Topo

Bolsonaro visita Macri de olho em eleição argentina e no futuro do Mercosul

16.jan.2019 - O presidente Jair Bolsonaro recebe o presidente da Argentina, Mauricio Macri, em Brasília  - Fátima Meira/Estadão Conteúdo
16.jan.2019 - O presidente Jair Bolsonaro recebe o presidente da Argentina, Mauricio Macri, em Brasília Imagem: Fátima Meira/Estadão Conteúdo

Luciana Amaral

Do UOL, em Buenos Aires

06/06/2019 04h00

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) viaja hoje para a Argentina em sua primeira visita oficial ao presidente Mauricio Macri (Proposta Republicana) em Buenos Aires, capital do país. A permanência de Bolsonaro em solo portenho será rápida --ele vai embora amanhã de manhã cedo-- e a expectativa é que não haja grandes avanços em acordos comerciais.

Por outro lado, a visita deverá servir como oportunidade para reforçar ideologias políticas e o acordo entre Mercosul (Mercado Comum do Sul) e União Europeia.

Na avaliação de especialistas ouvidos pelo UOL, o fato de a Argentina estar em profunda crise econômica e a economia do Brasil não crescer como o esperado prejudica a capacidade dos países de firmarem acordos comerciais robustos. Ainda assim, são esperadas novidades discretas quanto à harmonização de normas para exportações e a licenças fitossanitárias. Negociações envolvendo o setor automotivo só devem ser colocadas na mesa no ano que vem.

A Argentina é uma das principais parceiras política e econômica do Brasil, sendo o terceiro principal destino das exportações brasileiras. Segundo dados do Ministério das Relações Exteriores, a corrente de comércio bilateral foi de US$ 26 bilhões em 2018, com superávit do Brasil de US$ 3,9 bilhões. Apesar do número volumoso, a comercialização diminuiu 3,89% em relação a 2017 por causa da redução das exportações brasileiras em 15,1% e o aumento das importações de produtos argentinos em 17,1%.

O professor de relações internacionais da UnB (Universidade de Brasília) Roberto Goulart Menezes, também professor visitante da Johns Hopkins University, considera que Brasil e Argentina não estão em condições de "oferecer a mão ao outro".

Bolsonaro vai encontrar uma Argentina em franca decadência, processo inflacionário galopante, crise cambial e com a pobreza crescendo rapidamente. Quando um governo tem crise profunda, é difícil que encontre energia para questões além das domésticas. Na atual gestão, o Brasil tem tido a Argentina como país distante
Roberto Goulart Menezes, professor da UnB

Diante das finanças cambaleantes, os mandatários deverão se voltar a defender o liberalismo e a manutenção da política de direita na América do Sul, reiterando críticas à ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela.

Macri - Natacha Pisarenko/AP Photo - Natacha Pisarenko/AP Photo
Presidente da Argentina, Mauricio Macri recebe Bolsonaro na Casa Rosada
Imagem: Natacha Pisarenko/AP Photo

Outro foco da visita será ressaltar a importância de o Mercosul chegar a um consenso junto à União Europeia quanto ao acordo entre os blocos, negociado há duas décadas pelas partes. Tanto Bolsonaro quanto Macri defendem que o Mercosul tenha caráter mais comercial e não se limite a ser uma união aduaneira imperfeita, mas o entendimento é que não conseguirá crescer sem a recuperação simultânea de seus integrantes.

Em outubro do ano passado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a declarar que o Mercosul não seria prioridade no governo Bolsonaro. Agora a pasta estima que, caso o acordo seja firmado no futuro próximo, o país ganhe até R$ 60 bilhões por ano, apurou a reportagem.

"Os acordos que poderão se celebrados durante a viagem de encontro bilateral com a Argentina ainda estão em fase de consolidação. Existem memorandos de entendimento nos campos de indústria de defesa, ciência e tecnologia, biocombustíveis e mineração", disse o porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros.

Queijos e vinhos

A expectativa é que Bolsonaro e Macri acertem detalhes pendentes por parte do Mercosul. Um dos temas em discussão é quanto à comercialização para a Europa de produtos de denominação de origem controlada, como vinhos e queijos.

O professor do Departamento de História da UnB Virgílio Caixeta Arraes afirma que a visita será mais importante para Macri do que para Bolsonaro. Os argentinos vão às urnas em outubro. Para Macri será o momento de convencê-los de que sua convicção liberal é referendada por líderes da região e tem fôlego para recuperar a economia.

Um de seus principais adversários é a ex-presidente Cristina Kirchner, candidata a vice-presidente na chapa de Alberto Fernández (Unidad Ciudadana). Embora Cristina enfrente diversos processos por supostos atos de corrupção, pesquisas de opinião mostram a chapa dela à frente de Macri.

Cristina - Cézaro de Luca/Efe - Cézaro de Luca/Efe
Cristina Kirchner conversa com Alberto Fernández, chapa adversária de Macri nas próximas eleições, em outubro
Imagem: Cézaro de Luca/Efe

"É comum que dirigentes em período pré-eleitoral tentem receber visitas de mandatários com popularidade alta ou desgaste pequeno. O eleitorado brasileiro ainda está em fase de crédito e confiança com o governo Bolsonaro, ainda que declinante", afirmou Caixeta Arraes.

É como se parte da credibilidade do Bolsonaro pudesse influenciar positivamente o eleitorado da Argentina até em função de sinalizar que, se o grupo kirchnerista retornar ao poder, haverá um descompasso com o principal país do Mercosul, que é o Brasil
Virgílio Caixeta Arraes, professor da UnB

O governo brasileiro sabe que para Macri é muito importante assinar o acordo Mercosul e União Europeia antes das eleições a fim de demonstrar sua força. Integrantes do alto escalão também têm a percepção de que a chapa Fernández/Kirchner fará campanha contra o documento, mesmo que se beneficie dele se for eleita.

Um integrante do governo disse ao UOL que, se a Cristina for eleita, a expectativa do Planalto é que as relações Brasil e Argentina retrocedam 30 anos.

O pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP (Universidade de São Paulo) Alberto Pfeifer pondera que a visita ocorre um "pouco atrasada" e é um dever para Bolsonaro devido aos países terem enorme interdependência não apenas industrial, mas também estratégica para a América do Sul.

Usualmente, após eleitos, os presidentes antecessores a Bolsonaro costumavam visitar o par argentino antes de qualquer outro mandatário sul-americano. Desta vez, porém, a prioridade foi dada ao Chile. Bolsonaro se encontrou a sós com o presidente chileno Sebastián Piñera, em março, ocasião em que lançaram o Prosul (Fórum para o Progresso da América do Sul).

Hoje o Chile é considerado por parte de intelectuais como modelo liberal bem-sucedido, tanto que a propaganda da reforma da Previdência apresentada pelo governo federal usa como referência supostos benefícios do sistema de capitalização do país. Nesse contexto, Bolsonaro inclusive já usou a Argentina como exemplo negativo de crise econômica caso o Brasil não aprove todas as reformas. Ainda disse que os vizinhos poderão se transformar na Venezuela se Cristina Kirchner for eleita.

Além do Chile, o brasileiro já fez outras quatro viagens internacionais desde que assumiu o Planalto: Suíça, Israel e Estados Unidos (duas vezes). Macri não esteve na posse de Bolsonaro, mas fez visita oficial ao colega em Brasília em 16 de janeiro.

Pfeifer diz que Bolsonaro tentará dar apoio a Macri com o cuidado de não prejudicar o discurso ideológico de nenhum dos dois. Ele ressalta que ambos são parecidos na defesa da liberalização da economia e se elegeram à margem da política tradicional. Contudo, se diferenciam na formação.

Macri vem de família empresarial de grande porte e, para chegar ao poder, se compôs mais ao centro. Bolsonaro vem da carreira militar e legislativa, vinculadas ao Estado, e puxou mais para a extrema-direita, afirma Pfeifer.

Oferenda de flores, Casa Rosada e live

Por ficar apenas um dia na capital argentina, Bolsonaro terá uma agenda cheia de compromissos hoje. Além da visita oficial a Macri, há uma homenagem, encerramento de um seminário de defesa e reunião com empresários. A tradicional transmissão ao vivo nas redes sociais está mantida para ser feita de Buenos Aires.

Plaza de Mayo e Casa Rosada, em Buenos Aires - Ed-Ni-Photo/Getty Images/iStockphoto - Ed-Ni-Photo/Getty Images/iStockphoto
Plaza de Mayo será palco de protestos, enquanto Casa Rosada abriga reunião
Imagem: Ed-Ni-Photo/Getty Images/iStockphoto

O presidente e comitiva decolam da Base Aérea de Brasília às 6h50 e chegam a Buenos Aires às 10h10, de acordo com a agenda divulgada pelo Ministério das Relações Exteriores. Bolsonaro irá direto para a praça San Martín, a fim de depositar flores em homenagem ao general José de San Martin, um dos líderes pela independência da Argentina do domínio espanhol.

Em seguida, parte para a Casa Rosada, sede do governo federal argentino, onde será recebido por Macri. Após reuniões a sós e com ministros, os dois fazem declaração à imprensa para anunciar os resultados do encontro. Bolsonaro ainda conversará com parlamentares argentinos e com o presidente da Corte Suprema.

O almoço será um banquete oferecido por Macri no Museu do Bicentenário, ao lado da Casa Rosada. Depois de breve passagem pelo hotel onde ficará hospedado, Bolsonaro falará no encerramento do Seminário de Indústria de Defesa promovido na Embaixada do Brasil na cidade por volta das 16h30.

De volta ao hotel, o presidente receberá empresários argentinos. Quando a reunião terminar, fará a transmissão para as redes sociais. O dia termina com um jantar privado. Amanhã às 6h40, Bolsonaro parte para o Rio de Janeiro para participar de evento com o comando da Marinha do Brasil.

Quem está na comitiva presidencial

  • Michelle Bolsonaro, primeira-dama;
  • Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores;
  • Onyx Lorenzoni, ministro-chefe da Casa Civil;
  • Paulo Guedes, ministro da Economia;
  • Fernando Azevedo, ministro da Defesa;
  • Tereza Cristina, ministra da Agricultura;
  • Bento Albuquerque, ministro de Minas e Energia;
  • Marcos Pontes, ministro de Ciência e Tecnologia;
  • Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional;
  • Wilson Witzel, governador do Rio de Janeiro;
  • Helena Witzel, mulher do governador do Rio;
  • Luis Carlos Heinze (PP-RS), senador;
  • Marcel van Hattem (Novo-RS), deputado federal;
  • Célio Faria, assessor especial do presidente;
  • Rêgo Barros, porta-voz da Presidência;
  • Carlos França, chefe do cerimonial;
  • Filipe Martins, assessor especial para assuntos internacionais.