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Por que a Odebrecht gastou R$ 34 milhões com políticos que não foram eleitos?

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Do UOL, em São Paulo

17/04/2017 04h00Atualizada em 17/04/2017 17h14

Entre os mais de R$ 46,7 milhões repassados pela construtora Odebrecht a candidatos derrotados em eleições disputadas entre 2008 e 2014, mais de R$ 34 milhões foram gastos com apenas cinco candidatos, de acordo com levantamento feito pelo UOL com base nos documentos apresentados por delatores. A quantia equivale a 72% das doações gastas com políticos que não foram eleitos. Entre os cinco não-eleitos que mais receberam, aparecem as campanhas de Gilberto Kassab (PSD-SP), Anthony Garotinho (PR-RJ), Delcídio Amaral (ex-PT-MS), Jorge Pìcciani (PMDB-RJ) e Gleisi Hoffmann (PT-PR).

Os valores constam na planilha fornecida na delação de Benedicto Barbosa da Silva Júnior, conhecido como BJ, ex-diretor de Infraestrutura da construtora, e foram apresentados pela Procuradoria-Geral da República ao pedir a pediu a abertura de inquérito a políticos. Os pedidos foram autorizados pelo ministro do STF Edson Fachin. A planilha não traz doações a candidatos à Presidência.

Kassab: R$ 17,9 milhões em 2014

O atual ministro da Ciência e Tecnologia, Gilberto Kassab, é o líder em doações gastas em campanhas derrotadas nas urnas. O ex-prefeito de São Paulo foi candidato ao Senado pelo partido criado por ele, o PSD (Partido Social Democrático). Foi a primeira disputa do partido, criado em 2013, nas urnas, e, à época, Kassab disputou a vaga de senador de SP com José Serra (PSDB, que foi eleito), e Eduardo Suplicy (PT). Kassab e seu novo partido apareciam como nova força política que acolheu integrantes de partidos de oposição, principalmente do DEM. Kassab obteve 1.128.582 de votos, ficando em terceiro lugar na disputa, com 5,94%.

"Em 2013, por conta da criação do novo partido do Gilberto Kassab, foi pedido a Benedicto Barbosa da Silva Júnior, novamente pelo próprio Kassab, repasses financeiros mais uma vez a pretexto das campanhas de 2014 e para a criação do novo partido. Dessa vez, os valores repassados somam [R$] 17,9 milhões, entre novembro de 2013 e setembro de 2014. Aqui também os valores foram repassados de maneira ilícita, sem registros oficiais.", diz o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em pedido de abertura de inquérito repassado ao STF.

Derrotado, Kassab ganhou um cargo no governo da ex-presidente Dilma Rousseff após a eleição de 2014, ocupando o cargo de ministro das Cidades.

Segundo o delator Paulo Cesena, com a ida de Kassab para a pasta, a Odebrecht foi beneficiada diretamente por intervenções políticas. Um dos exemplos seria um pedido deferido de crédito no programa Pró-Transporte.

O delator e ex-executivo da Odebrecht Carlos Armando Guedes Paschoal afirmou em seu depoimento que pessoas próximas à gestão Kassab na Prefeitura de São Paulo pediram propina relacionada às obras do túnel Roberto Marinho, entre os anos de 2008 e 2009. Kassab foi prefeito de São Paulo de 2006 a 2012.

Kassab apresentou sua demissão antes da votação do impeachment, no ano passado, e hoje integra o governo do presidente Michel Temer.

Segundo a planilha, Kassab ainda teria recebido R$ 3,3 milhões para a campanha pela prefeitura de SP em 2008.

Em nota, a assessoria de Kassab contesta as informações. "Sobre o ano de 2008,  o próprio depoente Benedicto Júnior, ao fazer afirmações que serão devidamente investigadas, afirmou que não houve contrapartidas em obras no município. Em 2013 o PSD já estava consolidado e não havia, portanto, necessidade de apoio "para a criação de novo partido”. Não havia à época também sequer perspectiva de que Kassab assumisse o Ministério das Cidades. Sobre os projetos citados no depoimento de Cesena, a empresa não conseguiu, como afirma o próprio depoente, realizar a emissão das debêntures ou finalizar a aprovação do financiamento com aval de diferentes órgãos federais. As atribuições do Ministério das Cidades para o enquadramento das debêntures, que seriam etapa inicial nos projetos, ou a avaliação de linhas de financiamento citadas, que foram analisadas exclusivamente a partir de critérios técnicos no ano de 2015, são apenas uma etapa do processo para obtenção dessas operações financeiras, usadas para apoiar o desenvolvimento da infraestrutura nacional."

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Imagem: Ricardo Borges/Folhapress

Garotinho: R$ 5,7 milhões em 2014

Em segundo lugar na planilha de doações a candidatos derrotados, aparece Anthony Garotinho (PR) na disputa pelo governo do Rio de Janeiro em 2014, com R$ 5,7 milhões recebidos. Ele obteve 1.576.511 de votos e ficou em terceiro no primeiro turno, com 19,73%.

Garotinho foi preso na operação Chequinho, sem ligação com a Lava Jato, por suspeita de compra de votos em seu reduto eleitoral, a cidade de Campos dos Goytacazes, no norte fluminense. Ex-governador, Garotinho foi ainda deputado federal, prefeito de Campos e ocupava um cargo de secretário na cidade quando foi preso em novembro de 2016. Na ocasião, a defesa de Garotinho definiu a prisão preventiva como "arbitrária" e baseada em "fatos que não ocorreram". Sete dias após ser detido, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) revogou a prisão do ex-governador.

O delator afirma que o repasse feito a Garotinho pela campanha de 2014 incluiu recursos não contabilizados e, em seu depoimento, cita um valor ainda maior : "Fizemos uma doação de R$ 7,5 milhões, via caixa 2", afirmou BJ. Garotinho chegou a liderar as pesquisas de intenção de voto pelo governo do Estado em 2014, mas não chegou nem a ir para o segundo turno. Luiz Fernando Pezão (PMDB) foi eleito. 

De acordo com o depoimento do delator, o objetivo das doações era manter apoio a um nome forte opositor a Sérgio Cabral (PMDB), ex-governador do Rio de Janeiro que está preso pela Operação Lava Jato.

No total, segundo a planilha, Garotinho recebeu mais de R$ 13 milhões entre 2008 e 2014, sendo que, em 2008 e 2012, ele não se candidatou a nenhum cargo político. Mas a família venceu duas eleições neste ano: sua mulher, Rosinha Garotinho, foi eleita prefeita de Campos de Goytacazes, e a filha do casal, Clarissa Garotinho, foi eleita vereadora na cidade do Rio de Janeiro. Segundo BJ, o ex-governador utilizou o dinheiro doado em 2008 (R$ 1,9 milhão) e 2012 (R$ 2,3 milhões) para a campanha de Rosinha. 

"Não temo o julgamento da Justiça porque sei que lá será provado que não cometi nenhum crime", disse Garotinho em postagem no Facebook após a revelação das denúncias. "Reafirmo que eu e Rosinha nunca recebemos dinheiro ilegal", afirmou em post em seu blog. Por meio de nota à imprensa, a assessoria de Garotinho reforçou que "não houve benefício pessoal para eles ou favorecimento à empresa em nenhuma obra". "[Os ex-govenadores] afirmam ainda que, se a petição virar inquérito, ficará claro que os delatores estão mentindo, já que não apresentaram nenhuma prova do que falaram."

Delcídio: R$ 5 milhões

O ex-senador cassado Delcídio Amaral recebeu R$ 5 milhões para sua campanha pelo governo do Estado do Mato Grosso do Sul em 2014, em que ele foi derrotado no segundo turno. Ele recebeu 598.461 votos, e perdeu com 44,66% para Reinaldo Azambuja (PSDB).

Segundo Benedicto Júnior, o valor foi oferecido a Delcídio em função da proximidade que ele tinha com a então presidente Dilma Rousseff. O delator chegou a apontar que o Estado de Mato Grosso do Sul não era atrativo para a Odebrecht. "Mas, tendo em vista a proeminência do senador... Era uma das pessoas, dentro do partido, que melhor se relacionava com a presidente. Era um líder nato dentro do Senado”, declarou.

Delcídio foi preso no ano seguinte, em 2015 por tentar obstruir a Operação Lava Jato, acertou acordo de delação com a Justiça e fez acusações contra Dilma, o presidente Michel Temer, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, outros nomes importantes do PMDB, como Renan Calheiros e Eduardo Cunha, e contra o presidente do PSDB Aécio Neves.

Procurada pela reportagem do UOL, a defesa de Delcídio disse que não comentaria as denúncias feitas pelos delatores da Odebrecht.

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Imagem: REUTERS/Ueslei Marcelino/3.mar.2016

Picciani: R$ 4,5 milhões

O atual deputado estadual Jorge Picciani aparece como o quarto político com o valor mais alto em doações em campanhas não-vitoriosas em sua disputa ao Senado em 2010. Ele obteve 3.048.034 votos, ficando em terceiro lugar com 20,73%, e recebeu R$ 4,5 milhões.

Segundo BJ, o dinheiro foi transferido para uma conta do banco BVA no exterior. "Tendo em vista a relação que ele também tinha com algumas pessoas do grupo, por conta de ele ser empresário privado na área de criação de boi, tendo em vista a relação que ele desenvolveu comigo a partir dessa relação com pessoas que ele convivia no grupo e a proeminência dele no PMDB do Rio de Janeiro, eu avaliei que para nós seria muito se ele ganhasse a eleição.", disse BJ em sua delação.

Picciani aparece ainda na lista recebendo um repasse de R$ 250 mil na eleição de 2014, quando foi eleito para o mandato que ocupa como deputado estadual. Todas as doações feitas a ele foram depositadas, segundo a planilha obtida na delação, no banco BVA.

"Todas as doações às minhas campanhas foram espontâneas, legais e declaradas à Justiça Eleitoral. Responderei com tranquilidade a isso, caso seja determinada a abertura de inquérito", disse Picciani em nota.

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Imagem: Pedro França - 25.ago.2016 / Agência Senado

Gleisi: R$ 2 milhões

A atual senadora Gleisi Hoffmann é a quinta colocada em doações entre os que não foram eleitos: apenas para a sua campanha ao governo do Paraná em 2014, ela teria recebido R$ 2 milhões. Ela foi a terceira colocada na disputa, recebendo 881.857 votos ,14,87% do total.

Mas Gleisi, nome considerado forte dentro do PT para presidir a legenda, pode ter recebido repasses muito maiores, de acordo com os depoimentos das delações, que citam cifras de caixa 2 bem maiores. Segundo petição enviada para o STF, as doações ilegais em 2014 chegaram a R$ 5 milhões --mas estes valores não aparecem na planilha entregue por BJ.

BJ afirma que a Odebrecht só autorizou doações de R$ 5 milhões para a campanha de Gleisi ao governo do Paraná por conta de um pedido feito do PT feito diretamente a Marcelo Odebrecht, ex-presidente do grupo empresarial e também delator. Segundo ele, a empresa não tinha interesse empresarial algum no Paraná. Marcelo estava atendendo a um pedido vindo da campanha de Dilma à reeleição, já que Gleisi foi ministra-chefe da Casa Civil de Dilma no primeiro mandato presidencial.

Segundo a planilha de BJ, Gleisi também recebeu doações em 2008, quando foi derrotada na disputa pela prefeitura da Curitiba (R$ 150 mil), e em 2010, quando foi eleita senadora (R$ 300 mil). Outro delator, o ex-executivo da Odebrecht Valter Lana, confirmou o repasse dos R$ 450 mil por caixa 2, atendendo a pedido feito pelo ministro do Planejamento do ex-presidente Lula Paulo Bernardo.

Para a doação de 2008, Lana disse que não houve contrapartida, pelo menos, em sua área de atuação --em 2008, ele era diretor de contrato da área de construções da Odebrecht. Em 2010, quando era diretor superintendente atuando em Porto Alegre e Paraná, seria muito difícil negar um pedido de um ministro para a campanha da mulher para o Senado. "Fica difícil a gente dizer não numa situação dessa", afirmou.

"Nunca conversei com a Odebrecht sobre doação para minha campanha em 2014, tampouco meu esposo Paulo Bernardo, que não se envolveu em nenhum momento com a minha campanha. Nunca transacionei interesse público para ter apoio de campanha, nem no Executivo, onde atuei, nem no Legislativo, onde atuo", disse a senadora em post no Facebook após a divulgação da lista.