Topo

Ruralista que cuidará de terra indígena quer demarcação livre de ideologia

A ministra da Agricultura Tereza Cristina e o secretário de Assuntos Fundiários, Luiz Antônio Nabhan Garcia - Pedro Ladeira/Folhapress
A ministra da Agricultura Tereza Cristina e o secretário de Assuntos Fundiários, Luiz Antônio Nabhan Garcia Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Constança Rezende

Colaboração para o UOL, em Brasília

24/06/2019 04h00

Com o novo poder concedido pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), o secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Luiz Antônio Nabhan Garcia, disse que pretende mudar critérios para a demarcação de terras indígenas, antes atribuição da Funai (Fundação Nacional do Índio). À reportagem do UOL, Garcia disse que "não sairá demarcando" novas reservas terras, mas que analisará os pedidos "sem ideologias e sob os critérios da lei". Afirmou também que o índio está mais preocupado em produzir e ser inserido na sociedade do que em ter mais terras.

As afirmações foram feitas após Bolsonaro editar uma nova medida provisória que passou a demarcação de terras indígenas para a gestão do Ministério da Agricultura, comandado pela ministra Tereza Cristina. O presidente havia sido derrotado no Congresso, que reformou a sua decisão anterior e manteve a atribuição na Funai, vinculada ao Ministério da Justiça.

A medida de Bolsonaro, que era um pedido da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), maior bancada do Congresso, foi criticada pelo MPF (Ministério Público Federal). A Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do órgão manifestou "perplexidade" com o seu teor e afirmou que transferir a demarcação de terras "coloca em conflito os interesses dos indígenas com a política agrícola da União", "com prejuízo para os povos originários".

O secretário de Assuntos Fundiários acha o contrário. O pecuarista, presidente licenciado da UDR (União Democrática Ruralista), diz que demarcações feitas de forma indiscriminada geraram conflitos e inseguranças jurídicas grandes para o país, "o que o governo não quer". No dia em que editou a medida, Bolsonaro disse que é papel dele decidir sobre o tema e que não irá assinar nenhuma nova reserva indígena no Brasil.

Já Garcia afirma que levará em conta as 19 condicionantes do STF (Supremo Tribunal Federal) para regular a situação nos territórios da União ocupados por índios, que foram editadas durante o julgamento sobre a terra indígena Raposa Serra do Sol. Na ocasião, foi decido que o local teria demarcação contínua e que produtores rurais deveriam se retirar.

"Antropólogos sem ideologia" e "menos ONGs"

O secretário, que foi apontado como o principal articulador da saída do ex-presidente da Funai, Franklimberg de Freitas, alega que o Brasil tem mais terras para índio do que agricultor.

"O país tem 7,5% de terras para agricultura para 5 milhões de agricultores, enquanto tem 14% do território com pouco menos de 1 milhão de índios. Isso é um desafio. Não estou dizendo que vamos reduzir, mas também não vamos sair demarcando, não. Vamos fazer com prudência. Nós queremos que se faça uma identificação da reserva indígena e levantar os fundamentos legais para que ela exista", disse.

Ele afirmou ainda que vai se apoiar em "antropólogos neutros, sem ideologia" para esse trabalho de identificação. Uma vez procedente, a demarcação seguirá adiante, caso contrário, não, segundo ele.

"Não vamos mandar para lá um antropólogo tendencioso, que diga 'pode ser que haja um índio aqui' e então já vai lá e mete uma portaria e sai travando 200, 300 mil hectares, um negócio de maluco, um tamanho de um país. Não, nós vamos analisar tudo com critério técnico, mas sem esse viés ideológico", disse.

Garcia afirma que também pretende fazer um trabalho de identificação de quem são "os verdadeiros líderes indígenas", ouvindo a própria comunidade e "menos ONGs" --das quais pretende cortar verbas das que não preencherem requisitos definidos pelo governo.

"Não queremos ficar sob a tutela de ONGs e, ao chegar lá [nas reservas], o índio estar desnutrido, a aldeia não ter estrada, internet, ponto de energia, televisão, água quente. O índio é isolado e mantido como se fosse um animal. Ele pode manter a sua cultura e ser integrado, qual o problema em ter índio com filha na faculdade?''

Ele argumenta que índios que procuraram a secretaria lhe relataram estar mais preocupados em produzir do que em ter reservas.

"Eles querem sair da pobreza. Querem ter oportunidade de trabalhar, mantendo a cultura deles, de fazer garimpo legal, extrair ouro, diamante, se quiserem, madeira, com manejo sustentável, produzir grãos, alimentos. Ele vai estar inserido dentro da linha de produção, mas para isso precisamos que a legislação seja mais clara. O índio é um cidadão brasileiro com todos os direitos. Nós defendemos que ele possa trabalhar", afirmou.

A oposição também se mobilizou nesta semana contra a edição da MP. O líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), disse que pediu ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), para devolver o texto ao Executivo para a MP perder validade. A Rede redigiu uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) no STF contra a medida.