderança agisse mais hierarquicamente, quando o nosso processo é colegiado. Se a Marina fosse centralizadora, ela escolheria um lado, a gente interviria e faria alguma coisa", declarou o porta-voz.

Quando questionado sobre a possibilidade de um racha no partido, José Gustavo negou e citou os "ânimos aflorados" do atual momento político no Brasil. "É natural que pessoas se movimentem nesse cenário", disse. "Nós estamos tentando e, na nossa visão, conseguindo, em 15 meses de partido, trazer uma dinâmica diferente para a atuação partidária." 

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