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Batalha judicial cresce antes de depoimento de Lula a Moro; veja embates

O ex-presidente Lula participa do 6º Congresso do PT, em São Paulo, em maio - Eduardo Frazão/Framephoto/Estadão Conteúdo
O ex-presidente Lula participa do 6º Congresso do PT, em São Paulo, em maio Imagem: Eduardo Frazão/Framephoto/Estadão Conteúdo

Do UOL, em São Paulo e em Brasília

09/05/2017 04h00Atualizada em 10/05/2017 10h02

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ficará frente a frente com o juiz federal Sergio Moro, símbolo da Operação Lava Jato, pela primeira vez desde que começou a ser investigado no âmbito da operação. O depoimento de Lula foi remarcado para esta quarta-feira (10), às 14h, e vai acontecer no prédio da Justiça Federal, em Curitiba.

São esperadas manifestações a favor e contrárias ao ex-presidente, por isso o esquema de segurança para o depoimento em Curitiba prevê o isolamento desses grupos em pontos distantes do Fórum.

Lula é o último a prestar depoimento na ação em que ele é acusado de ter recebido propina da empreiteira OAS por meio da reserva e reforma de um tríplex no edifício Solaris, no Guarujá (litoral de São Paulo), em 2009, e também pelo armazenamento de bens do ex-presidente depois que ele deixou a Presidência.

A defesa do ex-presidente nega irregularidades e diz que Lula nunca teve a propriedade ou utilizou o apartamento. Sobre o acervo presidencial, a defesa afirma que não é crime a OAS ter custeado a guarda dos bens que, por formarem o acervo presidencial, possuem "interesse público e histórico". A defesa classificou a contribuição da OAS como um "apoio cultural" e afirmou que a intenção era conseguir um espaço para expor publicamente o acervo.

O depoimento acontece depois de Léo Pinheiro, ex-presidente da construtora OAS, ter dito a Moro que o apartamento tríplex pertence de fato a Lula, apesar de, no papel, ser de propriedade da empreiteira. A defesa de Lula nega.

A primeira vez que Lula conversou diretamente com Moro foi no dia 30 de novembro do ano passado, quando foi testemunha de defesa do ex-deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Os dois trocaram algumas palavras por videoconferência, com um tom bastante cordial -- Lula, da sede da Justiça Federal em São Bernardo do Campo (SP), e Moro, da Justiça Federal do Paraná.

Embora nunca tenham estado frente a frente, a relação entre os dois é marcada por trocas de farpas, que vem aumentando na véspera do depoimento. O UOL separou as principais polêmicas entre Lula e sua defesa com o juiz federal da Lava Jato. Confira:

Gravação de depoimento

A defesa de Lula pediu à Justiça Federal mudanças na forma como o depoimento do ex-presidente a Moro será gravado, e que também fosse permitido que a defesa fizesse uma gravação própria no local. Os advogados pediram que a câmera a registrar o depoimento focalize quem estiver falando no momento, em vez de ficar fixa no interrogado, como é comum nas audiências da Lava Jato.

Os procuradores da força-tarefa da Lava Jato foram contrários aos pedidos. No parecer enviado ao juiz, afirmam que "o enquadramento da imagem na pessoa que está sendo questionada não se dedica a externar uma imagem negativa, mas, justamente, registrar o ato de maneira mais fidedigna do que a anteriormente adotada, quando o depoimento era redigido, bem como para permitir que se observe as expressões faciais e corporais daquele que traz a sua versão dos fatos ao Juízo".

Moro negou o pedido da defesa, mas apontou que será feita uma "gravação adicional", com outro ângulo. "A negativa afronta expressa disposição legal e, por isso, configura mais uma arbitrariedade", disse o advogado Cristiano Zanin Martins em nota. 

A defesa de Lula, por sua vez, recorreu da decisão. O TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) indeferiu o pedido da defesa. O juiz federal Nivaldo Brunoni classificou o pedido da defesa de Lula de "inusitado" e sem "lógica". "Até hoje, nunca transitou por este tribunal inusitado pedido, tampouco notícia de que a gravação oficial realizada pela Justiça Federal tenha sido prejudicial a algum réu”, afirmou o magistrado. 

A defesa do ex-presidente ingressou com pedido de habeas corpus no STJ (Superior Tribunal de Justiça) recorrendo da decisão do TRF-4

Pedido de suspensão do depoimento

A defesa de Lula recorreu ao TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) para pedir que o depoimento a Moro marcado para esta quarta-feira (10) fosse adiado. O argumento é o de que não houve tempo para que a defesa analisasse documentos recentemente juntados ao processo pela Petrobras. A defesa estima em mais de 100 mil páginas os 5,4 gigabytes de documentos relativos aos contratos da estatal.

O juiz federal Nivaldo Brunoni não autorizou a suspensão do processo no qual o petista tem depoimento agendado. O juiz substitui o desembargador federal relator da Operação Lava Jato na segunda instância, João Pedro Gebran Neto.

Mais uma vez, a defesa do ex-presidente ingressou com pedido de habeas corpus no STJ (Superior Tribunal de Justiça) recorrendo da decisão do TRF-4. 

Proibição de acampamentos

Com a expectativa de que o depoimento ao juiz Sergio Moro atraísse manifestantes contra e a favor do ex-presidente, a juíza da 5ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba Diele Denardin Zydek proibiu a montagem de acampamentos na cidade.

A decisão vale até o fim desta quarta-feira (10), data do depoimento, e atendeu a pedido da Prefeitura de Curitiba.

Além da expectativa que movimentos de apoio à Lula rumassem a Curitiba, já havia próximo ao Fórum da Justiça Federal onde será realizado o depoimento um acampamento de pessoas que se apresentam como defensoras da Operação Lava Jato. Esse acampamento foi desmobilizado após a ordem judicial. 

A Defensoria Pública do Paraná recorreu da decisão, afirmando agir em nome de "todas as pessoas que desejarem exercer seu direito de manifestação".

As 86 testemunhas

Cristiano Zanin Martins - Divulgação /  Teixeira, Martins & Advogados - Divulgação /  Teixeira, Martins & Advogados
Martins: decisão "configura" mais uma arbitrariedade" contra Lula
Imagem: Divulgação / Teixeira, Martins & Advogados

A defesa do ex-presidente Lula solicitou que a Justiça do Paraná ouvisse 86 testemunhas na ação penal sobre suposta propina de R$ 75 milhões paga pela Odebrecht em oito contratos da Petrobras. Lula é acusado de praticar os crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro.

Moro aceitou ouvir todo mundo, mas com uma condição: Lula deveria estar presente em todas as audiências.

"Já que este julgador terá de ouvir oitenta e sete [posteriormente o número foi corrigido para 86] testemunhas da defesa de Luiz Inácio Lula da Silva, além de dezenas de outras, embora em menor número arroladas pelos demais acusados, fica consignado que será exigida a presença do acusado Luiz Inácio Lula da Silva nas audiências nas quais serão ouvidas as testemunhas arroladas por sua própria defesa, a fim prevenir a insistência na oitiva de testemunhas irrelevantes, impertinentes ou que poderiam ser substituídas, sem prejuízo, por provas emprestadas", determinou Moro.

O advogado Cristiano Zanin Martins, que defende Lula, declarou que a decisão configurava "mais uma arbitrariedade" contra o cliente. Martins afirmou que a determinação subvertia o devido processo legal e transforma o direito de defesa de Lula em obrigação.

Posteriormente, Lula foi liberado de comparecer a todas as audiências pelo juiz federal Nivaldo Brunoni, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

O TRF4 mantém jurisdição no Paraná, base da Lava Jato. Todos os atos de Moro são submetidos ao crivo da Corte federal.

Para Brunoni "não parece razoável exigir-se a presença do réu em todas as audiências de oitiva das testemunhas arroladas pela própria defesa, sendo assegurada a sua representação exclusivamente pelos advogados constituídos".

Condução coercitiva

Lula - condução coercitiva - Paulo Whitaker/Reuters - Paulo Whitaker/Reuters
Lula acena para militantes após prestar depoimento após receber mandado de condução coercitiva
Imagem: Paulo Whitaker/Reuters

Em março de 2016, Lula foi alvo de um mandado de condução coercitiva (quando a pessoa é obrigada a depor) durante a 24ª fase da Operação Lava Jato. Na época, ele disse ter se sentido um prisioneiro e que Moro não precisava ter mandado uma operação de coerção à sua casa. “Lamentavelmente, preferiram utilizar a prepotência, um show, um espetáculo de pirotecnia", declarou o ex-presidente. 

Foi nessa ocasião que Lula declarou: “Se quiseram matar a jararaca, não bateram na cabeça, bateram no rabo, porque a jararaca está viva."

Moro disse que a condução coercitiva foi feita para evitar um tumulto caso o depoimento do ex-presidente ocorresse com data, horário e local marcados. 

Os advogados de Lula incluíram o episódio na queixa-crime contra Moro por abuso de autoridade, que foi negada pela Justiça. O TRF-4 também rejeitou os argumentos da defesa, que foram apresentados agora a uma instância superior, o STJ

Interceptações telefônicas

Dilma e Lula - grampos - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Os ex-presidentes Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva
Imagem: Reprodução/Facebook

Uma conversa telefônica entre o ex-presidente Lula e a então presidente Dilma Rousseff, na qual ela diz que encaminharia a ele o "termo de posse" de ministro, foi divulgada no dia 16 de março pela Polícia Federal cerca de duas horas após o Palácio do Planalto anunciar que Lula seria o novo ministro da Casa Civil.

As escutas telefônicas foram autorizadas por Moro. O conteúdo da conversa foi gravado após ordem judicial para a interrupção das escutas, segundo revelou o UOL à época.

Moro acabou pedindo desculpas ao STF (Supremo Tribunal Federal) após o então relator da Lava Jato na Corte, ministro Teori Zavascki, ter pedido esclarecimentos sobre a questão. À época, Moro alegou que “o levantamento do sigilo não teve por objetivo gerar fato político partidário", polêmicas ou conflitos, algo estranho à função jurisdicional”.

Os advogados de Lula acusaram Moro de ferir a lei que regulamenta interceptação telefônica e pediram que o STF determinasse a investigação do juiz por parte do MPF (Ministério Público Federal). 

Também por causa dos grampos, Lula e sua família viriam a pedir em novembro do ano passado a prisão do juiz por abuso de autoridade.

Sobre a ação, Moro disse ser "lamentável que autoridades públicas, no exercício de seu dever legal, fiquem sujeitas a retaliações por parte de investigados ou acusados que confundem o exercício do dever funcional com ilícitos”.

Em março deste ano, o STF negou todos os pedidos da defesa de Lula no processo que determinou a realização de interceptações telefônicas.

Moro e Aécio

Moro e Aécio - Diego Padgurschi /Folhapress - Diego Padgurschi /Folhapress
Imagem de momento descontraído entre Moro e Aécio Neves (PSDB-MG) gerou polêmica
Imagem: Diego Padgurschi /Folhapress

Durante a premiação "Brasileiros do Ano", da revista "IstoÉ", que aconteceu no dia 6 de dezembro de 2016 em São Paulo, o fotógrafo da Folhapress Diego Padgurschi registrou um momento de descontração entre o juiz federal Sergio Moro, símbolo maior da Lava Jato, e o senador Aécio Neves (PSDB-MG), citado em delações da Odebrecht e da OAS.

Em nota, o senador se manifestou à época considerando as "citações mentirosas que não se sustentam na realidade e se referem apenas a 'ouvir dizer' de terceiros".

A imagem gerou polêmica nas redes sociais e foi incluída, junto com outros registros jornalísticos, pela defesa de Lula em uma ação aberta contra Moro. Nos documentos, os advogados do petista pretendiam reforçar a tese de que Moro, que julga Lula na Lava Jato, age de maneira tendenciosa.

“Eles têm noção de quanto a Operação Lava Jato causou para a economia desse país, ao PIB desse país? Ele [Moro] tem noção de quanto desemprego já causou?”, disse Lula à época.

Sobre a foto, Moro afirmou durante palestra dada na Alemanha que a imagem era “infeliz”. "Foi um evento público, e o senador não está sob investigação da Justiça Federal de Curitiba. Foi uma foto infeliz, mas não há nenhum caso envolvendo ele", afirmou, referindo-se ao foro privilegiado de Aécio.

Bate-boca com advogados de Lula

Sergio Moro e o advogado Juarez Cirino dos Santos, que então fazia parte da defesa de Lula, entraram em atrito no dia 12 de dezembro do ano passado durante audiência do processo penal contra o ex-presidente por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do apartamento tríplex do Guarujá.

Durante o depoimento de Mariuza Aparecida Marques, funcionária da empreiteira OAS encarregada pela supervisão do prédio do Guarujá, Moro mandou que o advogado o respeitasse. Cirino havia dito que o juiz atua como "acusador principal". O bate-boca ocorreu aos 13 minutos, aproximadamente, da audiência.

Moro e advogados de Lula batem boca em audiência

TV Folha

O advogado Juarez Cirino dos Santos acabou deixando a defesa de Lula em processos derivados da Lava Jato no mês passado. "Não quero explicitar os motivos [da renúncia à defesa de Lula], e nem devo, por razões profissionais e éticas. Sempre exerci a defesa criminal com independência e autonomia e tenho pelo presidente a maior admiração pela sua atuação, em especial como presidente da República", disse Cirino, ao UOL

No dia 20, o clima esquentou novamente entre Moro e a defesa do petista. Após encerrar o depoimento por videoconferência, em gravação feita pelos advogados de Lula, Moro ironizou as estratégias da defesa: “Vamos ver se [a testemunha] não vai sofrer queixa-crime ou alguma ação de indenização, a testemunha, né, por parte da defesa…”.

O advogado Cristiano Zanin Martins rebateu o juiz no mesmo tom. “Depende… Quando as pessoas praticam atos ilícitos elas respondem por seus atos. Eu acho que é isso o que diz a lei”, disse.

A defesa de Lula e Moro voltaram a entrar em atrito em fevereiro deste ano durante o depoimento do ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli. A defesa interrompeu um questionamento de Moro e o acusou de fazer “perguntas de um inquisidor, e não as perguntas de um juiz”. Moro respondeu: “Respeite o juízo”.

Também durante outro depoimento arrolado pela defesa, Moro afirmou que os advogados faziam "propaganda política" do governo petista e isso era uma prática "inapropriada". "Não estou fazendo propaganda política. Eu sou advogado. Só estou enfrentando a acusação difusa que o Ministério Público lançou nos autos", respondeu Cristiano Zanin Martins, defensor do ex-presidente.

Morte de Marisa Letícia

velório de Marisa Letícia - Nelson Almeida/AFP - Nelson Almeida/AFP
Público participa de ato ecumênico durante velório de Marisa Letícia
Imagem: Nelson Almeida/AFP

Lula é réu em processos no âmbito da Operação Lava Jato e, em dois deles, a ex-primeira-dama Marisa Letícia também era ré. Em março deste ano, Moro declarou a "extinção da punibilidade" dela após a sua morte, ocorrida em fevereiro.

Segundo a Polícia Federal, ela e o ex-presidente foram "beneficiários de vantagens ilícitas" na reforma de um apartamento tríplex pela empreiteira OAS, e na guarda de bens em um guarda-volumes. O casal sempre negou as acusações.

A decisão de Moro, porém, não agradou à defesa de Marisa Letícia. Para os advogados, o juiz “afronta a lei” ao não decidir pela absolvição sumária da ex-primeira-dama.

Quando Marisa ainda estava internada no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, após sofrer um AVC, Lula havia dito que “a pressão e a tensão fazem as pessoas chegarem ao ponto que a Marisa chegou”, sem se referir diretamente aos processos que ele e sua família estão respondendo no âmbito da operação Lava Jato. Aliados políticos de Lula, no entanto, chegaram a culpar a operação pela morte de Marisa

Durante o velório da sua mulher, Lula afirmou não ter medo de ser preso. "Esse homem que está enterrando sua mulher hoje não tem medo de ser preso", afirmou, acrescentando: "Descanse em paz, Marisa. O seu 'Lulinha Paz e Amor' vai ficar aqui para brigar por você”.