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Contra obesidade, Ministério da Saúde quer encarecer refrigerantes

Consumo de açúcar, presente nos refrigerantes, está associado a diabetes e câncer - iStock
Consumo de açúcar, presente nos refrigerantes, está associado a diabetes e câncer Imagem: iStock

Eduardo Militão

Do UOL, em Brasília

26/01/2019 04h01

O Ministério da Saúde pediu à Receita Federal um aumento no imposto para taxar refrigerantes e outras bebidas doces. O Fisco ainda analisa, mas já deu parecer favorável em uma solicitação semelhante anterior. A OMS (Organização Mundial de Saúde) recomenda que as bebidas fiquem 20% mais caras para desestimular seu consumo, associado a doenças como diabetes, câncer e problemas cardiovasculares e dentários - ou seja, se uma lata custar R$ 4, ela passaria a custar R$ 4,80.

A Coca-Cola, maior fabricante do país, é contra qualquer tipo de aumento de tributos e defende outras medidas para a redução da obesidade. Para a Abir (Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes), que representa os grandes produtores, "imposto não fabrica saúde". A Afrebras (Associação dos Fabricantes de Refrigerantes do Brasil) é a favor da elevação dos tributos desde que o aumento seja igual para todos, inclusive os que não recebem incentivos fiscais regionais.

O pedido foi feito na gestão anterior, quando o ministro da Saúde era Ricardo. O atual ocupante do cargo, Luiz Mandetta, afirmou ao UOL que o governo não vai interferir no processo que já está em andamento.

Uma nota obtida pela reportagem mostra que os técnicos do Ministério da Saúde querem encarecer todas as bebidas açucaradas ou com adoçantes, como refrigerantes, chás, sucos e néctares. Eles defendem o aumento do imposto das bebidas de 1,3% para pelo menos 27%; um preço mínimo para os produtos, assim como acontece com os cigarros; o fim de incentivos fiscais para fábricas na Zona Franca de Manaus; e apoio a projetos de lei no Congresso com esses objetivos.

Em 2017, a Receita deu sinal verde para um pedido semelhante, daquela vez feito pelo Conselho Nacional da Saúde. O Fisco concordou em aumentar o imposto do setor para 10% e reduzir os incentivos fiscais, mas o Ministério da Economia ainda não se pronunciou sobre a análise.

"Talvez o refrigerante emblematize mais", diz ministro

O problema da obesidade tem uma série de ingredientes, disse o ministro Mandetta ao UOL.

Um dos problemas é a quantidade de açúcar que a nossa população consome num número muito grande de alimentos. Talvez o refrigerante emblematize mais, mas eu não cheguei ainda nesse debate."
Luiz Mandetta, ministro da Saúde

Luiz Mandetta - Divulgação - Divulgação
Mandetta: "O que eu faço com balas, doces, chocolates, bebidas alcóolicas e charuto?"
Imagem: Divulgação

Mandetta afirma que a intenção do ministro da Economia, Paulo Guedes, não é de criar impostos no geral, mas que poderia haver aumentos compensados com reduções, por exemplo. "Eu estou pedindo para ele quais as alternativas que ele tem para aumentar os recursos da saúde. Eles têm princípios, um deles é de não aumentar a carga tributária geral do país. Estou aguardando para saber qual é a linha tributária que o governo vai assumir, se ele vai fazer isso dentro de um balanço, diminui aqui e aumenta ali. Mas a gente não chegou nessa fase especificamente do refrigerante."

Eu tenho que olhar o total. O que eu faço com balas, doces e os açúcares, chocolates, bebidas alcoólicas, cigarro, tabaco, charuto? Se eu simplesmente disser: eu quero que aumente desse [porque] faz mal, aí eu tenho que tentar numa gama enorme de produtos que, em tese, conspiram para problemas de saúde.
Luiz Mandetta, ministro da Saúde

Em nota, o Ministério da Saúde reafirmou que "qualquer proposta de aumento de impostos será analisada e validada pela equipe econômica do governo federal. O Ministério da Saúde, na atual gestão, não iniciou nenhuma tratativa de aumento de impostos".

Obesidade aumentou 60% na última década, diz ministério

A Nota Técnica 60/2017, de 15 de setembro de 2017, "Taxação de refrigerantes e outras bebidas açucaradas para combater a obesidade no Brasil", diz que aumentar impostos é a melhor medida para se reduzir a incidência de doenças crônicas. "Estudos de custo-efetividade apontam a taxação de refrigerantes e outras bebidas açucaradas como a medida de maior impacto e menor custo entre todas as demais iniciativas de políticas públicas comparadas", atestam a coordenadora de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde, Michele Lessa de Oliveira, o ex-diretor de Atenção Básica, João Salame Neto, e o analista Rubens Bias Pinto.

Hoje, mais da metade da população está com excesso de peso. A obesidade subiu 60%, fator que faz piorar até o desempenho escolar, segundo a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Doenças crônicas fizeram o governo brasileiro gastar R$ 16,2 bilhões em 2011, ou 58% da despesa total do SUS (Sistema Único de Saúde).

Bebidas açucaradas seriam uma das principais causas disso. Hoje, 19% da população toma refrigerante ou suco artificial quase pelo menos cinco vezes por semana. 

O consumo diário de uma lata de 355 ml de bebida açucarada já seria suficiente para um aumento de cerca de 83% no risco de diabetes melitus 2 em relação àqueles indivíduos com consumo ocasional (menos de uma porção ao mês) dessas bebidas.
Nota técnica do Ministério da Saúde

México reduziu consumo em 7% com imposto especial

A OMS já recomendou encarecer o preço das bebidas para reduzir o consumo. México, cinco estados dos EUA, Reino Unido, França, Finlândia, Dinamarca, Hungria, Irlanda, Noruega, Portugal e a região espanhola da Catalunha já tomaram a medida. O México criou um imposto especial de um peso mexicano por litro de bebida açucarada em 2013. Os preços ao consumidor subiram 10% e o consumo caiu 7,6% entre 2013 e 2017.

Mesmo que o preço não suba tanto, o simples fato de o consumidor saber que aquele produto é sobretaxado por causa de danos à saúde já vai reduzir as compras, segundo o advogado do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), Igor Britto.

"O resultado no preço pode ser insignificante, mas ele já gera compreensão nas pessoas de que aquele produto não é saudável", afirma Britto.

Coca-Cola diz que oferece alternativas sem açúcar

A diretora de Sustentabilidade da Coca-Cola Brasil, Andrea Mota, descarta o aumento de tributos para se combater a obesidade. A empresa desenvolveu um conjunto de 213 tipos de bebidas, algumas sem açúcar e outras menos adoçadas. Ela destaca que as pessoas têm preferências diferentes.

"A mesma pessoa que está no churrasco no domingo tomando cerveja e refrigerante, na segunda-feira toma água e uma salada", contou ao UOL. "Um dia ele é pé na jaca. No outro, tem uma pegada vegana." Nos últimos três anos, a empresa reavaliou receitas de 27 produtos. Houve redução de açúcar em 17 produtos em 2017, segundo Andrea.

Para ela, combater a obesidade é um problema complexo que não se resolve com tributação, mas com uma série de mudanças, como mudar as receitas dos produtos. Uma é vender as bebidas em garrafas menores, como as de 200 mililitros, para controlar as porções - uma das medidas de maior impacto segundo estudo de 2014 feito pelo Instituto McKinsey. Outra opção é retirar os produtos mais nocivos à saúde de cantinas escolares.

Uma alternativa ainda seria o acordo para redução de açúcar, assinado no ano passado entre o Ministério da Saúde e a indústria de alimentos, mas que deixou de fora boa parte dos produtos mais consumidos no país. No entanto, o Idec argumentou que o pacto foi inútil porque estabeleceu metas tímidas e que as empresas já cumpriam.

Na Coca-Cola e em outras fábricas, vários produtos estão "perdendo" o sabor doce gradativamente para que o consumidor não perceba. Fernando Bairros, da Afrebras, diz que o movimento começou há dois anos, quando a OMS recomendou sobretaxar as bebidas açucaradas.

"Eu não consigo parar de colocar açúcar nem reduzir sem colocar outra coisa porque senão fica azedo e o pessoal não toma", explica Bairros. "Mas a gente vem ao longo dos anos reduzindo o açúcar para que o consumidor não perceba tanta diferença no sabor."