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Ação de Dodge coloca acordos do MP em risco, diz coordenador da Lava Jato

Felipe Rau/Estadão Conteúdo
Imagem: Felipe Rau/Estadão Conteúdo

Bernardo Barbosa

Do UOL, em Curitiba

13/03/2019 18h44

O procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato no MPF-PR (Ministério Público Federal no Paraná), disse que a ação da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, para anular a criação de um fundo anticorrupção coloca em risco todos os outros acordos feitos pelo Ministério Público.

Ontem à noite, Dodge levou ao STF (Supremo Tribunal Federal) uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) na qual pede a nulidade de acordo feito pela Lava Jato e a Petrobras. O acordo - que está suspenso pela Justiça - prevê a criação de uma fundação para gerir R$ 2,5 bilhões oriundos de um acordo feito pela estatal com autoridades dos EUA.

"Quando ela [Dodge] dá esse passo para questionar um ato feito em primeiro grau, por procuradores naturais [responsáveis originais pelo caso], e homologado pelo Judiciário brasileiro, todos os outros acordos feitos pela Lava Jato, ou por membros do Ministério Público em todo o país, passam igualmente a correr o risco de serem questionados mediante ADPFs, não só por ela, mas pelos outros titulares que podem oferecer ADPFs contra atos judiciais do Ministério Público que lhes desfavoreçam. Na minha visão, seria um péssimo precedente, não só quando a gente toma em conta o caso concreto, mas quando a gente toma em conta o sistema", afirmou.

Foi o MPF que fechou, por exemplo, a grande maioria dos acordos de colaboração premiada e de leniência envolvendo investigados e empresas envolvidas nos crimes descobertos na Operação Lava Jato.

Podem propor ADPFs o presidente da República; as mesas do Senado e da Câmara; as mesa de Legislativos estaduais; governadores; o procurador-geral da República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; partidos políticos com representação no Congresso; e confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional.

Ainda segundo Dallagnol, a força-tarefa vê a medida "como uma tentativa da procuradora-geral de se imiscuir na atribuição originária de procuradores de primeira instância e da sua independência funcional. Pelo menos esse é o efeito da ação que ela está tomando".

Para Dodge, o MPF não tem respaldo legal para "administrar e gerir, por meio de fundação, recursos bilionários que lhe sejam entregues pela Petrobras."

Ainda segundo a procuradora-geral, os membros da força-tarefa "assumiram compromissos administrativos e financeiros pelo Ministério Público Federal, falando pela própria instituição sem poderes para tanto, de conduzir todas as etapas do processo destinado à constituição de uma fundação de direito privado, idealizada para administrar cinquenta por cento dos recursos disponibilizados".

Dallagnol rebate a premissa, que considera equivocada. Segundo ele, pelo acordo com a Petrobras, o MPF não se comprometeu a administrar os recursos, e nem teria condições para tanto; por isso, haveria a criação de uma fundação para essa finalidade.

De acordo com o procurador, esta forma de gestão dos recursos não está expressa na lei, mas está de acordo com a previsão legal de assento do Ministério Público no Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, órgão vinculado ao Ministério da Justiça.

"A gente seguiu de forma muito similar a estrutura existente, só que com uma garantia de que esse dinheiro chegaria à sociedade, e não seria contingenciado."

O contingenciamento dos recursos do acordo com a Petrobras é justamente o que a Lava Jato quer evitar -- segundo Deltan, esse tem sido justamente o destino de quase todo o dinheiro do Fundo de Direitos Difusos. Na prática, isso quer dizer que a verba do fundo tem sido destinada para pagar juros da dívida.

Com isso, agora a força-tarefa avalia a possibilidade de levar ao Executivo e ao Congresso a proposta da criação de um fundo específico para o combate à corrupção, mas com regras para evitar o contingenciamento dos recursos. Os procuradores também buscam, no momento, um diálogo com outros órgãos, como AGU (Advocacia-Geral da União), TCU (Tribunal de Contas da União) e CGU (Controladoria-Geral da União) para definir a destinação dos R$ 2,5 bilhões.

Segundo Dallagnol, o objetivo é chegar a uma "solução harmônica, consensual, para que se possa permitir a máxima segurança jurídica possível com o final objetivo de se assegurar que esse recurso seja usado a favor da sociedade brasileira e fique no Brasil".

O procurador afirmou que esta nova solução terá que ser homologada novamente pela Justiça, mas que não há risco, no momento, de perda dos recursos.

"Nós buscaremos fazer isso o mais rápido possível. E, durante esse tempo, os recursos permanecerão depositados numa conta remunerada pela Selic [taxa básica de juros] junto à Justiça", disse.

Com toda a polêmica cercando a criação do fundo, a força-tarefa divulgou no fim da tarde de hoje um documento com 27 perguntas e respostas sobre o acordo. Em uma das respostas, os procuradores dizem que foram pegos de surpresa pela ação de Dodge.

"A força-tarefa da Lava Jato foi surpreendida pela ação proposta pela procuradora-geral, que em momento algum procurou a força-tarefa para obter informações ou compreender as razões e circunstâncias do acordo feito", afirmam. "Além disso, a ADPF é um instrumento inadequado para tratar do acordo, porque só é cabível quando não existe recurso adequado contra o ato praticado e, neste caso, caberiam recursos para a instância competente, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região."