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Pezão busca vitória final na Alerj, mas teme rejeição de contas no TCE

Pezão, governador do RJ, está entre vitórias na Alerj e a possibilidade de ter as contas rejeitadas - Márcia Foletto/Ag. O Globo
Pezão, governador do RJ, está entre vitórias na Alerj e a possibilidade de ter as contas rejeitadas Imagem: Márcia Foletto/Ag. O Globo

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

30/05/2017 04h00

O governo de Luiz Fernando Pezão (PMDB) deve encarar nesta terça-feira (30) duas situações distintas em relação ao futuro das contas fluminenses. Na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), a base aliada começa a discutir a aprovação dos dois últimos projetos de lei necessários para adesão ao RRFE (Regime de Recuperação Fiscal dos Estados), programa capitaneado pela União para salvar os entes federativos em crise. Já no TCE-RJ (Tribunal de Contas da União) será votado parecer sobre as finanças do Executivo referentes ao exercício de 2016.

Mas, diferentemente do panorama na Alerj, as perspectivas no Tribunal não são boas: o Ministério Público Especial recomendou a reprovação das contas, e o TCE-RJ --órgão responsável por zelar pela lisura na aplicação de recursos públicos e fiscalizar periodicamente as contas do Estado-- costuma acatar posição do MPE. A palavra final caberá à Alerj, que receberá o relatório e submeterá à apreciação em plenário.

Se a rejeição for confirmada, Pezão estará sujeito a responder por crime de responsabilidade, segundo o deputado estadual Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), presidente da Comissão de Tributação e Controle da Assembleia Legislativa.

O governador já foi alvo de oito pedidos de impeachment na Casa, mas todos foram arquivados por decisão do presidente da Alerj, Jorge Picciani (PMDB). O crime de responsabilidade é o principal fundamento para a deposição constitucional.

Na segunda-feira (29), véspera da discussão dos projetos de lei necessários para a entrada do Rio no plano de recuperação fiscal, Pezão se dedicou a conversar individualmente com os parlamentares da base. As proposições se referem à formalização da adesão ao plano, que estabelecerá regras de responsabilidade fiscal em nível estadual, assim como mudanças nas normas previdenciárias e na concessão de pensão por morte.

As duas medidas são as últimas contrapartidas que o Estado precisa garantir ao Ministério da Fazenda para ter direito ao socorro federal. O RRFE permite ao governo Pezão atrasar o pagamento de dívidas com a União pelos próximos três anos --o que resultará em uma arrecadação, nesse período, de R$ 61 bilhões. Atualmente, o Rio tem um déficit anual na ordem de R$ 20 bilhões, segundo projeção para 2018.

Nesta terça-feira (30), os dois projetos de lei serão debatidos no plenário da Alerj, em discussão única, e devem receber diversas emendas dos deputados, sobretudo os da oposição. Depois disso, eles serão enviados às comissões e devem retornar à pauta da Casa na semana que vem, já para votação.

O governo estadual está otimista para bater o martelo e fechar acordo com o Ministério da Fazenda no começo de junho.

Se, por um lado, a frente governista obteve vitórias importantes no Parlamento (como o aumento da contribuição previdenciária dos servidores, que passou de 11% para 14%) e abriu caminho para adesão ao RRFE, por outro, a rejeição das contas é tida nos bastidores do TCE-RJ como cenário cada vez mais provável.

Marianna Montebello - Jose Lucena/Futura Press/Estadão Conteúdo - Jose Lucena/Futura Press/Estadão Conteúdo
Marianna Montebello Willeman é remanescente no TCE-RJ. Dos conselheiros titulares do órgão, ela é a única não investigada por corrupção
Imagem: Jose Lucena/Futura Press/Estadão Conteúdo
Além da recomendação do MPE, que pode impactar negativamente na avaliação do órgão, a relatoria do processo coube a Marianna Montebello Willeman, a única remanescente no conselho depois que as investigações no âmbito da força-tarefa da Operação Lava Jato provocaram uma devassa no tribunal.

Em março, na Operação Quinto do Ouro, realizada pela Polícia Federal, foram presos cinco conselheiros titulares (Aloysio Neves, Domingos Brasão, José Gomes Graciosa, Marco Antônio Alencar e José Maurício Nolasco). Eles são alvos de um inquérito que apura suposta participação em esquema de propina e desvios em contratos públicos a fim de beneficiar agentes do Estado. Os crimes teriam ocorrido principalmente em relação às obras da linha 4 do metrô e à reforma do Maracanã --juntos, os empreendimentos custaram mais de R$ 11,5 bilhões.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, chegou a pedir intervenção federal no Tribunal de Contas fluminense. Os trabalhos só foram regularizados depois que o ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal), autorizou, em maio, a convocação de três auditores temporários a fim de substituir os investigados.

O clima de suspeição, agravado pelas denúncias de corrupção nas quais Pezão também é citado, colocou o TCE-RJ sob holofotes indesejáveis. Pressionada, a expectativa interna é que Marianna Montebello Willeman recomende a rejeição das contas do governador.

aloysio neves - Estefan Radovicz/Agência O Dia/Estadão Conteúdo - Estefan Radovicz/Agência O Dia/Estadão Conteúdo
O conselheiro Aloysio Neves, que estava na Presidência do TCE-RJ, chega à sede da PF após ser preso na Operação Quinto do Ouro
Imagem: Estefan Radovicz/Agência O Dia/Estadão Conteúdo

O voto da conselheira remanescente deverá ser extenso e acompanhado de uma apresentação com slides, conforme apurou o UOL. Marianna já definiu que, ao fim da sessão, não dará entrevistas à imprensa.

Pezão nega ter cometido irregularidades e, durante as investigações da Operação Quinto do Ouro, afirmou jamais ter recebido recursos ilícitos ou ter contas no exterior. Em abril, o governador chegou a sugerir ao Ministério da Transparência a criação de um grupo para inspecionar contratos do Estado, mas a ideia não vingou. Durante o exercício de 2016, por motivos de saúde, ele dividiu a chefia do Executivo com o vice, Francisco Dornelles (PP).

A um passo da recuperação fiscal

Em entrevista ao UOL, o secretário de Fazenda do RJ, Gustavo Barbosa, afirmou considerar que o Estado está muito perto da adesão ao RRFE. Isso porque as contrapartidas mais "polêmicas", em referência à elevação da alíquota previdenciária e à alienação da Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos), passaram pela Alerj, ainda que sob protestos violentos do lado de fora do Palácio Tiradentes, sede do Legislativo. As medidas já foram sancionadas por Pezão.

Confira abaixo os detalhes das duas exigências que o Rio ainda precisa cumprir para ter direito ao socorro federal.

Mudanças na previdência e na concessão de pensões

O projeto de lei proposto pelo Executivo altera normas no Rioprevidência (Fundo Único de Previdência Social do Estado do Rio) e na concessão de pensões por morte. As mudanças, que se adequam ao que a legislação federal já determina para os servidores da União, só vão se aplicar aos benefícios concedidos após a entrada em vigor da lei.

O texto da proposição proíbe o acúmulo de pensões pelo mesmo beneficiário e estabelece que, se o dependente for menor, ele só receberá a pensão até os 21 anos, e não mais até os 24 --ainda que esteja na universidade.

Também são criadas regras específicas para a reivindicação da pensão: o benefício vitalício só vai ser concedido à pessoa que, no dia do óbito do cônjuge ou companheiro, tiver ao menos 44 anos de idade e dois anos de casamento ou união estável. Além disso, antes da morte, o titular das contribuições deverá ter feito pelo menos 18 aportes para a Previdência. "As pensões serão pagas de acordo com a perspectiva de vida do pensionista", afirmou Barbosa. 

A tabela definida no projeto de lei prevê que: com idade menor do que 21, o cônjuge beneficiário terá direito a três anos de pensão; entre 21 e 26, seis anos de pensão; entre 27 e 29, dez anos de pensão; entre 30 e 40, 15 anos de pensão; e, entre 41 e 43, 20 anos de pensãoAcima dos 43, o benefício será vitalício.

"Hoje, por exemplo, um servidor que tenha 75 anos casa com uma mulher de 21 anos. Pelas regras atuais, se o servidor vier a falecer, a pessoa de 20 anos vai receber a pensão pelo resto da vida. Isso muda com a nova regra. Nesse caso, ela só receberia até os 23 anos", explicou. "Quanto maior a expectativa de vida, menor é o tempo de percepção da pensão."

"A nossa expectativa é economizar, com as novas regras, cerca de R$ 20 milhões por ano. Esse valor, no entanto, diz respeito à fase de transição apenas, nos primeiros anos após a lei entrar em vigor. Quando todo o ciclo se renovar e todos os pensionistas estiverem dentro dessa nova regra, vamos ter uma redução de quase R$ 500 milhões na folha", disse o secretário.

Luiz Paulo - Divulgação - Divulgação
Luiz Paulo Corrêa da Rocha é deputado estadual pelo PSDB no Rio
Imagem: Divulgação
O deputado estadual Luiz Paulo Corrêa da Rocha, um dos líderes da oposição, afirmou à reportagem que projeto semelhante já havia sido enviado ao Parlamento em 2015, quando a União aplicou essas regras por meio de legislação federal. A proposição chegou a receber emendas e foi tema de uma reunião do Colégio de Líderes, mas logo depois acabou saindo da pauta.

"Meses se passaram e a matéria não voltou para a pauta. A própria base do governo acabou retirando o projeto. Em julho de 2016, mandaram outro projeto de lei muito semelhante e esqueceram dele aqui. Até hoje está parado", relatou. "Tenho impressão que eles aproveitaram as emendas daquele primeiro projeto, o de 2015, e adaptaram em um novo texto. É um assunto que não teve a aprovação à época porque o governo ficou na letargia."

Adesão formal ao RRFE, leilões reversos e proibição de saques em depósitos judiciais

O segundo projeto de lei que começará a tramitar na Alerj nesta terça representa a adesão formal do Estado ao plano de recuperação fiscal. Ou seja, trata-se da autorização do Parlamento para que o Executivo possa, enfim, fechar acordo com o governo federal.

Mas a proposição contém outras medidas importantes: se aprovada, ela proibirá a realização de saques em contas judiciais por parte do governo Pezão, além de autorizar os leilões reversos entre fornecedores.

"Em 2015, nós pegamos recursos de depósitos judiciais para pagar aposentadorias e pensões. Foram R$ 6,7 bilhões, em saque autorizado por lei estadual, para quitar esses débitos. A lei proíbe que façamos isso novamente até que o saldo seja recomposto e equilibrado", explicou Barbosa. Na prática, a vedação é como uma "trava para que o Estado não utilize recursos não correntes", isto é, um mecanismo de controle.

"É uma forma de limitar a utilização de recursos extraordinários para despesas correntes", resumiu o secretário.

Já os leilões serão feitos para privilegiar os credores que oferecerem os maiores descontos ao Estado para pagamento de dívidas. "Isso ainda não está operacionalmente definido, mas a ideia é dar prioridade aos fornecedores que ofertarem os maiores descontos. Por exemplo, se dois caras devem R$ 100, sendo que um me dá a chance de pagar com 50% de desconto, eu vou optar por pagá-lo antes do cara que me oferecer 30% de desconto. É simples", afirmou Barbosa.

Luiz Paulo explicou que, de acordo com as regras atuais, os pagamentos são feitos necessariamente por ordem cronológica. "Ou seja, a prioridade é da dívida mais antiga. Com essa lei, a ordem será invertida. O fornecedor pode estar esperando dois ou três anos pelo pagamento, mas se um outro que está sem receber do Estado há dois meses oferecer o maior desconto, ele terá prioridade."

A adesão ao RRFE também vai contemplar, de acordo com o secretário de Fazenda, um conjunto de regras a fim de disciplinar as despesas do Estado e estabelecer normas de responsabilidade fiscal. Serão estabelecidas diretrizes para conter a elevação dos gastos públicos, ou seja, uma espécie de "LRF estadual", comentou Barbosa, em referência à Lei de Responsabilidade Fiscal.

O deputado do PSDB, líder da bancada tucana na Alerj, afirmou que as regras de disciplina fiscal que o Estado pretende aprovar ainda não foram apresentadas. Para ele, essa matéria será objeto de debates acalorados no Parlamento. "Eles vão ter que apresentar tudo muito bem fundamentado, todas as demandas jurídicas que podem entrar nessa lei. A LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias] que veio para cá, por exemplo, hoje é imprestável. As informações disponibilizadas até agora estão obsoletas, pois o governo o fez considerando o plano de recuperação", argumentou.