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Fundo público de R$3,6 bi pode ser insuficiente para bancar eleições, diz Gilmar Mendes

Gilmar Mendes criticou o veto do STF ao financiamento privado de campanhas - Felipe Rau/Estadão Conteúdo
Gilmar Mendes criticou o veto do STF ao financiamento privado de campanhas Imagem: Felipe Rau/Estadão Conteúdo

Bernardo Barbosa*

Do UOL, em São Paulo

21/08/2017 12h22Atualizada em 21/08/2017 18h24

O presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes, disse nesta segunda-feira (21) que o fundo público de 3,6 bilhões atualmente em discussão na Câmara dos Deputados pode não ser suficiente para bancar a realização de eleições.

"Esse fundo que está provocando tanta revolta, crítica, pode ser insuficiente", afirmou o ministro durante palestra em evento promovido pelo jornal "O Estado de S. Paulo", na capital paulista.

Segundo Mendes, só as campanhas de deputados federais em 2014 somaram gastos declarados de R$ 5 bilhões. O fundo em debate na Câmara faz parte da reforma política em análise no Congresso. A expectativa é que a primeira votação no plenário da Câmara seja realizada nesta terça-feira (22).

"Na campanha passada, foram gastos, formalmente declarados, pelo menos R$ 5 bilhões para as campanhas de deputado federal. Logo, isso não seria suficiente para custear uma campanha nos mesmos termos. Por isso, o meu temor de que nós comecemos a ter dinheiro ilícito de outras fontes", disse o ministro em conversa com jornalistas após sua palestra.

O valor de R$ 3,6 bilhões do fundo faz parte do texto do relator na reforma política na Câmara, o deputado Vicente Cândido (PT-SP). Segundo a proposta, o fundo seria o equivalente a 0,5% da receita líquida do governo federal.

O próprio Cândido, porém, já disse na semana passada abandonar esse percentual após a repercussão negativa da proposta.

No mesmo evento em que Gilmar Mendes participou, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse hoje que o valor do fundo gerou uma "reação forte" na sociedade. Maia disse ser a favor de um "fundo de transição" enquanto não houver maioria no Senado para se aprovar o financiamento privado.

Já o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) afirmou que o fundo "já nasceu morto". Se for aprovado na Câmara, o Senado vai barrar sua criação, disse o tucano. "O fundo não tem pé nem cabeça. É uma bofetada na face da população brasileira", disse.

Para o senador, o financiamento da campanha deve ser principalmente de contribuições individuais. "Não é possível que o Brasil continue financiando as eleições mais caras do mundo", disse.

Eleições de 2016 registrou muitos laranjas, diz Gilmar Mendes

Gilmar Mendes ressaltou que dos 750 mil doadores da campanha de 2016, 300 mil não tinham capacidade financeira. "Isso demonstra o uso de laranjas na doação da campanha", avaliou, defendendo a necessidade de uma reforma política e partidária.

O presidente do TSE também fez críticas às intervenções do poder Judiciário no sistema político-eleitoral. Um exemplo, segundo Mendes, foi o veto do STF ao financiamento privado de campanhas, o que para o ministro não poderia ter sido feito sem a mudança do sistema eleitoral.

"Imaginavam que era a solução. Foi a solução? O Brasil melhorou por causa disso?", questionou. "As intervenções por parte do judiciário têm contribuído para tornar o modelo ainda mais confuso."

"Vamos querer que narcotráfico e milícias financiem as campanhas?"

"Derrubamos a cláusula de barreira e incentivamos a criação de partidos", afirmou o ministro. "Mais do que isso, inventamos a chamada portabilidade. O sujeito sai do partido levando um ativo."

O ministro defendeu a redução dos custos de campanha bem como do número de candidatos. De acordo com ele, o sistema atual no Brasil está abrindo as portas para a entrada de financiamento do narcotráfico, como ocorre no México.

"Vamos querer que narcotráfico e milícias financiem as campanhas?", questionou. Segundo Mendes, é preciso que se tenha cláusula de barreiras e o fim das coligações.

Semipresidencialismo

Mendes fez questão de salientar que é preciso "discutir e rediscutir" o sistema de governo no Brasil e propôs a adoção, no país, de "algo próximo ao semipresidencialismo".

Para o ministro, é importante pensar em um sistema que proteja o país de crises que se repetem. "Só dois presidentes terminaram o mandato", disse, citando os dois impeachments que ocorreram no Brasil desde a redemocratização. "Esse dado sugere uma grande instabilidade no sistema."

Para ele, um semipresidencialismo preserva a figura do presidente da República. "A Presidência ficaria com a chefia de Estado e com o poder moderador", disse.

"Que combine essa estrutura antiga do nosso modelo presidencial com o parlamentarismo. Que permitisse que as questões de governo ficassem entregues a um primeiro-ministro", ponderou.

"Ilude-se quem fala que o Parlamento brasileiro hoje é fraco", afirmou o presidente do TSE. "Todavia, a sua atuação muitas vezes se dá por mera provocação."

Para ele, se o sistema de governo não mudar para a eleição de 2018, que seja alterado para 2022. "Um regime que de certa forma já efetivasse o que ocorre na prática. E que sistematizasse uma blindagem que evitasse a contaminação, separasse as crises de governo das crises de Estado."

*Com Estadão Conteúdo