Entenda o porquê de Garotinho entrar e sair da prisão por 4 vezes
As idas e vindas do ex-governador do Rio Anthony Garotinho à prisão foram recorrentes nos últimos três anos: preso em quatro ocasiões desde 2016, o político foi solto dias depois. Menos de 24 horas após serem detidos, Garotinho e a mulher, a ex-governadora Rosinha Matheus, ganharam a liberdade hoje por decisão do desembargador Siro Darlan, que estava no plantão do Tribunal de Justiça do Rio.
No despacho, o desembargador criticou a prisão, determinada por um juiz de 1ª instância, e escreveu: "As quinze páginas que o magistrado de piso fundamenta o decreto prisional quando vistas sob a ótica da técnica jurídica mais apurada se revelam vazias de conteúdo e compostas de jargões a justificar o decreto prisional sem qualquer necessidade para tal".
Especialistas em direito penal consultados pelo UOL explicam que as prisões e solturas do ex-governador do Rio são decisões tidas como comuns no sistema jurídico brasileiro em razão de divergências de magistrados de instâncias diferentes.
Na avaliação deles, ao menos dois fatores explicam a rotatividade de Garotinho no sistema prisional: o mau uso do recurso da prisão preventiva (por período indeterminado) e uma equipe eficiente de advogados. O fator "sorte" também não é descartado.
Para o advogado criminalista Breno Melaragna, professor de Direito da PUC-Rio e presidente do Conselho Federal de Segurança Pública da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), as passagens de Garotinho pelo sistema prisional são parte do jogo jurídico.
"É natural ao nosso sistema jurídico. Há divergências em relação a magistrados quanto aos critérios subjetivos da prisão preventiva. Há magistrados que enxergam a atitude de [suspeitos] criarem obstáculos às investigações. Isso é muito comum, por exemplo, na Operação Lava Jato. Mas há magistrados, que são tidos como garantistas, que não concordam com esse tipo de decisão", diz ele.
Melaragna observa que a lei dá brechas para o que chama de "interpretação subjetiva".
"Ela inclusive elenca essas subjetividades, como a 'garantia da ordem pública', algo que é absolutamente passível a interpretações. É absolutamente comum um juiz de primeira instância decidir de uma maneira, o desembargador decidir de outra, e os ministros do STF ou STJ também concordarem ou discordarem das instâncias inferiores. Inclusive são raras as decisões unânimes em relação a prisões cautelares, quase sempre há divergências", explica.
As duas primeiras prisões de Garotinho em setembro de 2016 e de 2017 aconteceram no âmbito da Operação Chequinho —ele é acusado de compra de votos a partir do uso de programa social em Campos dos Goytacazes, berço do clã Garotinho— e foram determinadas pela primeira instância da Justiça Eleitoral. O ex-governador, que nega as acusações, conseguiu reverter as prisões recorrendo a instâncias superiores.
Na terceira detenção, em novembro de 2017, ele e Rosinha foram presos. O casal é acusado de supostamente ter recebido cerca de R$ 3 milhões do frigorífico JBS por meio de contratos fraudulentos. A defesa recorreu ao TRE-RJ (Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro), que determinou prisão domiciliar com uso de tornozeleira eletrônica. Em dezembro, porém, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes revogou a necessidade da tornozeleira.
Os processos em questão não transitaram em julgado, isto é, ainda não têm condenação definitiva e, dessa forma, a partir dessas decisões, o casal ganhou o direito de responder em liberdade.
Críticas ao uso da prisão preventiva
"As entradas e saídas da prisão são normais, o que não é normal é o uso da prisão preventiva sem comprovação fática, como requer a lei. Mais do que isso, o uso da prisão preventiva com base em argumentos e suposições é ilegal. Isso porque a própria lei diz que a prisão preventiva é absolutamente excepcional: a liberdade é a regra, e a prisão preventiva é uma exceção", afirma o advogado criminalista Augusto Arruda Botelho, sem se referir especificamente ao caso de Garotinho.
Fundador do IDDD (Instituto de Defesa do Direito da Defesa) e conselheiro das ONGs Human Rights Watch Brasil e Innocence Project Brasil, Botelho explica que o Código Penal prevê fundamentos concretos para o decreto da prisão antes de eventual condenação. Eles são: evitar que o suspeito atrapalhe as investigações, impedir que ele cometa novos crimes ou o risco de fuga.
"O que a Justiça vem fazendo, e cada vez mais, é usar argumentos para a prisão. São argumentos muitas vezes genéricos: 'tal crime é grave, logo, a prisão preventiva é necessária'. E isso antecipa a pena antes do caso sequer ter sido julgado", critica.
"Sobre as idas e vindas do Garotinho à prisão, o que acontece é que o recurso da prisão preventiva se baseia em argumentos e não fatos que comprovem a necessidade da prisão. Por ser excepcional, a prisão preventiva tem que ser necessária. Sim, é preciso justificar o porquê e de forma concreta. Daí as decisões antagônicas, um resultado jurídico absolutamente normal", acrescenta.
"O Judiciário tem uma prática de entender que melhor resposta à opinião pública sobre os casos é a prisão. Mas a opinião pública muitas vezes erra, e ela quer a punição. Não se pode antecipar uma pena antes de [um suspeito] sequer ter sido julgado", opina.
O criminalista exemplifica dizendo que o desembargador Siro Darlan não viu razão para a manutenção da prisão preventiva de Garotinho e Rosinha porque os fatos que sustentam a acusação ocorreram entre 2008 e 2016. "A prisão preventiva deve se basear nos fatos em andamento, ou seja, contemporâneos, atuais que comprovadamente prejudiquem o curso das investigações", diz Botelho.
Botelho lembra ainda que 35% dos detentos em São Paulo estão presos preventivamente e que, no caso de mulheres, a proporção chega a mais da metade da população carcerária feminina do estado. "E a maior parte [das sentenças de prisão preventiva] baseada em argumentações como 'a pessoa poderá fugir' ou 'o crime é grave'", enfatiza.
Breno Melaragna aponta que o uso excessivo do recurso de prisão preventiva "favorece posições sem a chamada formação de culpa, muitas vezes sem o preso ser ouvido e sem apresentar a sua versão dos fatos".
"A Lava Jato tem abusado disso —por conta do que chamo de populismo penal— para passar a impressão à população de combate à impunidade. A população se mostra ávida pelo combate à impunidade, e a Lava Jato tem feito isso, muitas vezes passando por cima da lei", critica.
Garotinho teria se beneficiado com as sucessivas libertações pelo fato de ser político? Para o advogado criminalista, a resposta é não.
"O que o Garotinho tem é atuação jurídica, uma defesa privada diligente e, cá para nós, sorte. [O desembargador] Siro Darlan é conhecido por ser garantista. Outros desembargadores, caso estivessem no plantão do Tribunal, não dariam essa decisão", finaliza Melaragna.
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