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Corrupção na saúde: propina de R$ 16 mi paga a Cabral foi dividida em 35 parcelas

Sérgio Cabral (PMDB) foi preso em novembro do ano passado, na Operação Calicute - Rodrigo Félix/Agência de Notícias Gazeta do Povo/Estadão Conteúdo
Sérgio Cabral (PMDB) foi preso em novembro do ano passado, na Operação Calicute Imagem: Rodrigo Félix/Agência de Notícias Gazeta do Povo/Estadão Conteúdo

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

16/05/2017 11h38Atualizada em 16/05/2017 13h40

A propina de mais de R$ 16 milhões destinada ao grupo chefiado pelo ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) no esquema de corrupção na saúde do Rio de Janeiro foi paga em 35 parcelas "mensais e regulares", entre 2007 e 2014, segundo a denúncia do MPF (Ministério Público Federal) oferecida à Justiça, nesta terça-feira (16), contra o ex-chefe do Executivo fluminense e outros seis investigados.

Os aportes representavam, na versão dos procuradores, uma mesada calculada em R$ 400 ou R$ 500 mil. O dinheiro ilícito manteve um complexo esquema de fraudes a licitações e formação de cartel, com objetivo de beneficiar um grupo de empresas ligadas a Miguel Iskin e Gustavo Estellita, também denunciados.

De acordo com a procuradora da República Fabiana Schneider, o montante de mais de R$ 16 milhões é apenas uma "pequena fração" das vantagens obtidas de forma ilícita, na área da saúde, pelo grupo chefiado por Cabral.

O procurador regional da República José Augusto Vagos explicou: "Isso é o que foi apurado até agora. Sabemos que a quantia é muito maior". "É só a ponta do iceberg da corrupção na área da saúde do Estado do Rio de Janeiro", definiu o procurador.

As investigações apontam que Cabral ficava com 5% do valor dos contratos celebrados com o governo do Estado --os procuradores estimam que ao menos metade dos R$ 16 milhões foram destinados ao ex-governador. Outros 2% eram destinados a Côrtes, 1% ia para o delator do esquema, 1% para um representante do TCE (Tribunal de Contas do Estado) ainda não identificado e 1% alimentava outros operadores do esquema criminoso.

O MPF informou que o valor total dos desvios só será descoberto ao fim das investigações. Como boa parte do dinheiro ilícito foi pago no exterior --por meio de empresas de fachada e contas bancárias em paraísos fiscais--, os procuradores estão trabalhando em cooperação com organismos internacionais, o que abrange autoridades dos Estados Unidos, das Ilhas Virgens e das Bahamas.

À época da Operação Fatura Exposta, que teve a as prisões de Côrtes, Iskin e Estellita, no mês passado, o Ministério Público Federal e a Receita Federal estimaram que pelo menos R$ 300 milhões podem ter sido desviados da saúde por conta da corrupção no setor. 

Cabral e os outros seis investigados foram denunciados à 7ª Vara Criminal Federal, do juiz Marcelo Bretas. Essa é a oitava denúncia contra o ex-governador --preso desde novembro do ano passado, na Operação Calicute-- no âmbito da força-tarefa da Operação Lava Jato no Rio.

Os demais denunciados são o ex-secretário estadual de Saúde Sérgio Côrtes e o delator do esquema, o ex-subsecretário César Romero, além de Carlos Miranda e Carlos Bezerra (operadores de Cabral) e os empresários Miguel Iskin e Gustavo Estellita (que administravam a formação do cartel e as fraudes a licitações).

Além da delação de Romero, que descreveu com detalhes a dinâmica do esquema criminoso e revelou a participação de Côrtes, a apuração do MPF é também fundamentada na "contabilidade paralela" de Carlos Bezerra, operador do ex-governador e que ficou conhecido como "o homem da mala" por sua função na quadrilha (transportar valores de propina).

Os documentos incluem planilhas e anotações que indicam com riqueza de detalhes o funcionamento da organização criminosa.

Ao UOL, o escritório Fragoso Advogados, que defende Cabral no processo, informou que o seu cliente só vai se manifestar em Juízo. Já o defensor de Miguel Iskin, Alexandre Lopes, afirmou que que "denúncias baseadas em delações devem ser vistas com reserva". "A partir de agora, Miguel Iskin conseguirá provar sua inocência". A reportagem ainda não conseguiu contato com os advogados dos demais acusados.

200 licitações sob suspeita

A procuradora da República Marisa Ferrari afirmou que, entre 2007 e 2014, o grupo que controlava o esquema de corrupção na Secretaria de Estado de Saúde realizou pelo menos 200 licitações. Todos os procedimentos, que correspondem a importações de material médico-hospitalar, estão sendo verificados. No total, as compras feitas no período somam cerca de US$ 277 milhões.

Marisa definiu o empresário Miguel Iskin, dono do grupo Oscar Iskin, como "intermediário" entre o Estado e os fornecedores. Segundo ela, Iskin era o grande "organizador" das licitações e agia "por trás" dos certames, direcionando as compras e combinando preços.

Iskin e seu sócio, Gustavo Estellita, estabeleceram um sofisticado sistema de fraude a licitações. As empresas ligadas à dupla compravam os materiais dos fabricantes no exterior e, por meio de empresas interpostas --como offshores sediadas nas Ilhas Virgens, por exemplo-- participavam das licitações sem que o nome de Iskin aparecesse formalmente no certame.

Empresas offshore não são necessariamente ilegais, mas costumam ser usadas, em geral, para evitar que o real beneficiário dos recursos da companhia seja conhecido e, muitas vezes, para sonegar impostos.

O sobrepreço nos produtos médico-hospitalares variava de 30% a 40% --já embutidos no valor da licitação--, de acordo com o MPF. Também houve, no processo de compra, pagamento por parte do Estado de "impostos fictícios" --dinheiro que inflou ainda mais os lucros das empresas de Iskin. Segundo a Receita Federal, os órgãos públicos são isentos de impostos quando realizam compras em licitações internacionais.