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Para Renata Abreu, "pedir com jeitinho" leva mulheres ao sucesso na Câmara

Victória Damasceno

Do UOL, em São Paulo

15/10/2019 04h00

"Poxa, coloca meu projeto em pauta, ajuda ele a andar". O "jeitinho" com que a deputada pede aos parlamentares para que seus projetos de lei sejam pautados é o que garante sua rápida tramitação — "porque o homem não fala 'não' para a mulher".

É assim que a deputada federal Renata Abreu, presidente nacional do Podemos, considera a forma mais efetiva de as mulheres agirem na política: aceitando os estereótipos. "Não é difícil as coisas caminharem quando você é mulher no Parlamento, mas você precisa se incorporar como mulher".

Ao olhar para a câmera, um pedido. "Mostra bem minha barriga de grávida". Na espera pelo terceiro filho, dará ao caçula o nome do pai dela, José de Abreu, responsável por introduzi-la na vida política e dar à primogênita a tarefa de inflar um partido nanico.

Em 2015, quando chegou à Câmara dos Deputados, o PTN (Partido Trabalhista Nacional), contava com quatro deputados federais. Na posse de 2019, batizado de Podemos, a sigla colocou 11 parlamentares na Casa.

Na tribuna, Renata prefere o tom brando para defender seus ideais. Se a receita, segundo ela, é eficaz para convencer os parlamentares homens, não parece ser suficiente para a aprovação do seu projeto de lei que promove a flexibilização do percentual de 30% de cotas para candidatas do legislativo, o que provocou um racha na bancada feminina na Câmara.

Lei que pune os homens

Pela legislação vigente, todos os partidos devem reservar 30% das candidaturas a mulheres e a mesma porcentagem do fundo partidário deve ser repassado para suas campanhas.

Caso a legenda não alcance o percentual mínimo, deve reduzir o número de candidatos homens para alcançar a proporcionalidade entre os gêneros, além de perderem repasses do fundo.

O projeto proposto pela deputada mantém a cota, mas autoriza os partidos a deixarem vagas femininas ociosas sem prejudicar o número de candidaturas masculinas.

Na prática, tira a obrigatoriedade de os partidos lançarem mulheres. A porcentagem de repasse do fundo partidário não será alterada, mas possibilita a centralização de recursos nas mãos de poucas candidatas.

Na visão de Renata, a lei atual pune os homens, e sua proposta visa garantir que eles não percam seu espaço na política. "Se não tiver 30% de mulheres querendo participar, hoje se tira o homem. Eu não conheço nenhuma cota afirmativa que, se não for preenchida, você prejudica o outro lado". Mesmo atenta às questões relacionadas ao gênero masculino, a deputada afirma buscar combater a pressão que as mulheres sofrem dentro dos partidos no período pré-eleitoral.

O que tem acontecido hoje: para não perder o homem, o partido obriga as mulheres a se candidatarem. Desculpa. Eu acho que nós não podemos nos submeter a isso, a sermos obrigadas a se candidatar para manter uma cota. Nós temos que querer isso.

Projeto enfraqueceria ações contra laranjas

Crítica da proposta, a deputada Sâmia Bonfim (PSOL) afirma que ela parte de um pressuposto "equivocado" de que mulheres não fazem política porque não querem, quando na verdade "os partidos não contribuem para que isso aconteça".

"Se o projeto de lei da deputada for aprovado, significa que não vai haver mais obrigatoriedade do financiamento das campanhas femininas, o que é muito grave", constata.

Se aprovada, a mudança na política de cotas para candidatas pode beneficiar o Podemos, além de todas as demais siglas acusadas de recorrerem a candidaturas laranjas nas eleições de 2018. É o que diz a procuradora Vera Lúcia Taberti, do MP-SP (Ministério Público de São Paulo).

Vera foi a responsável por recolher as denúncias de candidatas que disseram ter sido iludidas por Renata para preencher a cota feminina de deputadas federais e estaduais, sem receber nenhum recurso do fundo partidário. De acordo com elas, a deputada disse que os recursos destinados às candidaturas femininas seriam distribuídos igualmente entre todas as mulheres. A procuradora indica que o projeto de lei, caso seja aprovado, pode enfraquecer os processos contra os partidos.

A deputada enfrenta resistência da bancada feminina da Câmara para aprovação do projeto de lei que flexibiliza cotas para candidatas - Robert Alves/Monumental Fotos - Robert Alves/Monumental Fotos
A deputada enfrenta resistência da bancada feminina da Câmara para aprovação do projeto de lei que flexibiliza cotas para candidatas
Imagem: Robert Alves/Monumental Fotos

"Poderia se argumentar que as questões levantadas nas ações não são mais as mesmas com a criação da lei, que os candidatos eleitos foram eleitos pelo povo, o que enfraquece qualquer tipo de punição por fraude", afirma a procuradora.

Para Renata, a ação se trata de uma "inconsistência" e "tende ao absurdo". "Partido nenhum distribuiu esse recurso igualitariamente. Nunca houve promessa da minha parte, de forma nenhuma". O que determina a distribuição dos recursos, segundo a deputada, é o potencial do candidato. "Todos os parlamentares que tinham potencial de voto sempre recebem valores maiores, porque se não o partido não sobrevive."

Nós tivemos alguns deputados eleitos que não receberam um real do partido. Eles são laranjas? É um questionamento que precisa ser feito e que não tem cabimento nenhum. É uma ação que, no meu ver, não vai para lugar nenhum porque não tem consistência.

A procuradora, no entanto, pondera. "Pode acontecer de homens não terem recebido verba, mas a lei exige um percentual de candidatas mulheres. Essa exigência não tem com homens. Se os homens também foram enganados e não receberam verbas, eles devem procurar os seus direitos", diz.

Fama de "janeleira"

Nas eleições de 2018, Renata foi a única deputada federal eleita pelo seu partido. Entre os parlamentares do Congresso, três são mulheres. As outras duas migraram de outras siglas. O Podemos personifica o troca-troca partidário: hoje com a segunda maior bancada no Senado, atrás somente do MDB, somente um de seus 11 senadores foi eleito pela legenda.

Mais da metade foi composta este ano: seis novos parlamentares foram filiados. A expectativa, segundo a deputada, é ter, em breve, cerca de 14 senadores, o que tornará o Podemos o partido com maior representação no Senado. "Pensando de forma pessimista", diz a deputada, na Câmara, a ideia é chegar a 20 deputados na próxima janela partidária.

Entre os novos filiados, aqueles oriundos de partidos de centro e de direita são os mais comuns. Questionada se aceitaria um parlamentar de uma sigla de esquerda como o PT, Renata respondeu que o mais importante é ter "convergência de ideias".

Nós temos alguns princípios e valores que não abrimos mão. Nós temos algumas bandeiras, como o combate à corrupção, que é muito forte no Podemos. Se esse parlamentar convergir com essas ideias, ele é muito bem-vindo".

Ela atribui o crescimento do partido também ao fato de ser mulher. "Eles se sentem mais confortáveis, ouvidos. Eles escolhem esse caminho por terem o sentimento de proteção de ter uma mulher presidente", diz. Não evita, assim, o instinto materno. "Mesmo os parlamentares querem ter esse sentimento de proteção."

Sua fama pelos corredores da Câmara é de "janeleira". Não perde a oportunidade de filiar novos membros. Nessa toada, apresentou uma emenda que previa uma janela partidária ainda este ano, assim que o texto fosse aprovado. Apesar de batizado pelos deputados de "emenda Tábata", por permitir que parlamentares suspensos do PDT e PSB trocassem de partido sem punição, Renata parecia ter outro objetivo: antecipar a ida de novos membros ao Podemos, e permitir que na troca, levassem consigo a "distribuição de recursos públicos de financiamento partidário e eleitoral e de acesso gratuito ao tempo de rádio e televisão".

A medida encontrou resistência entre os caciques dos partidos. Por alterar as regras de financiamento, foi rejeitada.

Partido "lavajatista" é opção para Moro em 2022

O partido é visto como um representante da Lava Jato no Congresso. A aproximação com a pauta anticorrupção veio pelo senador Álvaro Dias, um dos primeiros filiados após ser rebatizado de Podemos.

Representante na corrida presidencial de 2018, o senador chegou a convidar o então juiz Sergio Moro para tornar-se seu ministro da Justiça. Quem o levou para a pasta, no entanto, foi Jair Bolsonaro. Renata Abreu, ao saber da indicação, comemorou por meio de um vídeo publicado nas redes sociais.

Moro avalia prisão perpétua e pena de morte para crimes no Brasil

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Eu quero parabenizar o presidente eleito Jair Bolsonaro por seguir o caminho indicado por Álvaro Dias e cumprimentar o juiz Sergio Moro pelo aceite. O senhor carrega as nossas esperanças e a nossa confiança de que fazemos o Brasil do futuro agora. Parabéns Jair Bolsonaro. Parabéns Sergio Moro. E que Deus abençoe a nossa nação e o nosso Brasil.

O partido passou a ser uma opção para a eventual candidatura de Moro nas eleições de 2022. Não há, no entanto, nada formalizado. "Nós não tivemos essa conversa com ele", diz a presidente do Podemos.

Por enquanto, o principal nome para concorrer à Presidência nas próximas eleições segue sendo Álvaro Dias. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o senador segue alinhado ao discurso de Renata Abreu. "É mentira. Isso é coisa de alguns setores da imprensa, isso no partido nunca foi discutido, esse assunto não foi levado ao partido e não há nenhuma cogitação", disse, referindo-se a possível candidatura de Moro pelo Podemos.

O principal projeto político do partido segue sendo inflar as bancadas da Câmara e do Senado. Entre os filiados recentes está a senadora juíza Selma — conhecida como Moro de saias — que rachou com o PSL após desentendimentos com o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) . O partido também aparece como opção para os parlamentares ameaçados de expulsão ou aqueles que seguem em guerra com o presidente do partido, Luciano Bivar.

Renata votou a favor da PEC do Teto de Gastos, da reforma Trabalhista, da denúncia contra o ex-presidente Michel Temer (MDB) e agora, pela reforma da Previdência. A maioria dos parlamentares da sigla seguiu a mesma orientação, à exceção da denúncia, quando a maior parte preferiu manter Temer no poder.

Desde o início do governo Bolsonaro, o Podemos tem postura de base aliada. Cerca de 83% dos votos da bancada na Câmara foram em apoio às pautas do Planalto. Para ela, "ajudar o governo, é ajudar o Brasil". Por outro lado, considera crítica a "guerra ideológica" que ocorre dentro do Ministério da Educação. "Isso é um retrocesso para o Brasil".

Segundo a deputada, manter a neutralidade em relação ao governo é estar "atento aos anseios da sociedade".

Ouça também a íntegra da conversa com Renata Abreu no podcast UOL Entrevista. O vídeo completo está disponível no canal do YouTube do UOL.