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Em meio à queda de braço entre MPF e PF, Supremo julga se polícia pode fechar delação

marcos valerio - Douglas Magno 15.nov.2013 -/O Tempo/Estadão Conteúdo - Douglas Magno 15.nov.2013 -/O Tempo/Estadão Conteúdo
Marcos Valério (de camiseta cinza), considerado o "operador do mensalão", acordou delação com a PF
Imagem: Douglas Magno 15.nov.2013 -/O Tempo/Estadão Conteúdo

Gustavo Maia

Do UOL, em Brasília

07/12/2017 04h00

Julgamento marcado para esta quinta-feira (7) no plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) vai decidir se delegados de polícia podem ou não negociar os termos de acordos de delação premiada. A atribuição está prevista na lei 12.850, sancionada em 2013, mas provocou uma queda de braço pública entre o MPF (Ministério Público Federal) e a Polícia Federal.

A Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) que será analisada pelos ministros do Supremo foi proposta em abril do ano passado pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que deixou o posto em setembro passado.

Ele defendeu que há “ofensa ao sistema acusatório e à moralidade”, já que o Ministério Público tem legitimidade exclusiva para oferecer ações penais à Justiça. Lembrou ainda que a polícia é “órgão de segurança pública” e, como tal, deve atuar “para” e não “no” processo penal.

Conhecida como a Lei das Organizações Criminosas, a norma estabeleceu as regras para a celebração de colaborações premiadas, instrumento que viria a ser utilizado com frequência pela Operação Lava Jato, por exemplo, principalmente pelo MPF.



O procurador-geral questionou a legalidade de dois parágrafos do artigo 4º da lei, nos quais o Congresso concedeu tanto ao Ministério Público quanto ao delegado de polícia --“nos autos do inquérito policial” e “com a manifestação do MP”-- o poder de pedir ao juiz a concessão de benefícios ao colaborador e conduzir as negociações para a formalização do acordo.

O impasse travou o andamento de delações firmadas apenas pela Polícia Federal, como a dos publicitários Marcos Valério, operador do mensalão, e Duda Mendonça, este parado no gabinete do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF.

A decisão sobre a homologação (validação judicial) ou não do acordo do marqueteiro está à espera da deliberação do plenário da Corte sobre a Adin.

“Monopólio inconveniente”

Em artigo publicado no último domingo (3) no jornal “Folha de S.Paulo”, o diretor-geral da PF, Fernando Segovia, se referiu ao imbróglio da delação como “um monopólio inconveniente”. “A sociedade brasileira [deve] atentar para a perniciosa e sutil proposta de exclusão da delação premiada como importante ferramenta de trabalho da Polícia Federal e das polícias civis na luta contra o crime organizado”, escreveu.

Apesar de opor os dois órgãos federais, a lei não se limita a essa instância. E é esse o motivo de críticas de Carlos Fernando dos Santos Lima, procurador da República e integrante da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.

“A decisão do STF envolverá dar o mesmo poder ao delegado de Polícia Civil de um rincão qualquer do país, longe da sede da comarca e, portanto, dos olhos do juiz de direito e do promotor de Justiça, suscetível à influência do poder político local, estadual e federal", afirmou em artigo para o jornal “O Globo”.

Embora tenha exaltado os “serviços relevantes” prestados pela PF ao país, “sendo um dos pilares da Lava Jato”, o procurador questiona como a polícia pode fazer um acordo “que depois é incapaz, por lhe faltar capacidade postulatória, de gerenciar sua execução”.

Sucessora de Janot, a atual procuradora-geral da República, Raquel Dodge, se manifestou nessa semana sobre a polêmica, lembrando que qualquer medida que interfira na titularidade da ação penal por parte do Ministério Público “é causa de insegurança jurídica”.

“A delação premiada é, por um lado, um meio de investigação, de obtenção de provas, e por outro, um meio de obtenção de benefício”, declarou, em entrevista na segunda-feira (4).

Os argumentos que opõem os dois lados expõem defesas corporativistas e a cisão entre as duas instituições. Em mensagem endereçada ao ministro Marco Aurélio de Mello, relator da ação no STF, o então diretor-geral da PF, Leandro Daiello, disse em setembro que a posição do MPF é “paradoxal”.

Para ele, a delação não pode ser entendida como um “instituto de transação penal”, mas como um meio de aprofundamento de investigações. “Nos acordos firmados pela Polícia Federal, não há intromissão na esfera de atribuições ou competências de qualquer instituição, pois a PF apenas utiliza a colaboração do investigado para fomentar a obtenção de provas”, declarou.

Em uma crítica velada ao Ministério Público, a PF sustentou em manifestação técnica ao Supremo que não lhe cabe atuar “sob orientação ou no interesse de uma das partes do processo penal (MP ou defesa)”.

“À polícia, cabe a perseguição da verdade real do fato e suas circunstâncias, ainda que essa verdade seja a inexistência do fato, a presença de causas excludentes da culpabilidade, ou a comprovação da inocência de um investigado”, diz o documento.

“Braço armado do Estado”

No mês passado, uma nota técnica da Câmara de Controle Externo da Atividade do MPF ratificou o entendimento da Procuradoria sobre o tema. "Conferir à Polícia Federal qualquer autonomia que enfraqueça o controle sobre o braço armado do Estado traz evidente risco de arbítrio na atividade investigativa”, diz o texto.

Segundo a Procuradoria, uma norma editada no ano passado pelo então diretor da PF, Leandro Daiello, que autoriza expressamente delegados da corporação a fazer as negociações, cria "novas categorias de procedimentos policiais não previstas em lei", que "violam a Constituição e subvertem o funcionamento do Sistema de Justiça”.

A nota técnica foi aprovada dois dias depois de Segovia chamar de "triste e infeliz situação" a disputa institucional entre a corporação e o MPF, em sua cerimônia de posse como diretor-geral da PF.

"Agora têm oportunidade de escrever um novo capítulo em sua história deixando de lado a vaidade, a sede de poder. Buscando o equilíbrio e entendimento em nossas ações em prol de toda a nação brasileira", declarou, na ocasião.

Para o subprocurador-geral da República, Mario Bonsaglia, “a colaboração da polícia é fundamental para que o Ministério Público possa promover com êxito as ações penais, mas a estratégia e atuação processual é atribuição do MP, que também tem a responsabilidade de exercer o controle externo da própria polícia”.

Presidente recém-empossado da ADPF (Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal), Edvandir Paiva apontou incoerência por parte do MP. O mesmo Ministério Público que fez uma campanha dizendo que, quanto mais gente investigando, melhor seria, quer tirar do principal órgão investigador do país, que é a polícia, uma das ferramentas mais importantes, que é a colaboração premiada", declarou, em entrevista ao UOL.

Para ele, o Ministério Público acha que a investigação é um apenso do trabalho dele, ou seja, "a polícia trabalha para conseguir elementos para que ele possa denunciar". "No dia em que o modelo for o Ministério Público fazer uma investigação buscando elementos para fazer uma denúncia, a paridade de armas será totalmente quebrada. Nós teremos a força do Estado buscando provas para denunciar alguém", disse Paiva.

"Na verdade, na verdade, o que há é um corporativismo muito grande do Ministério Público em se tornar um super órgão sem controle algum, que quer investigar, denunciar e, agora com a tese da colaboração premiada em que eles já no acordo definem penas e o regime em que elas serão cumpridas, julgar. Isso é um absurdo. Isso é um atentado ao Estado democrático de direito", criticou.

Instada a se manifestar sobre a ação, a AGU (Advocacia-Geral da União) defendeu que a colaboração premiada constitui um meio de obtenção de prova. Para o órgão, é certo “que a atribuição primordial do delegado durante o inquérito policial é exatamente a colheita de provas com o intuito de elucidar os fatos investigados”.