Topo

Wassef cometeu crime ao abrigar Queiroz? O que dizem criminalistas

17.jun.2020 - O advogado Frederick Wassef - Mateus Bonomi/Agif - Agência de Fotografia/Estadão Conteúdo
17.jun.2020 - O advogado Frederick Wassef Imagem: Mateus Bonomi/Agif - Agência de Fotografia/Estadão Conteúdo

Herculano Barreto Filho

Do UOL, no Rio

27/06/2020 04h00

A conduta de Frederick Wassef no Caso Queiroz é passível de investigação na opinião de juristas ouvidos pelo UOL. O advogado admitiu em entrevista à revista Veja ter abrigado Fabrício Queiroz na casa onde foi preso preventivamente na semana passada, em Atibaia (SP), e no litoral paulista.

Apesar de Queiroz não ser considerado foragido da Justiça no período, o MP-RJ (Ministério Público do Rio) aponta o advogado como o responsável por articular a ocultação do paradeiro do ex-assessor de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) em meio às investigações sobre o suposto esquema de rachadinha na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio).

O Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP abriu processo administrativo para apurar a conduta de Wassef no Caso Queiroz. O advogado não foi localizado para comentar o caso.

O criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, pondera que Queiroz não era considerado foragido. E, por isso, não é possível apontar crime. Contudo, diz acreditar que há elementos para investigar a conduta do homem que ficou conhecido como o advogado da família Bolsonaro.

"Ele era o advogado do presidente e do Flávio Bolsonaro. Há indícios de que ele dava casa e até pagava hotel para o Queiroz. Tudo isso tem um custo, e ninguém faz isso por razões humanitárias. Nesse momento, não se pode imputar crime. Mas é motivo para investigar se houve crime de obstrução de justiça", observa.

Em um segundo momento da investigação, Kakay acredita que o MP-RJ precisa comprovar se Wassef cometeu crime. Para isso, a investigação precisa apontar se Queiroz saiu do circuito por vontade própria ou por orientação da família Bolsonaro, diz.

É preciso investigar por que ele [Wassef] fazia essa proteção ao Queiroz. É inconcebível acreditar que Flávio e o presidente não sabiam de nada. Se o Wassef manteve o Queiroz em sua casa para evitar uma delação, isso seria crime de obstrução. Ele poderia estar agindo para defender os interesses da família Bolsonaro. Mas, por enquanto, não há crime

Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, advogado

O criminalista Anderson Bezerra Lopes concorda. "É difícil imaginar algum tipo de conduta criminosa do advogado só porque ele emprestou o imóvel. Não havia mandado de prisão contra o Queiroz", argumenta. "Enquanto não houver uma prova contundente que prove que o advogado estava orientando o Queiroz e outras testemunhas, não será possível estabelecer uma conduta irregular. Por enquanto, não há crime."

Já o criminalista Wallace Martins, da Anacrim (Associação Nacional da Advocacia Criminal), tem outra interpretação do Caso Queiroz. Para ele, as informações reveladas pela investigação já permitem relacionar Wassef com o crime de obstrução de justiça.

Ele nem era advogado do Queiroz. Isso leva a crer que ele o escondeu para proteger a família Bolsonaro de um depoimento prejudicial. Parece que a forma que ele encontrou de proteger o Flávio foi escondendo Queiroz para que ele não fosse preso e não fizesse uma delação premiada

Wallace Martins, advogado

"Anjo" queria "esconder" a família, diz MP-RJ

Segundo o MP-RJ, Wassef é citado nos diálogos interceptados pela investigação como Anjo, o encarregado pelo monitoramento de todas as suas movimentações.

23.jun.2020 - Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro (Republicanos) suspeito de ser o operador financeiro de um esquema de rachadinha na Alerj, aparece em foto no sistema prisional - Reprodução - Reprodução
23.jun.2020 - Fabrício Queiroz em foto no sistema prisional do RJ
Imagem: Reprodução

"Se por um lado Fabrício Queiroz podia contar com o auxílio de terceiros que lhe proporcionavam um confortável esconderijo e a entrega de valores em espécie, por outro lado teve de se submeter a restrições em sua movimentação e em suas comunicações, tendo seu paradeiro monitorado por terceira pessoa, que se reportava a um superior hierárquico referido como 'anjo'", diz um trecho do pedido de prisão à Justiça do Rio.

Diálogos obtidos pela investigação entre Queiroz e sua esposa, Márcia Oliveira de Aguiar, que está foragida, apontam que o casal estaria obedecendo as orientações de alguém identificado como Anjo, diz o MP-RJ.

De acordo com o órgão, as conversas, que ocorreram em novembro do ano passado, indicam a intenção de "esconder toda a família" do ex-assessor de Flávio Bolsonaro em São Paulo. Isso foi cogitado, segundo as investigações, após o STF (Supremo Tribunal Federal) confirmar a possibilidade de compartilhamento de relatórios de inteligência financeira entre o antigo Coaf e o Ministério Público. Após essa decisão do Supremo, o Caso Queiroz foi retomado.

A defesa de Queiroz também chegou a prestar informação falsa à Justiça ao informar que o ex-assessor estava em um hotel em São Paulo. Os promotores tentaram localizá-lo no local e descobriram que Queiroz nunca chegou a se hospedar lá. Ele já estaria escondido em Atibaia. Segundo o MP-RJ, a informação foi repassada às autoridades pelo advogado Luís Gustavo Botto Maia para atrapalhar as investigações.

Fotos de Queiroz em Atibaia (SP)

As versões de Wassef

Em entrevista publicada ontem (26) no site da revista Veja, Wassef admitiu pela primeira vez ter escondido Queiroz. O advogado disse ter recebido a informação de que o ex-assessor seria assassinado e que a família Bolsonaro seria responsabilizada pelo crime. Mas informou ter omitido essa informação do presidente e de seu filho, Flávio.

"Eu tinha a minha mais absoluta convicção de que ele seria executado no Rio de Janeiro. Além de terem chegado a mim essas informações, eu tive certeza absoluta de que quem estivesse por trás desse homicídio, dessa execução, iria colocar isso na conta da família Bolsonaro", disse. No entanto, não há informações de que o advogado tenha informado a polícia sobre o suposto plano de homicídio.

Wassef deu uma série de versões diferentes sobre o Caso Queiroz nos últimos meses. Em 2019, disse que não conhecia Queiroz e não sabia do seu paradeiro. No mês passado, em entrevista aos jornalistas Chico Alves e Tales Faria, do UOL, falou que o ex-assessor deveria reaparecer. Após a prisão, negou ter emprestado a sua casa de Atibaia (SP) e se referiu à detenção como uma "armação para incriminar o presidente".

O advogado também nega ser o Anjo apontado pelo MP-RJ.

"Mídia não é tribunal", diz jurista

O advogado Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, alerta para a diferença entre versões contadas para a imprensa e para a Justiça.

Mentir para repórter não é crime. Pode ser, eventualmente, uma questão moral. Mas o efeito jurídico é reduzido, porque ele não prestou depoimento perante uma autoridade. Se for chamado na delegacia e mentir, aí tem um problema jurídico. Não foi o caso

Pedro Serrano, advogado

Serrano ainda sustenta que o advogado tem proteção constitucional. E diz que Wassef não precisa ter procuração formal para representar Queiroz.

"A tarefa do advogado é em defesa dos direitos. Orientar e planejar estratégia de defesa é da profissão. O Queiroz não era procurado pela Justiça e poderia estar em qualquer lugar. Para falar que o advogado obstruiu a investigação, é preciso haver um fato, como captar uma conversa. Por enquanto, é mera cogitação da investigação", critica, referindo-se ao inquérito do MP-RJ.

Entretanto, ele não descarta a possibilidade de que surjam novos elementos na investigação relacionados ao caso que possam mudar esse cenário. "Se forem descobertos outros elementos que possam incriminar o advogado, aí é outra discussão."