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CNBB pede voto em "ficha-limpa" e reprovação a candidato que busca foro privilegiado

A 56ª Assembleia Geral da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos Do Brasil) começou no último dia 11, em Aparecida (SP), e termina amanhã (20) - Divulgação/CNBB
A 56ª Assembleia Geral da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos Do Brasil) começou no último dia 11, em Aparecida (SP), e termina amanhã (20) Imagem: Divulgação/CNBB

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

19/04/2018 15h23Atualizada em 20/04/2018 14h19

A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) divulgou nesta quinta-feira (19) um documento sobre as eleições deste ano no qual orienta o eleitor católico a não votar em candidato ficha-suja ou em interessados em ingressar ou permanecer na vida pública para se aproveitar do foro privilegiado.

A mensagem, intitulada “Eleições 2018: Compromisso e Esperança”, foi apresentada durante a 56ª Assembleia Geral da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), evento que começou no último dia 11, em Aparecida (SP), e termina nesta sexta-feira (20).

Assinado pelo presidente da instituição, o cardeal Sergio da Rocha, arcebispo de Brasília, e pelo vice dele, Dom Murilo Sebastião Ramos Krieger, arcebispo de Salvador, o documento elenca uma série de recomendações de natureza ética e moral em relação às eleições deste ano –tanto em relação a cargos de natureza executiva (presidente da República e governador) como os de natureza legislativa (senador, deputado federal e deputado estadual).

A CNBB foi uma das principais responsáveis pela coleta de assinaturas na mobilização popular que, em 2010, com 1,6 milhões de assinaturas, deu origem à Lei da Ficha Limpa, sancionada em junho daquele ano pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Líder em todos os cenários pesquisados para 2018, condenado por corrupção e cumprindo há menos de duas semanas a pena de 12 anos e um mês de reclusão, Lula deve ficar fora da disputa justamente em função da lei, que exclui da disputa candidatos condenados por órgãos colegiados.

“Nas eleições, não se deve abrir mão de princípios éticos e de dispositivos legais, como o valor e a importância do voto, embora este não esgote o exercício da cidadania; o compromisso de acompanhar os eleitos e participar efetivamente da construção de um país justo, ético e igualitário; a lisura do processo eleitoral, fazendo valer as leis que o regem, particularmente, a Lei 9840/1999 de combate à corrupção eleitoral mediante a compra de votos e o uso da máquina administrativa, e a Lei 135/2010, conhecida como ‘Lei da Ficha Limpa’, que torna inelegível quem tenha sido condenado em decisão proferida por órgão judicial colegiado”, diz trecho do documento.

O atual presidente da CNBB, o cardeal Sergio da Rocha, é também arcebispo de Brasília - Divulgação/CNBB - Divulgação/CNBB
O atual presidente da CNBB, o cardeal Sergio da Rocha, é também arcebispo de Brasília
Imagem: Divulgação/CNBB

A Assembleia também emitiu uma mensagem geral sobre o evento na qual reforça a preocupação sobre o "tempo de politização e polarizações que geram polêmicas pelas redes sociais e atingem a CNBB" e em que ressalva que "ações isoladas", mesmo quando realizadas por eclesiásticos, não devem gerar responsabilização à entidade.

A entidade não fez menção direta a nenhum episódio específico, ainda que, recentemente, o arcebispo de São Paulo, cardeal Dom Odilo Scherer, tenha se posicionado publicamente contra o que chamou de " "instrumentalização política" da cerimônia de um ano de morte da ex-primeira-dama Maria Letícia. A ocasião marcou também, no último dia 7, o último discurso de Lula antes de ele se entregar à Polícia Federal, no mesmo dia, horas depois.

O ato religioso foi realizado em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, celebrado por Dom Angélico Sândalo Bernardino, bispo emérito de Blumenau.

Interessados em foro não devem ser eleitos, pede entidade

Sobre o foro privilegiado –que protege de determinados aspectos da lei penal, como a aplicação da prisão preventiva --, a CNBB defende que “não merecem ser eleitos ou reeleitos” os candidatos em busca desse ou de outros benefícios. 

Pré-candidatos às eleições de outubro, políticos como o presidente Michel Temer (MDB) ou os senadores Gleisi Hoffmann (PT) e Aécio Neves (PSDB), por exemplo, são alvos de investigações no STF (Supremo Tribunal Federal) em função de possuírem o foro privilegiado. A entidade não cita nomes. “É fundamental, portanto, conhecer e avaliar as propostas e a vida dos candidatos, procurando identificar com clareza os interesses subjacentes a cada candidatura”, diz a entidade.

A CNBB afirma que tampouco merecem ser eleitos os que “se rendem a uma economia que coloca o lucro acima de tudo e não assumem o bem comum como sua meta, nem os que propõem e defendem reformas que atentam contra a vida dos pobres e sua dignidade”. Em 2016, meses depois de Temer assumir o poder com o impeachment de Dilma Rousseff (PT), a CNBB se posicionou publicamente contra as propostas de reformas da Previdência e trabalhista defendidas pelo governo. A avaliação havia sido a de que ambas atendiam a interesses do mercado, mas não da classe trabalhadora. Mesmo sob críticas, a reforma trabalhista foi aprovada.

“As eleições são ocasião para os eleitores avaliarem os candidatos, sobretudo, os que já exercem mandatos, aprovando os que honraram o exercício da política e reprovando os que se deixaram corromper pelo poder político e econômico”, orienta a Conferência, que classifica a atual conjuntura política como “momento difícil”, mas vê nela “uma oportunidade de crescimento, abandonando os caminhos da intolerância, do desânimo e do desencanto”.

A mensagem sobre as eleições faz um último alerta: o cuidado com "fake news", “já presentes nesse período pré-eleitoral, com tendência a se proliferarem, em ocasião das eleições, causando graves prejuízos à democracia”.

Debate da Igreja é ético, não sobre candidaturas, diz arcebispo

Ao UOL, o ex-presidente da CNBB e atual arcebispo de Mariana (MG), Dom Geraldo Lyrio, afirmou que é motivo de preocupação o cenário de polarização política que envolve as discussões eleitorais mais recentes.

“Essa polarização traz uma preocupação muito grande a todos nós, Igreja e todas as entidades com responsabilidade no cenário nacional. Isso traz consigo uma divisão, uma contraposição e um sinal de que o país está se radicalizando e levando a expressões muito fortes de intolerância de uma parte e de outra – na política, nos esportes, no campo religioso, no trânsito... Isso nos faz ver uns aos outros como inimigos, e não podemos aceitar isso como algo normal”, afirmou.

No lançamento da Campanha da Fraternidade 2018, cujo tema foi "Fraternidade e superação da violência”, a CNBB afirmou que não apoiará candidatos à Presidência da República que promovam a violência e preguem soluções que possam provocar mais conflitos no Brasil.

Indagado se, ao refutar candidaturas com discurso de ódio, a CNBB poderia apoiar a(s) que fosse(m) em direção contrária, o religioso afirmou: "A CNBB tem uma tradição de abertura ao diálogo com todos. As portas estão abertas. Mas a Conferência não quer ser protagonista de uma transformação social: ela quer somar força". Para Dom Geraldo, a tarefa de se posicionar cabe “às entidades da sociedade civil”. “Nosso discurso é no nível ético e a partir da palavra de Deus, não sobre candidaturas. Jamais a Igreja assumiria qualquer bandeira.”