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Expulso de protesto após criticar Bolsonaro, Madureira pede impeachment

25.ago.2019 - Humorista Marcelo Madureira é escoltado após ser hostilizado por manifestantes durante ato do Movimento Vem Pra Rua, no Rio - Wilton Junior / Estadão Conteúdo
25.ago.2019 - Humorista Marcelo Madureira é escoltado após ser hostilizado por manifestantes durante ato do Movimento Vem Pra Rua, no Rio Imagem: Wilton Junior / Estadão Conteúdo

Chico Alves

Colaboração para o UOL, do Rio

26/08/2019 15h18Atualizada em 26/08/2019 17h50

O humorista Marcelo Madureira é um dos poucos que viveu a experiência de ser expulso tanto de uma manifestação de esquerda, quanto de direita. A mais recente expulsão aconteceu ontem, na orla de Copacabana, no Rio, onde se realizava um ato em apoio ao ministro da Justiça, Sergio Moro, à Operação Lava Jato e contra o projeto de lei de abuso de autoridade.

Do alto do carro de som, Madureira fez críticas ao presidente Jair Bolsonaro (PSL) pelo que ele chamou de acordo com o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, para proteger o filho Flávio, senador pelo PSL-RJ, esvaziar o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e a Operação Lava Jato. Bastou isso para que as vaias e xingamentos começassem, a ponto de ele ter que sair do local escoltado pela Polícia Militar. Dois anos antes, algo parecido tinha acontecido em uma manifestação a favor do PT, no centro do Rio.

"Foi uma minoria. Muita gente foi me cumprimentar quando saí da manifestação", conta o humorista, que ficou conhecido nacionalmente por seu trabalho no extinto programa "Casseta & Planeta, Urgente", da TV Globo.

Mesmo depois de hostilizado, ele não ameniza as críticas ao presidente --em quem votou na última eleição-- e vai mais longe. "É óbvio que existe uma ligação dos Bolsonaro com as milícias e isso é caso de impeachment", afirma. O presidente e Flávio Bolsonaro negam ligação com milícias.

Marcelo Madureira critica Bolsonaro em ato

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Madureira também é impiedoso com os ministros do STF Gilmar Mendes e Toffoli, mas não apoia as mensagens que pedem o fechamento do Supremo. Diz que ainda pretende participar de uma última manifestação, e depois nunca mais. "Enfrentei a ditadura militar quando era do PCB, numa época em que se matava gente. Acha que vou ter medo de meia dúzia de desordeiros? É o cacete."

Leia abaixo a entrevista com Marcelo Madureira.

UOL - O que causou a ira dos manifestantes que o fizeram sair do local?

Marcelo Madureira - Foi uma minoria. Saí de lá escoltado pela Polícia Militar, mas a maior parte das pessoas vinha me cumprimentar, me aplaudir. Como sempre, os fundamentalistas imbecis, sejam eles de esquerda ou de direita, são poucos, mas fazem barulho. Fui lá externar meu ponto de vista, a crítica que eu fazia a determinadas atitudes do Jair Bolsonaro. Da mesma maneira que existem algumas, raras, que eu apoio, existem outras muito importantes que eu deploro.

Citei esse acordo espúrio que o Bolsonaro está fazendo com o Dias Toffoli para livrar a cara do filho Flávio e livrar também a cara da mulher do Toffoli e do Gilmar. Eles têm um acordo. É toda a questão que neutraliza a Lava Jato, essa fritura do Moro que está havendo, esse apoio do PSL à lei de Abuso de Autoridade, o fato de praticamente estarem acabando com o Coaf, mudança no comando da Polícia Federal... Discordo disso profundamente.

Não adiantou você falar aos manifestantes que foi eleitor do Bolsonaro.

Votei no Bolsonaro, como a maior parte votou, contra o PT, porque ele disse que ia apoiar a luta contra a corrupção, apoiar a Lava Jato. Agora estou vendo que ele está sendo cooptado ou está fazendo acordo com Dias Toffoli, está fritando o Moro. Esse é o principal motivo para ir à rua hoje. Tem também esse discurso equivocado do presidente Bolsonaro sobre a questão ambiental e essa política equivocada das relações exteriores. O presidente se coloca à frente dessas coisas todas.

Além disso, é óbvio que existe uma ligação dos Bolsonaro com as milícias e isso é caso de impeachment, isso é que é a verdade

Se aprofundarem as investigações, não precisa ser muito esperto para perceber essa ligação com os milicianos do Rio de Janeiro. Isso é gravíssimo. É algo que você pode intuir. Qual interesse de blindar o Flávio Bolsonaro? Se fosse uma coisa tão simples, era para jogar o Flávio aos cachorros e seguir em frente.

É só juntar lé com cré para que haja uma grande possibilidade de descobrir que há essa ligação com a milícia. Existem fatos, milicianos que foram condecorados pela Alerj [Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro]. Quem não deve, não teme. Se não há, deveria deixar investigar porque quem não deve não teme.

A reação violenta à sua fala o surpreendeu?

Não. É uma minoria, como há a minoria do PT que não admite fazer uma autocrítica sobre a roubalheira do governo Lula e do governo Dilma. É a mesma coisa com o sinal trocado. Tanto é uma minoria, que, se você reparar, eu fui mais aplaudido que vaiado. Acho que houve por parte dos meninos da organização uma certa precipitação, eles estavam meio apavorados.

Enfrentei a ditadura militar, vou ter medo de meia dúzia de fascistinhas?

Tanto que quando saí com a escolta da polícia ninguém ousou se aproximar.As pessoas se aproximavam para me cumprimentar.

Eu percebo, depois de anos e anos de militância política, que o pessoal que votou no Bolsonaro em função do combate à corrupção está desembarcando do (apoio ao) governo. Tanto que muita gente foi me cumprimentar quando saí da manifestação.

A manifestação não foi muito grande...

Nem tão grande quanto eu esperava, nem tão pequena. Achei que poderia ser menor ainda. A maioria silenciosa não vai a esse tipo de ato, só vai quando é algo muito claro. Essa parcela está confusa, porque a maioria não votou porque apoiava o Bolsonaro, mas porque era anti-PT, apoiava a luta contra a corrupção e uma mudança na política econômica.

Aliás, no lado da economia e infraestrutura eu vejo um movimento positivo no governo Bolsonaro. Em vez do presidente capitalizar isso, fica criando factóides irrelevantes que me passam mais a imagem de despreparo do que de estratégia política.

Acha que é possível superar esse clima de polarização?

A polarização vem ocorrendo há muito tempo. A gente não pode nortear nossa conduta política por meia dúzia de bagunceiros, pessoas ignorantes, pouco esclarecidas, radicais, que fazem barulho e são violentas, mas são uma minoria. Caso partam para a violência, essas pessoas têm que ser neutralizadas pelo poder público e, se for o caso, presas. Sejam elas de esquerda ou de direita. Atribuo esse tumulto a um número muito pequeno de pessoas, gente covarde que só joga coisas pelas costas. Há dois anos fui fazer uma gravação para o meu canal numa manifestação do PT e aconteceu a mesma coisa.

A meu favor, estar na lista negra dos bolsominions e na lista negra dos petistas mostra que estou no caminho certo.

Não acha que o ministro Sergio Moro e a Lava Jato ficaram desgastados coma revelação dos vazamentos obtidos pelo The Intercept?

Se observar as conversas, eu não acho nada incriminador. Frequente as festas do Judiciário de Brasília, em que vão ministros do Supremo, procuradores, advogados com pendências importantes no STF e veja se eles não combinam movimentos lá. Seria ingênuo enfrentar os poderes que a Lava Jato enfrenta se você não preparar, não combinar, não trocar certas informações com a acusação. Acho isso absolutamente normal. Isso existe no mundo jurídico e não está sendo lembrado pela esquerda.

Mas o que os vazamentos mostram é a combinação da acusação com o juiz para condenar...

Não é para condenar sem provas. Acho que as condenações, sobretudo a do Lula, elas têm sobra de provas. Tanto que (a condenação) foi corroborada pelo TRF-4 [Tribunal Regional Federal da 4ª Região] e foi aumentada. Não existe nada de esdrúxulo, a condenação do Lula para mim é evidente. O que está acontecendo é o movimento de querer melar a Lava Jato.

Juristas dizem que não foi cumprido o devido processo legal.

Sou humorista, engenheiro, empresário, não sou legislador. Sou democrata. Todo mundo acompanhou que foi dada a Lula, José Dirceu a oportunidade de provar sua inocência e não conseguiram provar. Mas o sistema jurídico brasileiro foi feito para livrar a cara dos poderosos. Nosso sistema penal é escravagista, toda a legislação é feita para quem pode pagar bons advogados. É difícil esperar por parte de um Gilmar Mendes, de um Dias Toffoli, de um [Ricardo] Lewandowski algum senso de justiça.

Alguns organizadores da manifestação pediram nas redes sociais o fechamento do STF. O que acha disso?

De maneira nenhuma. Sou um democrata, acredito nos três Poderes. De maneira alguma quando critico o Dias Toffoli estou condenando a instituição do STF. É fundamental que os seus assentos sejam ocupados por pessoas de reputação ilibada e notório saber jurídico, e não pessoas como Gilmar Mendes, que é empresário e julga casos em que evidentemente deveria se considerar impedido de julgar, porque tem amigos, parentes, compadres envolvidos. A sociedade brasileira tem que fingir que não vê.

Nada mais importante para a democracia que o Poder Judiciário. Sou um cara democrata até à medula, as instituições são inatacáveis. Mas quando tem determinadas pessoas ocupando cargo nos poderes que não defendem os interesses da sociedade você tem que denunciar isso. O Supremo é importantíssimo, tem pessoas que são legisladores, mas tem pessoas que são praticamente delinquentes.

Depois dessa experiência, você ainda vai participar de alguma manifestação?

Fui a essa manifestação como obrigação cívica, falo como o cidadão Marcelo. Devo ir na próxima, talvez até para me despedir, mas para mostrar que não tenho medo, não.

Eu enfrentei a ditadura militar quando era do PCB, numa época em que se matava gente. Acha que vou ter medo de meia dúzia de desordeiros? É o cacete. Violência não é solução para porcaria nenhuma, não vou sair no braço com ninguém, mas ninguém vai me intimidar. Eu quero o diálogo.