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Moro vê risco de retrocesso em mudança no julgamento de crimes

Foto: Agência Brasil
Imagem: Foto: Agência Brasil

Rafael Moro Martins

Colaboração para o UOL, em Curitiba

21/08/2017 21h31Atualizada em 21/08/2017 21h31

O juiz federal Sergio Moro, responsável pelos processos da operação Lava Jato na primeira instância, disse nesta segunda-feira (21) que uma mudança como a debatida pela Câmara dos Deputados sobre alterações no Código do Processo Penal não é "necessariamente positiva".

"Um novo código é um projeto de envergadura, e tem que ser muito bem pensado. Rogo que isso seja muito bem refletido. Por vezes, a mudança não necessariamente é positiva", disse Moro, em evento realizado na Assembleia Legislativa do Paraná, mas que foi convocado pela comissão especial da Câmara dos Deputados para discutir o projeto de lei que pretende reformar o Código de Processo Penal, um conjunto de normas que regulamentam como os crimes são julgados.

"Numa sociedade democrática, se devem ter presentes os direitos do acusado. Ele é um potencial inocente. Mas muitas vezes, se esquece que do outro lado existe a vítima, que também é uma pessoa que tem direitos. O processo penal também serve à vítima", afirmou Moro, dirigindo-se aos deputados federais Danilo Forte (PSB/CE), João Campos (PRB/GO) e Fernando Francischini (SD/PR), integrantes da comissão.

Moro leu trechos e fez comentários para o documento que entregou aos parlamentares. Com mais de 40 páginas, o texto reúne 23 sugestões reunidas pelo magistrado ao projeto de reforma do Código.

Defendeu a manutenção do cumprimento da pena após a sentença ser confirmada em segundo grau --o que já ocorre no Brasil desde fevereiro do ano passado, após decisão do STF (Supremo Tribunal Federal). Até então, exigia-se o trânsito em julgado --termo técnico que significa que é preciso que se esgotem todos os recursos jurídicos possíveis. "Anteriormente, tínhamos processos que nunca terminavam. Os tribunais superiores são abarrotados, não têm condições de julgar em tempo razoável", afirmou.

Também se queixou de item da proposta sobre os casos em que o juiz deve se afastar do caso por ser parcial --algo que a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, já tentou em relação a Moro. "Como está, a redação é muito aberta: deve haver suspeição 'quando o juiz manifestar parcialidade'. O que significa isso? É preciso elencar hipóteses objetivas [de parcialidade]", criticou.

Além disso, pediu para que seja mantido o direito de juízes pedirem a produção de provas nos processos --chamado, em linguagem técnica, de instrução complementar.  "Às vezes a acusação ou a defesa pode falhar [na produção de provas]. O juiz ter o poder complementar é salutar para o processo", afirmou.

O texto em discussão nasceu de uma proposta apresentada pelo senador José Sarney (PMDB/AP), aprovada em 2010 e remetida em seguida à Câmara. Apenas em fevereiro do ano passado, porém, o texto saiu da gaveta, com a criação de uma comissão para elaborar um parecer.

O evento em Curitiba foi montado a pedido de Francischini. O filho dele, Felipe Francischini (SD), é deputado estadual no Estado e propôs o debate. Na chegada ao plenário da Assembleia, Moro e o procurador Roberson Pozzobon, da Força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal, foram ciceroneados pelo presidente da casa, Ademar Traiano (PSDB), e o primeiro-secretário Paulo Miró Guimarães (DEM).

Apelidados, respectivamente, de "Praia" e "Grosseiro", Traiano e Guimarães aparecem como destinatários de pagamentos em lista entregue à Lava Jato pelo ex-executivo da Odebrecht Benedito Barbosa Júnior, que firmou acordo de colaboração premiada e era responsável pelo setor de Operações Estruturadas --o "departamento de propinas" da empreiteira.