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Decisão do TSE permite volta de fake news retiradas do ar nas eleições

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Felipe Amorim

Do UOL, em Brasília

04/04/2019 04h00

Uma decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) pode permitir que fake news (notícias falsas) retiradas do ar durante as eleições de 2018 por ordem da Justiça Eleitoral sejam novamente republicadas na internet e nas redes sociais.

Na noite de terça-feira (2), os ministros determinaram, por seis votos a um, que as decisões do tribunal têm validade apenas durante o período eleitoral e que, com o fim da campanha, perdem a eficácia.

Na prática, advogados afirmam que isso permite que conteúdo ofensivo e falso contra os então candidatos volte a circular ao ser publicado novamente, após o término da proibição imposta pela Justiça Eleitoral.

A questão foi analisada pelo tribunal em duas ações movidas pela coligação do PT e PCdoB à Presidência da República, cuja chapa foi formada por Fernando Haddad (PT) e Manuela D'Ávila (PCdoB).

A decisão se aplica apenas a esses dois processos, mas deverá servir de parâmetro para a definição de casos semelhantes.

A coligação do PT pedia que fossem mantidas, mesmo após o fim do período eleitoral, as decisões liminares (provisórias) que determinaram a retirada de notícias falsas do ar.

Os processos tratavam do vídeo em que era falsamente atribuída ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a afirmação de que seria fácil comprar o voto do baiano por R$ 10 e de um vídeo de Manuela D'Ávila editado de forma a associar a então candidata a ofensas religiosas e à sexualização exacerbada de crianças.

No julgamento, o TSE seguiu o entendimento do tribunal utilizado em eleições anteriores de que decisões que proibiram a veiculação de propaganda irregular durante a campanha perdem a eficácia após as eleições.

Mas essa foi a primeira vez que o plenário do tribunal, formado por sete ministros, julgou a questão após a disputa de 2018, marcada pela disseminação de notícias falsas propagadas com a intenção de prejudicar adversários.

Em outras eleições, o entendimento do TSE era aplicado majoritariamente para casos de propagandas eleitorais irregulares, como inserções de rádio e TV, e não para ofensas publicadas na internet por pessoas que não estão formalmente ligadas às campanhas.

Na avaliação de advogados que atuaram nas eleições do ano passado, para garantir a retirada do ar das notícias falsas, será necessário recorrer à Justiça comum.

Fachin - Lucio Tavora/Agência Tempo/Estadão Conteúdo - Lucio Tavora/Agência Tempo/Estadão Conteúdo
O ministro Edson Fachin defendeu que a decisão sobre fake news seja revista
Imagem: Lucio Tavora/Agência Tempo/Estadão Conteúdo

O veredito foi embasado na resolução do próprio TSE que regulamenta a propaganda política nas eleições e deixa claro que, com o fim da campanha, as decisões de remoção de conteúdo perdem efeito: "Findo o período eleitoral, as ordens judiciais de remoção de conteúdo da internet deixarão de produzir efeitos, cabendo à parte interessada requerer a remoção do conteúdo por meio de ação judicial autônoma perante a Justiça Comum", diz trecho do documento.

No julgamento, o ministro Edson Fachin defendeu que esse ponto da resolução seja revisto para as próximas eleições. "A proteção que se dá ao candidato pode, na medida em que também protege o cidadão, projetar os seus efeitos mesmo que depois de findo o processo eleitoral", disse.

Segundo Fachin, a questão será estudada pelo TSE para uma possível alteração da resolução que vai regulamentar as eleições de 2020, quando o Brasil escolherá prefeitos e vereadores.

"Enquanto houver a regra e a jurisprudência for nessa direção, eu entendo que, findo o período eleitoral, cessa a eficácia das liminares concedidas. Mas eu, como expliquei ontem [na terça] no julgamento, sou evidentemente favorável à revisão dessa regra para que isso se mantenha", disse o ministro em entrevista no STF.

Fachin foi um dos seis ministros que votaram a favor de que as decisões da época da campanha perdessem o efeito.

Além dele, votaram nesse sentido os ministros Admar Gonzaga, Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, Jorge Mussi, Og Fernandes e Rosa Weber, presidente do TSE.

Alexandre de Moraes - Kleyton Amorim/UOL - Kleyton Amorim/UOL
O ministro Alexandre de Moraes votou contra a perda de eficácia das decisões de retirada de notícias falsas do ar
Imagem: Kleyton Amorim/UOL

O ministro Alexandre de Moraes foi o único a divergir e defender que as decisões continuassem a ter eficácia como forma de evitar nova disseminação de informações falsas.

O advogado Marcelo Schmidt, que atua nos processos da coligação PT-PCdoB no TSE, viu como positiva a sinalização de alguns ministros de defender a modificação das regras do tribunal, elaboradas quando a principal preocupação eram propagandas eleitorais oficiais e ataques entre concorrentes no horário eleitoral.

"Aqui estamos diante de outra situação: notícias ofensivas publicadas por terceiros, muitas vezes anônimos. Não há paralelo com a troca de críticas entre candidatos no período eleitoral", diz Schmidt.

"Os danos que são causados a essas pessoas públicas ultrapassa o período eleitoral", afirma o advogado.

A advogada e professora de direito eleitoral Karina Kufa, que atuou na campanha do presidente Jair Bolsonaro (PSL), afirma que as notícias falsas podem trazer prejuízo político ao ofendido mesmo depois das eleições.

"As ações intentadas durante o período de campanha eleitoral para retirar conteúdos da internet que reproduzem fake news, a meu ver, deveriam ter seus objetos analisados mesmo após a eleição. Mesmo não havendo mais interesse eleitoral, permanecem os prejuízos na esfera da intimidade do ofendido, o que, por mais que existam meios próprios na Justiça comum, entendo ser desarrazoado movimentar novamente o Judiciário", diz ela.

"A jurisprudência do TSE até hoje seguiu caminho oposto, mas vale para reflexão os novos tempos, em que as redes sociais passaram a ser um instrumento democrático de participação política da sociedade e, assim como os benefícios da livre manifestação, temos que efetivar a responsabilidade dessa garantia", afirma a advogada.

A campanha de Bolsonaro também foi alvo de fake news e conseguiu decisões no TSE que determinaram a proibição de circulação das publicações.