Topo

Em depoimento à PF, doleiro diz que Youssef trabalhou para Cabeça Branca, o "embaixador do tráfico"

Alberto Youssef foi um dos principais delatores da Operação Lava Jato - Paulo Lisboa/Brazil Photo Press/Estadão Conteúdo
Alberto Youssef foi um dos principais delatores da Operação Lava Jato Imagem: Paulo Lisboa/Brazil Photo Press/Estadão Conteúdo

Leandro Prazeres

Do UOL, em Brasília

26/07/2018 04h00

O doleiro Carlos Alexandre de Souza Rocha, o "Ceará", disse em depoimento à PF que um dos principais delatores da Operação Lava Jato, o também doleiro Alberto Youssef, trabalhou para o narcotraficante Luiz Carlos da Rocha, o "Cabeça Branca".

A PR-PR (Procuradoria da República no Paraná) informou que se a ligação entre Youssef e Cabeça Branca ficar comprovada, o doleiro poderá voltar à prisão. Isso porque ele não mencionou essa suposta ligação com o traficante em seu acordo de colaboração premiada. A defesa de Youssef, que está em liberdade desde novembro do ano passado, disse que o doleiro nunca trabalhou para o narcotráfico.

O depoimento de Ceará à PF ao qual o UOL teve acesso faz parte das investigações da Operação Efeito Dominó, deflagrada em maio deste ano e que prendeu uma rede de doleiros que, segundo a PF, estava a serviço de Cabeça Branca.

Carlos Ceará - TV Folha - TV Folha
Carlos Alexandre de Souza Rocha, o Ceará, diz que Youssef trabalhou para "Cabeça Branca"
Imagem: TV Folha

No depoimento, Ceará afirmou que trabalhava para Alberto Youssef havia vários anos e que sabia que o doleiro trabalhava para o narcotraficante “pelo menos” desde 1992.

“Que Youssef trabalhava para Luiz Carlos da Rocha; que chamava Luiz Carlos da Rocha pelo apelido ‘Roque’, que sabe que Alberto Youssef sempre trabalhou para Luis Carlos da Rocha, desde pelo menos 1992 [...] Que sabe que Luiz Carlos da Rocha, assim como diversos outros clientes, tinha uma conta-corrente com Youssef, que deve estar em nome de Roque ou Lutador, que eram os codinomes usados para Luiz Carlos da Rocha”, diz um trecho do depoimento de Ceará à PF.

Em outro trecho, Ceará disse que Youssef tentava manter sigilo sobre seu relacionamento com Cabeça Branca.

“Que na época em que que Alberto Youssef trabalhava com Luiz Carlos da Rocha, o reinquirido (Ceará) não tinha nenhum tipo de contato com o mesmo, que nem chegava a ver Luiz Carlos da Rocha, que Youssef o ‘escondia a sete chaves’ [...] Youssef evitava esse tipo de contato”, diz o documento.

Uma das possíveis evidências materiais da ligação entre Youssef, Ceará e Cabeça Branca é uma planilha manuscrita apreendida pela PF na qual o nome de Ceará aparece próximo a um valor. Segundo o doleiro, a letra identificada na planilha é de Alberto Youssef.

Os investigadores dizem acreditar que com a prisão de Youssef em 2014 pela Operação Lava Jato, Ceará assumiu os clientes do doleiro, entre eles, Cabeça Branca. 

Operação Efeito Dominó

Ceará foi um dos doleiros presos pela PF no dia 1º de julho durante a Operação Efeito Dominó, desdobramento da Operação Spectrum, que prendeu Cabeça Branca em julho de 2017.

Cabeça Branca, também conhecido como "embaixador do tráfico", era o traficante mais procurado da América do Sul. Ele era um dos principais fornecedores de drogas para facções dentro do Brasil e para o mercado externo, sobretudo a Europa.

cabela branca - Divulgação/PF - Divulgação/PF
Luiz Carlos da Rocha, o "Cabeça Branca", fez cirurgias para mudar o rosto e fugir da polícia
Imagem: Divulgação/PF

Após sua prisão, a PF começou a investigar o núcleo financeiro de sua quadrilha. Estima-se que entre 2014 e meados de 2017, Cabeça Branca tenha negociado 27 toneladas de cocaína e movimentado aproximadamente US$ 138 milhões, o equivalente a R$ 516 milhões.

Foi ao longo dessa investigação que a PF chegou a Ceará. Os investigadores afirmam que Cabeça Branca recorria aos serviços de doleiros para lavar o dinheiro oriundo do comércio de drogas.
 
Ceará já havia sido preso em 2015, em decorrência da Operação Lava Jato, por conta de seu relacionamento com Alberto Youssef. Após firmar um acordo de colaboração premiada, Ceará foi posto em liberdade. Após a nova prisão de Ceará, a PGR (Procuradoria-Geral da República) avalia se pede a rescisão do acordo firmado pelo doleiro em 2015. 

Ele e outras 19 pessoas são réus desde o dia 16 deste mês pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa.

As investigações conduzidas pelo Gise (Grupo de Investigações Sensíveis) da PF em Londrina (PR) apontam que há conexão entre a rede de doleiros que atua para o narcotráfico e a que abastecia o esquema de pagamento de propina a agentes públicos investigados pela Operação Lava Jato.

Segundo a PF, há indícios de que dinheiro usado para pagar propina a políticos teria origem no narcotráfico. 

Ligação com traficante pode afetar delação de Youssef

Se a ligação entre Alberto Youssef e o narcotraficante Luiz Carlos da Rocha ficar comprovada, o acordo de colaboração premiada que ele firmou com a Força-Tarefa da Operação Lava Jato pode ser revisto.

O acordo previa que ele fornecesse informações sobre crimes e organizações criminosas que não se limitavam àquelas já investigadas pela Operação Lava Jato.

De acordo com a legislação, mentir ou omitir informações sobre crimes durante o acordo de colaboração premiada podem levar à sua rescisão. 

Entre os benefícios concedidos a Youssef estão a suspensão de processos e inquéritos contra ele além de redução no total das penas privativas de liberdade às quais ele possa vir a ser condenado.

O doleiro foi condenado a mais de cem anos de prisão nos processos relativos à Operação Lava Jato, mas em função do acordo, ficou preso por três anos.

Procurado pela reportagem do UOL, o advogado de Youssef, Antonio Figueredo Basto, rechaçou as declarações dadas por Ceará e negou que seu cliente tenha tido qualquer ligação com Cabeça Branca.

“Desconheço esse depoimento, mas essa afirmação é uma bobagem. Papo de doleiro de traficante. Meu cliente nunca trabalhou para traficante algum. A vida do Youssef foi virada pelo avesso e não encontraram nada disso”, afirmou Figueredo Basto.

Procurada pela reportagem do UOL, a PR-PR disse que se ficar comprovado que Youssef trabalhou para Cabeça Branca e sonegou essa informação dos procuradores, o doleiro pode voltar para a prisão.

“Os acordos são construídos de modo a punir severamente qualquer mentira ou omissão [...] se comprovado o fato, Alberto Youssef, em tese, voltaria imediatamente para a prisão e todos os processos e investigações suspensas voltariam a correr, sem qualquer prejuízo para as provas já produzidas”, disse a Força-Tarefa da Lava Jato no Paraná por meio da assessoria de imprensa da PR-PR.

Procurado pela reportagem, o advogado de Cabeça Branca, Fábio Ricardo Mendes Figueiredo, disse desconhecer o teor do depoimento de Ceará, que só estará em contato com seu cliente novamente em agosto e que por isso não poderia responder aos questionamentos.

Moro absolveu Youssef por envolvimento com traficante

Esta não é a primeira vez que o nome de Alberto Youssef aparece ligado a narcotraficantes. Quando foi preso em 2014 no início da Operação Lava Jato, o doleiro foi investigado e processado pela suspeita de ter repassado US$ 36 mil ao traficante Renê Luiz Pereira. 

Em depoimento, Youssef negou seu envolvimento com Pereira e, em outubro de 2014, o juiz federal Sergio Moro absolveu o doleiro, na primeira sentença da Operação Lava Jato.

Para o juiz, o escritório de Alberto Youssef serviu apenas como entreposto do dinheiro repassado a Pereira pelo doleiro Carlos Habib Chater, que foi condenado a cinco anos de prisão por lavagem de dinheiro neste processo.