Topo

Assessora de Malta será ministra de Direitos Humanos; pasta abrigará Funai

Ao lado de Onyx (esquerda), Damares Alves fala à imprensa após ser anunciada como ministra - Assessoria de Transição/Divulgação
Ao lado de Onyx (esquerda), Damares Alves fala à imprensa após ser anunciada como ministra Imagem: Assessoria de Transição/Divulgação

Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

06/12/2018 15h23Atualizada em 06/12/2018 18h34

A advogada, educadora e pastora Damares Alves, assessora do senador Magno Malta (PR-ES), será a titular do futuro Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos do governo do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL). O anúncio foi feito nesta quinta-feira (6) pelo futuro ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS).

A pasta englobará a Funai (Fundação Nacional do Índio), subordinada até o momento ao Ministério da Justiça e que estava com o destino indefinido.

Leia mais:

"A ministra cuidará da pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Ela também receberá na pasta dos Direitos Humanos a Funai, visto que ela inclusive é mãe de uma índia", declarou Onyx, referindo-se à criança adotada pela pastora.

A confirmação de Damares Alves no novo ministério deixa pendente apenas o anúncio de quem comandará a pasta do Meio Ambiente no governo Bolsonaro. A definição estaria sendo adiada por conta de uma disputa entre aliados militares e do agronegócio

Segundo a Folha de S.Paulo, Damares é pastora da igreja do Evangelho Quadrangular. Em uma rápida busca no YouTube, é possível ver vídeos da futura ministra pregando sobre família e infância no púlpito de várias igrejas como convidada. 

Segundo dados do portal da transparência do Senado Federal, ela atua desde 2015 como auxiliar parlamentar júnior no gabinete do senador Magno Malta (PR-ES), pelo qual recebe um salário de R$ 4.408,14, além de benefícios que chegam a quase R$ 1 mil. 

Damares é uma das fundadoras da Atini - Voz Pela Vida, ONG com sede em Brasília que atua, segundo o site da entidade, para erradicar o infanticídio nas comunidades indígenas. A entidade responde por uma ação civil pública aberta em 2016 pelo MPF (Ministério Público Federal), em Rondônia, por divulgar um vídeo inverídico sobre o tema. 

Defesa do direito "à vida"

Após o anúncio de que será ministra, Damares afirmou que a prioridade na pasta será a formulação de políticas públicas que "não têm chegado às mulheres", com foco em mulheres ribeirinhas, pescadoras, catadoras de siri e quebradoras de coco. Outra área a ter atenção especial, elencou, será a da infância, com um "pacto de verdade".

Ela avaliou que o maior e primeiro direito a ser protegido pelo ministério será o "da vida".

"Nós vamos trabalhar nessa linha. O maior direito do humano é o direito à vida, e a pasta vai desde as mulheres, até a infância, idoso, índio. Vai ser a proteção da vida", disse.

"Brasil sem aborto"

Questionada sobre como se posiciona em relação ao aborto, ela se declarou contra o procedimento, mas com a manutenção das situações já previstas em lei: gravidez decorrente de estupro, com feto anencefálico ou com risco à vida da mulher. Ainda assim, ressaltou, fará o possível para que tanto a mulher quanto o bebê sobrevivam.

"Eu sou contra o aborto. Eu acho que nenhuma mulher quer abortar. As mulheres chegam até o aborto porque, possivelmente, não foi lhe dada outra opção. A mulher que aborta acreditando estar desgravidando não está desgravidando. O aborto não 'desgravida' nenhuma mulher. A mulher caminha o resto da vida com o aborto", disse.

Ela disse querer um "Brasil sem aborto" com a implementação de políticas públicas de planejamento familiar e sem que o procedimento seja visto como método contraceptivo. "Esta pasta não vai lidar com o tema aborto. Esta pasta vai lidar com a proteção de vidas, e não com a morte. Que fique bem claro isso."

Igualdade de gênero e "paz" com comunidade LGBT

A futura ministra também comentou números de assassinatos de meninas no Brasil e ressaltou querer fazer do país, "em poucos anos, a melhor nação do mundo para se nascer menina". Para tanto, disse que trabalhará em conjunto com os ministérios da Saúde, da Educação e do Desenvolvimento Regional.

Quanto à igualdade de gênero e salarial no mercado de trabalho, falou que "nenhum homem vai ganhar mais do que mulher desenvolvendo a mesma função", e lembrou a importância do Ministério Público em fiscalizar irregularidades. No entanto, afirmou que, se preciso, ela mesmo irá para a porta de empresas que estejam descumprindo o princípio de igualdade.

"Se depender de mim, vou para porta da empresa que o funcionário homem, desenvolvendo papel igual ao da mulher, está ganhando mais. Acabou isso no Brasil", declarou.

Em relação à comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais ou Transgêneros), Damares afirmou ser uma pauta "muito delicada", mas disse ter bom relacionamento com os movimentos. Ela disse que estabelecerá conversas com representantes do grupo e pregará o diálogo.

"Tenho entendido que dá para a gente ter um governo de paz entre o movimento conservador, movimento LGBT e os demais movimentos. É para isso que a gente se propõe", falou.

A futura ministra afirmou saber que encontrará resistência ao seu nome diante da comunidade LGBT por ser pastora evangélica, mas disse querer acabar com uma "falsa guerra" entre cristãos e LGBTs.

"Se precisar, estarei nas ruas com as travestis. Se precisar, estarei nas portas das escolas com as crianças que são discriminadas por sua orientação sexual", falou.

"Funai não é problema neste governo"

Damares afirmou não ter resistido a abrigar a Funai e disse acreditar que sua história com os povos indígenas a qualifica para cuidar do órgão. Como exemplo, relatou que, em 1999, assessorou a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) sobre a fundação e descobriu que alguns povos ainda têm a tradição cultural de sacrificar crianças deficientes por falta de conhecimento -- sua própria filha é deficiente física e foi adotada após ter sido destinada ao sacrifício, relatou. Ela ressaltou ter iniciado conversas com esses povos para apresentar-lhes soluções de saúde para os eventuais problemas e, desde então, ter atuado na área com diálogo e respeito.

"Gente, ó, Funai não é problema, índio não é problema. Funai não é problema neste governo. O presidente só estava esperando o melhor lugar para colocar a Funai", declarou. "Esta nação é linda, bela e plural. Este governo vem para atender esta nação linda, bela e plural."

A futura ministra afirmou que tratar de indígenas não é se limitar à questão de terras, e que estes precisam ser tratados como um todo. Pela manhã, um grupo de indígenas foi ao CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), onde trabalha a equipe de transição, para pedir a manutenção da Funai no Ministério da Justiça e protocolou um documento com demandas. Eles também reclamaram da maneira como vêm sendo tratados por Bolsonaro em falas à imprensa.

Indagada se concorda com o posicionamento de Bolsonaro de cessar a demarcação de terras indígenas, Damares disse ser necessário conversar muito sobre o tema e que o presidente eleito deveria ter embasamento para dar a declaração.

"Questiono, eu, particularmente, algumas áreas indígenas, mas isso é um assunto que vamos falar muito e discutir", falou.

Outro povo que terá protagonismo dentro do ministério sob seu comando será o dos ciganos, afirmou. Ela estimou viverem no Brasil cerca de 1,2 milhão de ciganos, mas que, segundo ela, nunca foram contemplados com políticas públicas nos últimos anos.

Malta fica sem ministério

A nomeação de Damares para o novo ministério vinha sendo especulada na imprensa nos últimos dias. Na quarta (5), Magno Malta negou ter indicado sua assessora para a pasta. "Ela foi convidada por competência própria", afirmou o senador.

Nesta quinta, Damares falou que Malta apoiou sua indicação, e em nenhum momento demonstrou estar chateado por ter ficado sem uma pasta. Questionada sobre o convite, ela falou que preferiu esperar ver se atendia às exigências de Bolsonaro por nunca ter trabalhado no Executivo.

Malta foi um dos aliados de primeira hora de Bolsonaro, e chegou inclusive a ser convidado para ser vice em sua chapa -- a posição ficou com o general da reserva Hamilton Mourão (PRTB). O senador tentou a reeleição, sem sucesso, e houve a expectativa de que assumiria um ministério. 

Ontem, no entanto, Bolsonaro declarou que as portas de seu governo estavam abertas para Malta, mas não como ministro. Segundo o presidente eleito, "ficaria complicado" se oferecesse ministérios para todos os seus amigos.

"Não achamos adequado para ele no momento", afirmou Bolsonaro.

 Ao site The Intercept, Malta declarou que pretende deixar a vida pública. Ele foi deputado estadual, deputado federal e é senador há dois mandatos.