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Câmara paga até R$ 30 milhões por mês em 'penduricalhos' a servidores

Nivaldo Souza

Colaboração para o UOL, em São Paulo

03/01/2017 05h00

Está nas mãos dos deputados federais o pacote de projetos impondo limites aos "supersalários" no serviço público. Caso as propostas sejam aprovadas, milhares de servidores ativos e inativos da Câmara podem ter seus vencimentos mensais reduzidos com o fim de adicionais --os chamados "penduricalhos"-- que, somados aos salários, elevam substancialmente seus ganhos. A economia aos cofres públicos com a medida pode superar mais de R$ 29,63 milhões por mês (veja na imagem abaixo).

Este foi o valor pago pela Câmara em "penduricalhos" aos servidores ativos e inativos somente em novembro, conforme cálculo do UOL realizado com base em informações disponibilizados na área de recursos humanos do Portal da Transparência da Câmara.

O montante reflete ganhos extras recebidos na forma de abonos, auxílios e vantagens por meio dos quais servidores federais ultrapassam o teto constitucional: o salário mensal de R$ 33,7 mil recebido pelos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), que deveria ser o valor máximo de salários na esfera pública.

O diretor do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), Antônio Augusto de Queiroz, diz que a entidade ainda não foi acionada por nenhum dos 90 sindicatos de servidores de Brasília sobre os projetos. Por isso, não há posicionamento formal da principal defensora dos servidores.

Mas tem muita gente furando o teto", pondera Queiroz.
 
O diretor do Diap avalia que o avanço dos projetos limitando os supersalários na Câmara, como compensação, depende do avanço no Congresso do reajuste em 16,3% do salário dos ministros do STF. Há um projeto de lei elaborado pela Câmara em tramitação no Senado autorizando esse aumento,
 que elevaria o teto para cerca de R$ 39,3 mil mensais.

Trata-se do PLC 27/2016, que é alvo de uma consulta online de popularidade no site do Senado. Por enquanto, a maioria que votou é contra o aumento.

O projeto está pronto para votação no plenário do Senado desde novembro, mas o texto foi não avançou em meio ao embate entre o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o Poder Judiciário. Ele priorizou a votação do fim do supersalários.

O "congelamento" do aumento obedeceu também a um pedido do presidente Michel Temer, que se manifestou contra o reajuste. Temer disse que a medida teria um efeito “cascata gravíssimo” para as contas públicas. Com a saída de Renan da presidência do Senado em fevereiro, o reajuste deve ser dormitar nos arquivos do Senado. A presidente do STF, ministra Carmén Lúcia, também sinalizou ser contrária ao aumento.
 

Teto furado

O "furo" no teto constitucional aparece na folha de pagamento da Câmara em novembro, quando a Casa repassou R$ 202 mil para um servidor aposentado. O valor foi liberado sob a rubrica de "outras remunerações eventuais/provisórias".


A assessoria da Câmara informa que o valor se referiu a atrasados de janeiro de 2013 a agosto de 2016 devidos ao pensionista como "integralização de aposentadoria". O recurso é previsto no artigo 190 da lei 8.112/9, que determina ao servidor aposentado provento proporcional ao tempo de serviço em caso de aposentadoria por doença.

Já a realização de "serviços extraordinários" rendeu vencimentos líquidos a dois analistas legislativos de R$ 35.413,64 e R$ 33.961,47, respectivamente, após descontos previdenciários e a aplicação do redutor constitucional, que só incide sobre o salário bruto.

Já o "abono de permanência" rendeu em valores líquidos R$ 48.383,49 e R$ 40.890,31 a dois analistas legislativos e R$ 39.474,49 a um técnico em legislação.

O abono garante aos servidores uma espécie de bônus por terem continuado executando as funções para as quais foram contratados após concurso público. É pago como um reembolso da contribuição previdenciária ao funcionário público em condição de se aposentar, mas que optou por continuar em atividade. A Câmara desembolsou, em novembro, pouco mais de R$ 1,3 milhão com este abono.

A assessoria da Câmara pondera que algumas remunerações finais acima do teto podem incluir compensações em relação a meses anteriores. É o caso de um deputado que recebeu líquidos R$ 36.342,89 em novembro, após a reposição de faltas justificadas.

A Câmara afirma que os pagamentos não descumprem nenhum dispositivo legal e que os valores pagos cumprem leis e regulamentações que determinam o pagamento de adicionais aos servidores. "Câmara dos Deputados cumpre rigorosamente as determinações do Tribunal de Contas da União em relação ao teto constitucional. Nenhum dos casos apontados configura recebimento acima do teto", disse em nota.

 

Fim dos penduricalhos

Hoje, os penduricalhos não são computados como salário formal. Com isso, não são cortados pelo dispositivo que reduz o ganho oficial acima do teto do STF.

É esse dispositivo que faz um servidor com salário de R$ 40 mil, por exemplo, poder ter a renda reduzida para R$ 33,7 mil automaticamente. Mas caso ele ganhe R$ 5 mil como adicional por ter sido deslocado para uma comissão da Câmara, o redutor constitucional não interfere sobre esse extra na soma da sua renda líquida final, que será de R$ 38,7 mil.

Em novembro, por exemplo, um analista legislativo cujo salário nominal bruto era de R$ 27.432,38 recebeu o total líquido de R$ 48.383,49, após uma série de penduricalhos - entre eles R$ 3.321,79 como abono de permanência. As regras de abatimento do teto são definidas pela Resolução nº 14/2006 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

As propostas sobre a mesa da Câmara preveem que esses penduricalhos sejam somados aos salários para depois serem alvo do redutor constitucional em toda a esfera pública: federal, estadual e municipal.

Os projetos já foram aprovados no Senado Federal, de onde saíram sob o carimbo de serem uma retaliação do presidente Renan Calheiros (PMDB-AL) ao Judiciário. Seria uma forma de intimidar a Operação Lava Jato, na qual ele é investigado em oito inquéritos.

As propostas, contudo, são defendidas até por uma ardorosa defensora da Lava Jato: a advogada Janaina Paschoal, autora do pedido de impeachment que levou à cassação de Dilma Rousseff.

Janaina se manifestou sobre o tema no Twitter.