Dono da JBS pagou R$ 3,5 mi por 'compra' de deputados para barrar impeachment de Dilma
No dia anterior à votação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) na Câmara dos Deputados, o dono da JBS, Joesley Batista, desligou os telefones.
"Eu pensei: meu Deus, se não [desligar] vai ficar os pró-impeachment e os contra o impeachment me ligando, querendo apoio, ajuda, que eu faça alguma coisa", contou o empresário em depoimento que integrou a sua delação premiada, no último dia 3 de maio.
Às 22h30 daquele sábado, 16 de abril de 2016, Joesley estava em casa quando o interfone tocou. "Seu Joesley, tem uma pessoa de nome João Bacelar dizendo que precisa falar demais com você", ouviu o empresário, segundo seu relato à PGR (Procuradoria-Geral da República).
Quando desceu do quarto, encontrou na sala o deputado federal João Carlos Bacelar (PR-BA), que havia conhecido meses antes, por intermédio do então ministro dos Transportes, Antônio Carlos Rodrigues (PR-SP). Os dois foram classificados por ele como "ferrenhos" defensores de Dilma.
O parlamentar então "pediu mil desculpas" e afirmou que estava "apavorado" --"te liguei hoje o dia inteiro", disse Bacelar, segundo o dono da JBS. Em seguida, revelou o porquê da visita inesperada: "Joesley, nós precisamos comprar os deputados lá para bloquear o impeachment".
"Tá, mas o que é que eu tenho a ver com isso?", rebateu o empresário. "Tem aqui uma lista com 30 deputados", teria dito Bacelar, entregando-lhe um papel. "Com R$ 5 milhões cada um, 30 deputados, nós ganhamos o impeachment".
O empresário contou ter questionado o deputado se 30 parlamentares seriam suficientes para barrar o processo na Câmara. "E não ganharia ainda, né? Imagina se tivesse comprado os 30. Ainda teria perdido", comentou, entre risos.
Com 367 a favor e 137 contra, a Câmara autorizou a instauração do processo, que seria aprovado no dia 31 de agosto pelo Senado. Para enterrar o impeachment, seriam necessários 171 votos contrários.
Segundo Batista, ficou "uma situação constrangedora" e ele aceitou pagar pelos votos de cinco deputados, por R$ 15 milhões --R$ 3 milhões para cada um, desconto de 40% em relação ao pedido original.
"Eu falei: 30 eu não dou conta de comprar, compra cinco lá", relatou. "Só que me dá a lista aí que eu quero ficar com a lista dos possíveis a ser comprados para depois ver na televisão se comprou e tal e tal".
Em seu depoimento, Joesley lamentou não ter a lista. "É um dó". Questionado pelo interlocutor da PGR, o empresário disse jurar que não lembra do nome de nenhum dos políticos. "Mas eu conferi na época. É que eu não conheço. Era deputado do baixo clero, um monte de nome lá", comentou.
O dono da JBS disse não lembrar quais parlamentares que receberiam o pagamento. "Talvez lembre" vendo a gravação da sessão da Câmara, afirmou.
Segundo o empresário, ficou combinado que o dinheiro seria repassado a Bacelar e posteriormente distribuído pelo deputado. Os pagamentos, no entanto, foram interrompidos quando o valor chegou a R$ 3,5 milhões, sendo R$ 500 mil "recentemente".
O delator contou ainda que o deputado continuou cobrando o restante do montante prometido. "Esses dias ele me mandou uma mensagem: 'você está por São Paulo?'". O representante da PGR pediu que o próximo contato do parlamentar fosse comunicado ao órgão.
Ainda de acordo com Joesley, Bacelar contou que R$ 11 milhões deveriam ser entregues a ele, e R$ 4 milhões ao ex-ministro dos Transportes, que comandou a pasta entre o início de 2015 e o afastamento de Dilma, em maio do ano passado, e hoje é presidente nacional do PR.
Nesta quinta (18), a Executiva do partido divulgou nota de apoio ao presidente Michel Temer (PMDB), atingido em cheio pela delação do empresário. “Reiteramos a condição de partido da base governista no Congresso Nacional, na oportunidade em que renovamos a confiança no trabalho do presidente Michel Temer", diz o comunicado.
"Eu não dei os R$ 4 milhões para o Antônio Carlos e nem estive nem confirmei com ele", esclareceu o dono da JBS. "[Bacelar me disse que] o PR já tinha pago alguns deputados por conta dele, e tinha que ressarcir o Antônio Carlos", completou.
A reportagem do UOL procurou os dois, por e-mail e por telefone, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
CPI do Carf
No início do depoimento, Josley contou que conheceu Bacelar depois de encontrar o ex-ministro Guido Mantega --dos governos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma.
Próximo ao empresário, Mantega teria pedido que ele usasse sua influência para evitar sua convocação para depois na CPI do Carf, que investigou a venda de sentenças no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, órgão do Ministério da Fazenda, e era relatada por João Carlos Bacelar.
Em entrevista ao jornal "Folha de S.Paulo" neste mês, Mantega negou envolvimento com irregularidades e afirmou que acusações como as de executivos da Odebrecht eram 'ficções' para conseguir fechar delação premiada, histórias "inverossímeis" e sem provas."
A Comissão Parlamentar de Inquérito iniciou os trabalhos em março do ano passado, foi prorrogada duas vezes e encerrada em agosto sem que a votação do parecer do deputado tenha ocorrido. Mantega não foi convocado.
Segundo o delator, Bacelar foi apresentado a ele pelo então ministro dos Transportes.
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