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Partidos fizeram "c..." na política com caixa 2, diz chefe do IFHC

O cientista político Sérgio Fausto  - Reprodução
O cientista político Sérgio Fausto Imagem: Reprodução

Nivaldo Souza

Colaboração para o UOL, em São Paulo

18/04/2017 19h16Atualizada em 18/04/2017 19h22

O sistema político conduzido pelos partidos desde a redemocratização ficou sem âncora de sustentação no Brasil, desde que a Operação Lava Jato começou a revelar que o financiamento privado se deu a partir da formalização do caixa 2 como modus operandi da fonte de recursos.

A avaliação é Sérgio Fausto, superintendente do IFHC (Instituto Fernando Henrique Cardoso) e cientista político da USP (Universidade de São Paulo), durante debate entre intelectuais petistas e tucanos nesta terça-feira (18) na FPA (Fundação Perseu Abramo), braço teórico do PT.

Ele considera que as revelações da Lava Jato e a despolitização crescente na sociedade brasileira confirmam que os partidos falharam na condução do sistema político inaugurado após o fim da ditadura militar (1964-85).

“Todo mundo que participou do processo de redemocratização, de um jeito ou de outro, operou segundo práticas e dentro de uma lógica que levou à desmoralização do sistema político”, afirma. “O primeiro lugar para se ancorar (novamente num novo pacto político) é dizer (assumidamente) que ‘deu cagada’. Para todo mundo que acredita na democracia, a Lava Jato abre uma possibilidade, mas tem um risco aí (de despolitização)”, disse.

O debate foi o primeiro encontro entre intelectuais ligados ao PSDB e ao PT sobre saídas para a crise política. O chefe do instituto tucano disse ser necessário um “espaço de troca e circulação de pessoas” de diversos partidos para buscar saídas à crise - especialmente PSDB, PT e PSB, apontados por ele como legenda com “enraizamento na sociedade” e não “partidos de aluguel”.

O encontro ocorreu após a repercussão da pesquisa qualitativa “Percepções e valores políticos nas periferias de São Paulo”, elaborada pela FPA, que mostra como o eleitor do PT na periferia se afastou do partido.

O estudo buscou identificar como fenômenos como o avanço do consumo, do neopentecostalismo e o empreendedorismo gerou valores liberais do “faça você mesmo”, do individualismo, da competitividade e da eficiência.

Isso levou, de acordo com a pesquisa, a que parte do eleitorado identificasse como donos de perfis próximos o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o apresentador Silvio Santos e o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB). Ou seja, como pessoas que “saíram de baixo” e cresceram por “mérito próprio”, o que seria um avanço de uma visão liberal em detrimento da ideia de luta de classes.

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FHC e Lula se encontraram em fevereiro; tucano nega "acordão"
Imagem: Divulgação - 02.fev.2017 /Ricardo Stuckert

Acordão entre Lula, FHC e Temer

Foi o primeiro encontro em meio a uma suposta costura por um acordão para minimizar os efeitos na Lava Jato pelo presidente Michel Temer (PMDB) e os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Lula (PT).

O presidente da Perseu Abramo, o economista Márcio Pochmann, negou que o encontro tenha sido planejado como ensaio de uma aproximação teórica entre PT e PSDB ou a construção de uma agenda comum. “Somos um braço intelectual do PT, produzimos conhecimento e informações cujo objetivo é permitir que a direção (do partido) tome decisões em mais informações e análises possíveis. Mas decisões de aproximações, associações, aliança e agenda não nos cabe fazer”, disse.

Pochmann afirmou que a pesquisa partiu do “pressuposto de que está faltando inteligência no debate (político) brasileiro”. Mas surpreendeu pelos resultados, especialmente a crescente pregação da despolitização na camada mais pobre de São Paulo.

A divulgação da pesquisa teria desagradado a cúpula do PT, o que foi rechaçado por Pochmann, que defendeu a autonomia da Perseu Abramo. “Não consultamos o diretório do PT e não temos questionamentos sobre debates que temos aqui”, afirmou.

Novo pacto

Pochmann discordou do superintendente do IFHC sobre a "cagada geral" por parte dos partidos. Ele sugeriu, contudo, a necessidade de um novo pacto político.

Segundo Porchmann, a Nova República inaugurada com a Constituição de 1988 perdeu fôlego ante a “maior crise dos últimos cem anos” na política e na economia brasileiras. “Acho que é fundamental a construção de um novo acordo político no Brasil”, defendeu.

Isso deveria ocorrer, na visão de Pochmann, como forma de barrar desdobramentos que possam terminar numa fase de autoritarismo no Brasil. Ele não mencionou a possibilidade de haver nova intervenção militar, mas sugeriu que “não está garantida a existência de eleições em 2018”.

Fausto, do IFHC, concordou sobre o esgarçamento do modelo político inaugurado com a redemocratização. Mas rejeitou a ideia de intervencionismo militar. “Eu acho que os últimos 30 anos da vida política brasileira é o encerramento de um ciclo complicado”, disse.

“Acho que houve uma degeneração do processo político mais acentuada no período mais recente. Nós passamos de um padrão em que (se sabia que) existia corrupção e influencias dos interesses econômicos nas decisões do Congresso, mas não tinha um sistema. Infelizmente, nesse período mais recente, (houve a predominância) de um protagonismo de empresas que é chocante”, disse.

Fausto indicou a necessidade da construção de uma agenda pautada pelo “diálogo às claras” entre partidos, como defendeu Fernando Henrique. “Acho que ele (FHC) não compartilha com essa ideia de que o PT e os sindicatos devem ser proscritos da vida política brasileira. Essa é uma ideia reacionária, antidemocrática”, avaliou.

O cientista político evitou apresentar os pontos consensuais de uma agenda PT-PSDB. Mas indicou como essenciais moldar um novo modelo de financiamento de campanha, mudar os sistemas eleitoral e partidário. “Eu não acho que essa é uma matéria para ser decidida exclusivamente nas comissões do Congresso”, disse, rejeitando a ideia de uma Assembleia Constituinte exclusiva para a reforma eleitoral. “Isso seria decretar o fim da Constituição de 1988.”