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Secretária sabia de problemas com respiradores 2 meses antes de ação da PF

Rosiene Carvalho e Flávio Costa

Colaboração para o UOL, em Manaus, e do UOL, em São Paulo

04/07/2020 04h00

A secretária de Comunicação do Amazonas, Daniela Assayag, afirmou que sabia do envolvimento de uma empresa ligada a seu marido no esquema de superfaturamento de 28 respiradores inadequados comprados pelo governo do estado em uma loja de vinho em plena pandemia do novo coronavírus, dois meses antes da deflagração da operação da PF (Polícia Federal) que investiga o caso.

Nas declarações dadas em uma entrevista coletiva na quarta-feira (1º), a secretária não diz se procurou as autoridades para revelar que tinha conhecimento das irregularidades.

Documentos apresentados pelo deputado estadual Delegado Péricles Nascimento (PSL), presidente da CPI aberta na Assembleia Legislativa do estado para apurar gastos irregulares da gestão do governador Wilson Lima (PSC) na área da saúde, mostram que o médico e empresário Luiz Carlos Avelino Júnior, marido da secretária, comprou cotas de sociedade da empresa Sonoar, investigada pela PF.

Daniela Assayg disse que o marido desistiu do negócio no começo de maio quando descobriu que a Sonoar estava envolvida na venda dos respiradores superfaturados. Porém, no começo de maio não se sabia, publicamente, da participação do Sonoar no caso.

"É importante, e já foi dito aqui, que houve distrato [rescisão do contrato]. 'Ah, mas por que houve distrato?' Algum de vocês gostariam de colocar dinheiro e comprar... Primeiro que diante da pandemia tudo parou, os negócios pararam, e alguém gostaria de colocar seu nome envolvido em uma questão como essa? Claro que não. Quando se viu que essa situação causava uma série de dúvidas, decidiu-se pelo distrato. O distrato foi feito no início de maio", afirmou.

A sequência dos fatos demonstra a contradição na fala da secretária:

  1. Em 8 de abril, a adega FJAP e Cia Ltda vende 28 respiradores, com sobrepreço acima de 300%, para o governo do Amazonas. A imprensa local registra o fato;
  2. Em 20 de abril, o UOL publica reportagem com informações exclusivas sobre o caso. O então ministro da Justiça, Sergio Moro, determina que a PF investigue suspeitas de mau uso de verbas públicas para combate à pandemia;
  3. Dias depois, a PGR (Procuradoria Geral da República) pede ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) abertura de inquérito contra o governador;
  4. Em 25 de maio, a CPI da Saúde tem sua primeira reunião na Assembleia Legislativa do Amazonas.

Em nenhum dos episódios acima a Sonoar é citada como participante do esquema de superfaturamento. Sabia-se apenas que a firma tinha apresentado uma proposta mais barata e ignorada pelo governo amazonense. O envolvimento dessa empresa na fraude só foi revelado na última terça-feira (30), quando seus diretores foram presos durante a deflagração da Operação Sangria, autorizada pelo STJ.

De que forma Daniela Assayag e seu marido obtiveram essa informação, ainda no começo de maio? O UOL questionou por email e enviou mensagens para o telefone de Assayag, por meio do aplicativo WhatsApp, a respeito de suas declarações, mas ainda não houve resposta.

Presa apresentou documentos

A empresária Renata Mansur, presa na terça-feira durante deflagração da Operação Sangria, apresentou à PF outros documentos da venda de sua participação na Sonoar, que corresponde a 50% da firma, ao marido de Daniela Assayag.

A secretária afirmou ainda que Luiz Carlos Avelino Júnior cedeu a parte que lhe cabia a uma outra empresária, porém o contrato de cessão só foi lavrado em cartório no dia 5 de junho.

A reportagem acessou os documentos que mostram que Avelino Júnior goza "de direitos e prerrogativas como sócio da Sonoar", desde o dia 1º de janeiro deste ano. A compra suspeita dos aparelhos foi efetivada em abril.

Conhecida por ter sido repórter da TV Globo em Manaus, Daniela Assayag é uma das mais próximas auxiliares do governador Wilson Lima, que fez carreira como apresentador de televisão. A jornalista foi chefe do político em um programa de uma TV local.

Apontado pela PF e pela PGR como líder do esquema, Lima teve os bens bloqueados por decisão do ministro Francisco Falcão, do STJ. A PF chegou a pedir a prisão do governador do Amazonas, mas Falcão negou.

Operação Sangria

A PF descobriu que a Sonoar comprou os respiradores por quase R$ 1,1 milhão e os revendeu por R$ 2,48 milhões para a FJAP Cia Ltda, a adega contratada sem licitação pelo governo amazonense.

Pela venda dos aparelhos, a adega recebeu R$ 2,96 milhões dos cofres públicos do Amazonas. Essa dupla operação de compra e venda foi realizada em um intervalo de duas horas e meia no dia 8 de abril.

Logo depois, os donos da distribuidora de vinhos enviaram R$ 2,2 milhões para a conta de uma empresa americana no exterior, em uma ação que caracteriza lavagem de dinheiro, de acordo com a PGR.

Adega de vinhos vendeu respiradores superfaturados ao governo do Amazonas Imagem: Reprodução

Secretária participou de reunião

O presidente da CPI revelou ainda que a secretária de Comunicação participou de uma reunião de caráter técnico da Susam (Secretaria de Saúde do Amazonas) que definiu os parâmetros para a compra dos respiradores.

"A fraude se inicia com a Sonoar. O pedido [do governo] era de 28 respiradores. E por que só 28? Porque era o que a Sonoar conseguia com seus fornecedores de outros estados. Todo esse interesse e a participação da secretária de comunicação na reunião de 3 de abril é pelo fato de a Sonoar pertencer ao marido dela", disse Nascimento.

Em depoimento prestado à CPI da Saúde, o ex-secretário estadual de Saúde Rodrigo Tobias afirmou que a pasta sofria "ingerências". Ele confirmou a participação de Daniela Assayag na reunião.

A demissão de Tobias foi anunciada pelo governador Wilson Lima no dia 8 de abril, mesmo dia em que a compra superfaturada de respiradores foi efetivada. Ele foi substituído por Simone Papaiz, também presa na terça-feira.

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