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Mesada a conselheiros do TCE-RJ foi acertada na casa de Picciani, diz delator

Jonas Lopes, ex-presidente do TCE-RJ e delator de esquema de corrupção - Cris Torres/Divulgação/GovRJ
Jonas Lopes, ex-presidente do TCE-RJ e delator de esquema de corrupção Imagem: Cris Torres/Divulgação/GovRJ

Marina Lang

Colaboração para o UOL, no Rio

21/02/2018 12h54Atualizada em 21/02/2018 18h38

Uma reunião na casa do ex-presidente da Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio), Jorge Picciani (MDB), sacramentou um pagamento de R$ 70 mil ao mês para cada um dos 11 dos 12 conselheiros do TCE-RJ (Tribunal de Contas do Estado), segundo relato do ex-presidente do tribunal, Jonas Lopes, em depoimento nesta quarta-feira (21) na 7ª Vara Criminal do Rio.

Além de Lopes e Picciani, o empresário da Fetranspor (Federação das Empresas de Transportes de Passageiros), José Carlos Lavouras, estava presente na reunião, de acordo com o relato.

A mesada a 11 conselheiros teria sido paga até o começo de 2016, segundo o ex-conselheiro, e teria sido interrompida sob duas alegações: de que o doleiro que trabalhava para eles estaria em negociação com o Ministério Público e que uma das empresas da Fetranspor teria pegado fogo.

Lopes prestou depoimento em condição de delator em ação criminal decorrente da operação Ponto Final, desencadeada pela Polícia Federal em julho do ano passado. São réus nessa ação o ex-governador Sérgio Cabral, o empresário Jacob Barata e outros 17 nomes, por crimes contra o sistema financeiro nacional, lavagem de dinheiro, ocultação de bens e corrupção ativa e passiva.

O ex-presidente do TCE afirmou ainda que jamais teve contato com Barata, também conhecido como “rei do ônibus”.

A mesada aos conselheiros teria sido desencadeada por uma investigação do tribunal sobre as fraudes no Bilhete Único, que teria constatado “irregularidades inúmeras”, nas palavras do delator. “Desde cadastramento de pessoas falecidas, menores de 5 anos de idade [que já possuem gratuidade]”, enumerou.

Lopes declarou que a investigação do TCE começou em 2013 e teria sido postergada a pedido do então governador, Sérgio Cabral, por causa das eleições daquele ano –o que foi aceito por Lopes.

Segundo o delator, o Estado do Rio pagava antecipadamente cerca de R$ 12 milhões por semana à Fetranspor, segundo afirmou Lopes.

De acordo com Lopes, o valor adiantado era pago pela Secretaria Estadual de Transportes e baseado em “projeções” do volume de passageiros da semana seguinte. “O Estado pagava antecipadamente às empresas. Depois, fazia uma pseudoavaliação posterior, que não tinha como medir”, declarou.

“Vai ficar tudo bem”

Filho do ex-presidente do TCE, Jonas Lopes Neto também prestou depoimento hoje ao juiz federal Marcelo Bretas. Na condição de delator, ele confirmou ter recebido o dinheiro da propina para repasse aos conselheiros do tribunal.

Eram duas somas diferentes num intervalo de dois dias: uma com R$ 250 mil e outra de R$ 200 mil. As três primeiras remessas de propina foram trocadas diretamente entre Barata Neto e o presidente-executivo da Fetranspor, Lélis Marcos Teixeira.

O pagamento da mesada foi suspenso em meados de 2016, segundo o delator. Outro executivo da Fetranspor, José Carlos Lavouras, teria ido ao seu encontro para “tranquilizá-lo”.

“Vai ficar tudo bem”, disse o executivo, conforme o delator. “Segundo ele, a pessoa que providencia o dinheiro está passando por ‘problemas’. Ele disse: ‘Essa pessoa produz esse dinheiro para nós não sabe a destinação’”, contou Lopes Neto.

Ao pararem de receber a mesada de R$ 70 mil, os conselheiros do TCE começaram a pressionar o ex-presidente do tribunal e seu filho. O executivo da Fetranspor teria garantido a Lopes Neto a retomada dos pagamentos “em breve” e que os valores suspensos seriam ressarcidos.

Segundo o filho do ex-presidente do TCE, Lélis teria tentado contratar seus serviços enquanto advogado, “possivelmente para simular a propina, que entraria como ‘honorários advocatícios’”. A negociação, no entanto, não progrediu.

Procurada, a Fetranspor não respondeu até a publicação da reportagem. Em nota, a Secretaria de Estado de Transportes afirma que nunca realizou repasses diretamente a qualquer empresa de transporte e que o Estado possui acesso diário e online a todas as ordens de crédito geradas pelo sistema de ressarcimento do bilhete único e “mantém auditoria permanente, onde é reprocessada a totalidade das transações com incidência do subsídio público”.

Sobre as citações a José Carlos Lavouras em depoimento na Justiça Federal, a defesa do empresário diz em nota que “Jonas Lopes extorquiu vários empresários do Rio” e que “suas acusações são mentirosas e constituem apenas artifício para sua defesa”.