Topo

Risco de aglomeração é menor que riscos à democracia, diz líder de ato

Danilo Pássaro, um dos organizadores do movimento Somos Democracia - Arquivo pessoal
Danilo Pássaro, um dos organizadores do movimento Somos Democracia Imagem: Arquivo pessoal

Gabriela Sá Pessoa

Do UOL, em São Paulo

01/06/2020 10h30

Um dos organizadores do ato pró-democracia na avenida Paulista neste domingo (31), o historiador Danilo Pássaro afirmou ao UOL que os manifestantes assumiram o risco de promover aglomeração em meio à quarentena porque veem uma escalada de ameaça autoritária no país.

Corintiano, Pássaro é uma das lideranças do movimento Somos Democracia, responsável pela convocação de um protesto que reuniu torcedores de diversos times — inclusive eleitores arrependidos de Jair Bolsonaro (sem partido).

As torcidas dividiram a Paulista com apoiadores do presidente. Separados pela Polícia Militar, os dois grupos acabaram entrando em confronto. A Tropa de Choque dispersou manifestantes do ato organizado pelos torcedores com bombas de gás lacrimogêneo.

Leia a seguir a entrevista que Pássaro concedeu ao UOL.

Quais grupos participaram da manifestação?

A maioria era da Gaviões [da Fiel], mas não estávamos lá como torcida organizada. Organizamos de forma autônoma, porque a gente entende, como cidadão brasileiro, que a gente precisa defender a democracia de uma escalada autoritária no país. A ditadura não nasce da noite pro dia, não é uma espinha que você dorme e quando acorda está lá. É um conjunto de acontecimentos. Está tendo um embate de narrativas nas ruas e a gente, por ter o princípio da democracia corintiana, entendemos que é nosso papel histórico defender a democracia.

Sou organizador do movimento Somos Democracia. A maioria é de corintianos, mas estiveram presentes pessoas de torcidas do Santos, Palmeiras, São Paulo, outros movimentos que parecem que chamam de torcida antifascista. Inclusive, quando começou a confusão, a gente já tinha ido embora. Ao que me parece, a confusão foi porque um grupo de pessoas que estavam com camisetas e bandeiras neonazistas foram passar no meio da manifestação para chegar até o outro lado e acabou provocando uma confusão.

A Polícia Militar afirmou que disparou bombas de gás e dispersou o ato após manifestantes terem atirado pedras contra agentes. Você testemunhou isso?

Não testemunhei. Mas, pelo que me disseram, não foi isso o que ocorreu. Passaram pessoas com bandeira neonazistas, outros com farda das forças armadas, meio que como provocação — o outro lado tem isso, da intervenção militar. Foi o que fiquei sabendo.

A Polícia Militar confirmou depois a informação de que bandeiras neonazistas foram o estopim de tensão no ato

Vivemos um momento de normas de distanciamento social por conta do coronavírus e a manifestação provocou aglomeração. Por que romperam a quarentena?

Somos totalmente a favor do distanciamento social. A gente entende a necessidade de se cumprir todas as recomendações das autoridades de saúde. Só que sou historiador. Faço a avaliação de que a história é feita de contradições, muitas vezes a gente tem que assumir alguns riscos. A gente precisa, sim, assumir esse risco.

O governo [Bolsonaro] está se aproveitando da pandemia, que depois pode acabar num caos, e isso vai dar uma boa justificativa para ele impor a sua saída autoritária, já que ele não garantiu uma política de proteção social para que as pessoas fiquem em casa. Ele não tem uma política séria de combate aos efeitos na economia, não há garantia de que manterão os empregos, mesmo que abra a economia.

Então vocês entendem que é um risco?

Sim, tanto que nós soltamos recomendação para que as pessoas fossem ao ato de máscara, álcool em gel. Assim que a gente chegou, fiz um discurso dizendo que preferia estar em casa cuidando da minha família e da saúde. Hoje o Brasil tem quase 30 mil pessoas mortas na pandemia. E isso é uma das coisas que incentivou a nos manifestar.

Sou da Brasilândia, bairro com o maior número de mortos pelo coronavírus. Nessas manifestações, eles ridicularizam nossa morte e nosso luto. Vemos uma banalidade do mal. Quando tem quase 30 mil pessoas mortas e grupos tratam isso como brincadeira, isso é um choque de civilização que precisa ser combatido.

Não havia na manifestação bandeiras ou cores associadas a atos de esquerda. Vocês adotaram o preto como cor hoje, por quê?

Partidos e movimentos nos procuraram querendo participar do ato, querendo somar. Pedi que não tivesse bandeiras políticas. Porque, justamente, a nossa rapaziada, ninguém ali é militante político, a gente é torcedor do Corinthians, só que a gente tem o princípio da democracia.

O povo tem passado por esse processo de demonização da política. Os partidos não são bem vistos pela sociedade como um todo, seja partido de direita, seja partido de esquerda. Isso poderia acabar de alguma forma atrapalhando essa narrativa. Nossa pauta é única e prioritária: pela democracia, contra o fascismo, contra a ditadura. Não tem viés partidário. A gente só estava ali pela democracia - e muitos partidos não concordaram com o ato por essa questão do distanciamento social.

Era um ato contrário ao presidente Jair Bolsonaro?

A gente ainda não levantou essa bandeira. Vou até confessar que muitos entre nós votaram no Bolsonaro — a grande maioria se arrependeu, mas muita gente votou. Não digo que é de direita, mas o senso comum, são pessoas que não são politizadas. Não é "fora, Bolsonaro", por enquanto. Eu particularmente sou [favorável à saída do presidente], mas acho que, no momento, não vale a pena entrar na polarização política, quando na verdade a gente tem que defender a democracia.

Vão organizar novas manifestações?

Vamos aguardar repercussão, ver como serão os desdobramentos. A ideia é manter. A gente não salvou a democracia hoje, é um processo. Da forma como eles têm atacado os limites, a gente tem que caminhar bastante, amadurecer as ideias. Mas a ideia é manter.

Como avaliou ação da polícia na dispersão da manifestação?

Vi vídeos. Foi uma forma desproporcional, já que a polícia meio que protegeu um lado e atacou o nosso.

Bolsonaro reproduziu tuíte do presidente Donald Trump, dizendo que classificaria grupos antifascistas como terroristas. O que achou dessa manifestação? Vocês são um grupo antifascista?

Nosso grupo não é movimento antifascista. Temos práticas semelhantes porque somos contra a ditadura e o fascismo, mas o movimento antifascista tem outras pautas. Nosso movimento é mais uma expressão dos rumos que nosso país está tomando. Por que grupo nazista desfilando com faixa e bandeira não vai ser terrorista e antifascista vai ser?

Em próximos atos, aceitam apoios de outros grupos em defesa da democracia?

Com certeza.

Mesmo grupos mais ligados à direita, por exemplo, o MBL (Movimento Brasil Livre)?

Se o MBL estiver a favor da democracia, se não quiserem levantar bandeiras próprias, sim. Se estiverem a favor da democracia, a gente vai respeitar, vai ser aliado. É uma aliança pontual, o movimento é pela democracia. A gente não vai ficar perguntando para que time a pessoa torce.