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Atirador gritou "perdeu" antes de disparar contra acampamento pró-Lula, diz testemunha

Vídeos de câmeras de segurança mostram tiros contra acampamento pró-Lula em Curitiba - Divulgação - 28.abr.2018/Sesp-PR
Vídeos de câmeras de segurança mostram tiros contra acampamento pró-Lula em Curitiba Imagem: Divulgação - 28.abr.2018/Sesp-PR

Bernardo Barbosa

Do UOL, em Curitiba

01/05/2018 11h36

O autor do ataque a tiros contra os integrantes do acampamento montado em Curitiba em protesto à prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) gritou “perdeu” antes de disparar contra os militantes, relatou uma testemunha ao UOL. O crime deixou dois feridos--um deles, o sindicalista Jefferson Menezes, 39, foi baleado no pescoço e recebeu alta nesta terça-feira (1º).

Coordenador regional do movimento Nação Hip Hop Brasil no ABC paulista, o militante Rodrigo Cardoso, 37, disse à reportagem que era a única pessoa ao lado de Menezes no momento do ataque, por volta das 4h de sexta para sábado. Os dois conversavam na frente do acampamento enquanto outros voluntários que também atuavam na vigilância do local faziam uma ronda. Menezes estava de costas para o local de onde partiram os tiros.

“Eu até vi a pessoa [o atirador] andando, mas ninguém ia imaginar que isso ia acontecer”, contou Cardoso. “Ele [Menezes] estava de costas, falando comigo, até que a pessoa grita: ‘Perdeu!’. Na hora que a pessoa gritou, eu olhei, focalizei a pessoa, e o Jefferson virou. Na hora em que ele virou, foi quando [o atirador] começou a efetuar os disparos.”

Cardoso disse que, com os tiros, se jogou no chão e se arrastou para dentro do acampamento, gritando para outras pessoas que estavam acordadas para que se abaixassem. Em seguida, pediu para outros militantes chamarem a polícia e soltarem fogos de artifício --que é a forma como os voluntários da segurança avisam o restante do acampamento que há algum problema no local. Naquele momento, havia cerca de 70 pessoas passando a noite ali.

“Daqui a pouquinho veio o Jefferson andando de uma forma meio descompassada, eu não tinha visto que ele tinha sido atingido. Ele passou por mim, eu falei: ‘Jefferson, o que aconteceu?’ Ele não falava nada”, relatou. “Aí foi quando ele virou pra mim e eu percebi que ele tinha sido atingido.”

Imagens mostram suspeito atirando contra acampamento pró-Lula

UOL Notícias

Atirador “foi para matar”

Cardoso tirou seu casaco para tentar estancar o ferimento de Menezes.

“Na hora, eu tirei minha blusa para estancar, ele não quis, acho que a adrenalina estava meio alta ainda, ele não parava. Eu falei: ‘Para, porque você está perdendo muito sangue’.”

blusa com sangue - Reprodução/Facebook/Frente Brasil Popular - Reprodução/Facebook/Frente Brasil Popular
Blusa com sangue de feriado por tiros disparados contra o acampamento
Imagem: Reprodução/Facebook/Frente Brasil Popular


Junto com outro militante, Cardoso levou o sindicalista de carro até uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento) a cerca de 3 km do local do acampamento, que fica no bairro de Santa Cândida. Depois, Menezes foi transferido para o Hospital do Trabalhador, do outro lado da cidade. Nesta segunda (30), ele deixou a UTI (Unidade de Terapia Intensiva). A outra pessoa ferida foi a advogada Márcia Koakoski, 42. Ela foi atingida no ombro, sem gravidade, por estilhaços de um banheiro químico que foi alvejado.

Para Cardoso, o crime “só aconteceu por negligência do Estado aqui do Paraná”, que não teria respeitado um acordo para garantir a segurança do acampamento depois que a militância concordou em deixar os arredores do prédio da Polícia Federal em Curitiba, onde Lula está preso.

“Foi feito um acordo e o governo, o Estado, garantiria a segurança lá. E nesses dias todos, até o acontecido, não tinha uma viatura sequer. Porque se tivesse uma viatura, inibiria essa pessoa a jogar todo o seu ranço, o seu ódio em cima da gente, descarregando uma [pistola] 9 mm em cima da gente. Ele foi para matar, não foi para tentar matar."

Ameaças de morte

Antes do ataque, houve um outro acontecimento cuja possível ligação com o crime provoca dúvidas entre testemunhas e que está sendo investigado pela polícia.

Xingamentos vindos de motoristas e motociclistas que reduzem a velocidade para hostilizar militantes têm sido comuns, disse Cardoso. Mas, segundo ele, na mesma madrugada do ataque, o motorista de um carro preto com vidros fumê não só reduziu a velocidade, mas parou na frente do acampamento.

O motorista teria gritado palavras de apoio ao pré-candidato do PSL a presidente, Jair Bolsonaro, e ameaçado sair do veículo mesmo diante de um grupo de oito pessoas que, naquele momento, fazia a vigilância do local.

“Nisso que ele abriu a porta, o que a gente tinha na mão, tinha no chão, a gente tacou. Porque penso que, se a pessoa para o carro na frente de oito pessoas ofendendo, eu não duvidaria que ela estivesse com alguma coisa”, disse Cardoso, que definiu a reação como “uma questão de segurança”.

Segundo o militante, quando o carro preto parou, a equipe de vigilância soltou fogos para deixar o acampamento em alerta e para afugentar o motorista --que voltou para o veículo e parou novamente alguns metros adiante, onde havia outro voluntário da segurança.

“Como ele não contava com a pessoa lá de baixo, acho que ele se assustou, entrou no carro novamente, xingou e fez ameaça. Ele ameaçou, falando que ia voltar, falando que ia matar um de nós. E foi embora”, contou Cardoso.

As ameaças de morte também foram relatadas pela advogada Márcia Koakoski à Folha de S.Paulo. Segundo ela, por volta das 2h, os integrantes do acampamento ouviram um grupo gritando “que iam voltar e matar aquelas pessoas”.

No sábado, o delegado titular da DHPP, Fábio Amaro, disse que o suspeito chegou em um sedã preto e foi andando até o acampamento. Depois de efetuar os disparos, fugiu. Vídeos de câmeras de segurança mostram o atirador chegando e indo embora da região a pé.


O militante disse que, com o que conseguiu ver, não pode confirmar se o atirador seria a mesma pessoa que hostilizou os militantes logo antes do ataque. Segundo ele, a pessoa que atirou estava a cerca de 100 metros do acampamento, tinha “porte atlético” e cerca de 1,85 metro.

"Se eu visse, eu ia falar, até porque ele efetuou disparo contra um amigo meu. A gente quer justiça, a gente não quer de outra forma. A gente não quer que seja uma justiça como eles querem fazer com a gente. A gente quer que esse cara pague, que ele seja preso, que ele responda pelo que ele fez."

“Não foi coisa de amador”, diz advogado

Segundo o advogado Ramon Bentivenha, que disse atuar voluntariamente junto com outros sete profissionais em questões jurídicas ligadas ao acampamento, a investigação policial está levando em conta a possibilidade de que o motorista do carro preto seja também o atirador.

“Não foi coisa de amador. A distância era grande, o tiro foi dado do peito para cima, com munição restrita”, disse.

Apesar do uso restrito, Bentivenha declarou que considera “prematuro” associar o crime a integrantes de categorias que têm acesso a armas de calibre 9mm.

No ano passado, o Exército liberou o uso pessoal de pistolas 9mm para policiais rodoviários federais, legislativos, militares e civis, além de bombeiros militares. O porte também foi autorizado para agentes da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e para analistas e auditores da Receita Federal “diretamente envolvidos no combate à repressão aos crimes de contrabando e descaminho”.

Segundo o UOL apurou, o DHPP de Curitiba ouviu seis pessoas sobre o caso até segunda-feira (30). Na quarta, haverá novos depoimentos. Falta também ouvir Menezes, o que depende de seu estado de saúde. 

“Ele está com dificuldade de falar. Para nós, quanto antes melhor. Mas depende da avaliação médica”, disse o advogado.

Segundo a Secretaria de Estado de Segurança Pública do Paraná, o acordo entre militantes e autoridades previa a transferência do acampamento para o parque Atuba, o que não aconteceu. A secretaria disse não ter sido informada sobre o local para o qual o acampamento foi levado. De acordo com o órgão, a PM já fazia rondas no local antes do ataque e, após o crime, reforçou o policiamento na região.