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Intervenções de Bolsonaro no Coaf e PF aumentam desgaste de Moro

O presidente Jair Bolsonaro e o ministro Sérgio Moro participam do início do funcionamento do Centro Integrado de Inteligência de Segurança Pública da Região Sul - Rodolfo Buhrer/Foto Arena/Estadão Conteúdo
O presidente Jair Bolsonaro e o ministro Sérgio Moro participam do início do funcionamento do Centro Integrado de Inteligência de Segurança Pública da Região Sul Imagem: Rodolfo Buhrer/Foto Arena/Estadão Conteúdo

Felipe Amorim

Do UOL, em Brasília

20/08/2019 04h00

Os movimentos recentes do presidente Jair Bolsonaro (PSL) sobre o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e a PF (Polícia Federal) tiveram o efeito de ampliar o desgaste do ministro Sergio Moro (Justiça), que iniciou o governo sob o rótulo de "superministro" e agora se vê acossado pela perda de prestígio de aliados e de projetos defendidos por ele.

Na última semana, o presidente Jair Bolsonaro:

A esses casos se somam derrotas recentes no Congresso em projetos defendidos por Moro e decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) que contribuíram para arranhar o prestígio do ministro:

  • O grupo de trabalho na Câmara dos Deputados que analisa o pacote anticrime proposto por Moro têm desidratado o projeto original do ministro. Já foram retirados do texto a proposta do chamado "plea bargain" (tipo de solução negociada entre o Ministério Público, o acusado de um crime e o juiz) e a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.
  • E após Moro dizer a autoridades que as mensagens obtidas pelo hacker seriam destruídas, decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) proibiram a destruição do material nessa fase do processo e determinaram que cópia do inquérito fosse remetida ao Supremo.
  • Em outra frente, o STF também suspendeu a transferência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) da carceragem da PF em Curitiba para o presídio de Tremembé, no interior paulista. A transferência, autorizada pela Justiça, foi um pedido da Polícia Federal.

Na manhã desta segunda-feira, Moro se reuniu com o presidente Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada. Nenhum dos dois comentou publicamente o encontro. Esse foi o primeiro encontro pessoal entre ambos após as declarações de Bolsonaro sobre a troca de comando da PF no Rio.

O caso da PF

Entre a quinta e a sexta-feira, o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, ameaçou entregar o cargo caso prevalecesse a indicação de Bolsonaro para a Superintendência da PF no Rio.

O presidente deu declarações de que preferiria para o posto no Rio o atual superintendente da PF no estado do Amazonas, Alexandre Silva Saraiva. Na ocasião, Bolsonaro chegou a dizer que "quem manda sou eu".

"Se ele [sem deixar claro quem] resolveu mudar, vai ter que falar comigo. Quem manda sou eu, vou deixar bem claro. Eu dou liberdade para os ministros todos, mas quem manda sou eu. Pelo que está pré-acertado, seria lá o [superintendente] de Manaus", disse o presidente na manhã da sexta.

Na quinta-feira, a Polícia Federal já havia emitido nota pública informando que a escolha de Valeixo para o cargo no Rio era o delegado Carlos Henrique Oliveira Sousa, atual Superintendente Regional em Pernambuco.

Após o desencontro público de versões, e a ameaça de Valeixo de entregar o cargo, Bolsonaro recuou e manteve a escolha do diretor da PF para o Rio. A nomeação ainda não foi efetivada, mas o trâmite interno do processo na PF segue com o nome de Carlos Oliveira confirmado para assumir o posto no Rio.

A possibilidade de interferência do presidente na nomeação de cargos internos da PF poderia levar ao descrédito da instituição, segundo afirmou o presidente da ADPF (Associação Nacional de Delegados de Polícia Federal), Edvandir Felix de Paiva.

O caso do Coaf

Ontem, Bolsonaro assinou a medida provisória que vai transferir o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) do Ministério da Economia para o Banco Central.

A intenção já tinha sido confirmada por Bolsonaro no início do mês, para "tirar o Coaf do jogo político", segundo afirmou o presidente, mas a ideia nasceu na esteira da insatisfação de Bolsonaro com a postura do atual presidente do órgão, Roberto Leonel, aliado de Moro.

Bolsonaro não gostou das críticas de Leonel à decisão do presidente do STF, Dias Toffoli, de suspender investigações criminais que usaram dados detalhados de órgãos de controle --como Coaf, Receita Federal e Banco Central-- sem autorização judicial.

A decisão de Toffoli foi motivada por pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente, tragado por investigações do Coaf sobre movimentações suspeitas de ex-assessores do seu antigo gabinete na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro).

O Coaf identificou movimentações atípicas de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio na Alerj. De acordo com o órgão, Queiroz movimentou R$ 1,2 milhão de janeiro de 2016 até o mesmo mês de 2017: entraram em sua conta R$ 605 mil e saíram cerca de R$ 600 mil. A quantia foi considerada incompatível com o patrimônio do ex-assessor de Flávio Bolsonaro.

Com a mudança do Coaf para o Banco Central, Leonel deverá deixar o comando do órgão.

Para Moro, o Coaf é uma peça importante no combate à corrupção. O ministro chegou a defender que o órgão ficasse subordinado ao Ministério da Justiça, mas essa mudança na estrutura do governo foi derrubada pelo Congresso, que manteve o Coaf sob o Ministério da Economia.

Criado em 1998, o Coaf é um órgão de inteligência financeira que investiga operações suspeitas. O órgão recebe informações de setores que são obrigados por lei a informar transações suspeitas de lavagem de dinheiro, como bancos e corretoras. O conselho analisa amostras desses informes e, se detectar suspeita de crime, encaminha o caso para o Ministério Público.

Bolsonaro confirmou as mudanças no Coaf em entrevista ao lado de Moro, no último dia 9.

"O que nós pretendemos é tirar o Coaf do jogo político", afirmou Bolsonaro. "Vincular ao Banco Central, aí acaba [jogo político]", disse o presidente.

Na entrevista, Bolsonaro afirmou que as mudanças no Coaf não representariam um desgaste para Moro.