Topo

Lula diz que se Dilma seguisse exemplo dele não haveria impeachment

Felipe Amorim

Do UOL, em Brasília

10/05/2017 21h28Atualizada em 10/05/2017 22h18

Em depoimento ao juiz Sergio Moro nesta quarta-feira (10), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que se a ex-presidente Dilma Rousseff tivesse mantido com a base de apoio do governo no Congresso o mesmo tipo de relação que ele manteve em seu governo, ela não teria sido deposta do cargo por um processo de impeachment.

Lula fez a afirmação ao responder a uma pergunta de Moro sobre se o ex-presidente se lembrava de um encontro com a bancada do PP na Câmara.
"Eu não me recordo, mas eu fazia reunião sistemática com os líderes [dos partidos]. Se a presidenta Dilma tivesse me seguido, não tinha tido o impeachment", disse Lula.

A acusação do MPF (Ministério Público Federal) cita no processo contra Lula episódio supostamente ocorrido em 2004, quando a bancada do PP teria ajudado a obstruir as votações no Congresso para pressionar pela nomeação de um indicado para a diretoria da Petrobras.

Lula afirmou não se recordar do episódio, e disse achar difícil que o PP sozinho conseguisse trancar a pauta do Congresso Nacional.

"Se esteve trancada [a pauta de votações], não me recordo. Agora, duvido que seja por conta de pressão de indicação", disse.

"O PP sozinho não teria condições de obstruir a pauta do Congresso. Era preciso que houvessem muitos partidos. E eu jantei com PP, com PMDB, com todos os partidos da base aliada eu jantava", afirmou Lula.

Como eram as indicações

O ex-presidente afirmou que a indicação dos diretores da Petrobras partiam dos partidos políticos da base de apoio do governo, e que os nomes eram checados pelo GSI (Gabinete de Segurança Institucional) para averiguar se os indicados eram suspeitos de alguma irregularidade.

"Os diretores da Petrobras são indicados pelas bancadas e pelos partidos, de acordo com o ministro da área", disse Lula.

"Isso vai para o Gabinete [de Segurança] Institucional, que faz uma investigação para saber se as pessoas têm algum compromisso, se são corruptos, se tem alguma passagem pela polícia. O GSI, ao detectar que não têm [restrições à indicação], passa para a Casa Civil, a Casa Civil comunica à Presidência, e isso é enviado ao Conselho de Administração, no caso da Petrobras, para indicar as pessoas. É assim que funciona", afirmou o ex-presidente.

A Operação Lava Jato investiga o esquema de corrupção na Petrobras montado a partir das indicações políticas para a diretoria da estatal. Os diretores indicados pelos partidos facilitavam a contratação de empresas que depois retribuíam por meio do pagamento de propina aos políticos.

O juiz Sergio Moro perguntou a Lula se a palavra final na indicação da diretoria da estatal era do presidente da República. O petista respondeu que cabia à Presidência confirmar o nome do indicado.

“Era [da Presidência, a indicação final ao Conselho da estatal]. Porque, se não, não precisava ter presidente”, disse Lula.

Nesse trecho do depoimento, Lula afirmou querer deixar claro como se dava o processo de indicação política para cargos no governo.

"O presidente escolhe o primeiro escalão [os ministros] e o presidente delega a quem é responsável, que no caso do Brasil sempre foi a Casa Civil, ou o Gabinete Institucional no tempo dos militares, e monta o governo, monta o segundo escalão", disse.

"E obviamente que essas pessoas vão discutindo com os partidos aliados e vão discutindo com as bancadas", afirmou Lula.

"Sem aliança política você não governa esse país e nem ganha eleição", disse o ex-presidente. "Eu não quero meia verdade, eu quero a verdade inteira nesse processo. Eu não quero ilações", afirmou Lula.

Como foi o depoimento

Iniciada por volta das 14h18 desta quarta-feira (10), a audiência durou cinco horas e foi o segundo maior depoimento da Lava Jato em Curitiba.

O depoimento do ex-presidente acontece dentro do processo em que Lula é acusado de ter recebido, em 2009, propina da empreiteira OAS por meio da reserva e reforma de um tríplex no edifício Solaris, no Guarujá, município do litoral de São Paulo.

Lula também responde pelo armazenamento de bens depois que ele deixou a Presidência, entre 2011 e 2016. Lula governou o Brasil por dois mandatos seguidos, entre 2003 e 2010. O valor total da vantagem indevida seria de R$ 3,7 milhões, como contrapartida por três contratos entre a empreiteira OAS e a Petrobras, segundo o MPF (Ministério Público Federal).

Os crimes

Segundo a  denúncia dos procuradores da força-tarefa da Lava Jato, o ex-presidente da República teria cometido os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, de acordo com a.

Foi nessa ocasião, inclusive, que os membros do MPF usaram aquela que ficou conhecida como a polêmica apresentação em Power-Point para apresentar as acusações contra o petista. 

Em 20 de setembro do ano passado, Moro acolheu a denúncia do MPF e Lula tornou-se réu no processo.

Ao SBT Brasil, Lula disse que o MPF mente sobre o tríplex

SBT Online

Segundo depoimento

O encontro de hoje entre Lula e Moro foi o primeiro feito de maneira presencial. Os dois já estiveram em uma audiência em 30 de novembro de 2016, por meio de uma videoconferência, estando o juiz em Curitiba e o ex-presidente, no prédio da Justiça Federal em São Bernardo do Campo (SP).

Na ocasião, o ex-presidente depôs como testemunha de defesa do deputado federal cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que era acusado de receber propina no contrato de exploração de petróleo em Benin, na África, e de usar contas na Suíça para lavar o dinheiro.

Cunha foi condenado por Moro a mais de 15 anos de prisão na ação em março deste ano.

Ao contrário do depoimento de hoje, a audiência entre os dois na ocasião foi mais curta, tendo durado menos de dez minutos, em clima de cordialidade.

Tríplex em prédio residencial no Guarujá é um dos itens investigados no processo - Moacyr Lopes Junior/Folhapress	 - Moacyr Lopes Junior/Folhapress
Tríplex em prédio residencial no Guarujá é um dos itens investigados no processo
Imagem: Moacyr Lopes Junior/Folhapress

Outros quatro processos

Além do processo no qual prestou depoimento hoje, Lula é réu em outros quatro, sendo dois também no âmbito da Lava Jato. Em um destes dois, o ex-presidente é acusado por tentar obstruir a Justiça por uma suposta tentativa de comprar o silêncio de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras e um dos delatores do esquema de corrupção na estatal.

Lula também responde por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no processo que apura desvios para compra de um terreno em São Paulo para o Instituto Lula e de um apartamento em frente ao em que o ex-presidente mora, em São Bernardo do Campo (SP). 

A denúncia do MPF que motivou esse processo também envolve R$ 75,4 milhões que foram repassados a partidos e políticos que davam sustentação ao governo de Lula, como PT, PP e PMDB, além de funcionários da Petrobras.

O petista ainda é réu em um desdobramento da Lava Jato, a Operação Janus, comandada pela Justiça Federal no DF (Distrito Federal). Ele é acusado pelos crimes de corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, tráfico de influência e organização criminosa.

De acordo com a procuradoria, Lula teria usado sua influência junto ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e a outros órgãos com sede na capital federal para favorecer a Odebrecht em contratos e obras de engenharia em Angola. Em troca, a Odebrecht teria feito "repasses dissimulados" de cerca de R$ 30 milhões.

Também na Justiça do DF, Lula responde a um processo no qual é acusado pelos crimes de tráfico de influência, lavagem de dinheiro e organização criminosa, dentro da Operação Zelotes. O petista teria atuado para interferir na compra de 36 caças do modelo Gripen pelo governo brasileiro e na prorrogação de incentivos fiscais destinados a montadoras de veículos por meio da Medida Provisória 627. Os casos teriam ocorrido entre 2013 e 2015, quando Lula já não era presidente.