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Para Sergio Moro, PEC da 2ª instância será 'um teste moral' para o Brasil

Ex-ministro vê, mesmo em caso de aprovação da PEC, possibilidade "anistia" a crimes - Andre Coelho/Getty Images
Ex-ministro vê, mesmo em caso de aprovação da PEC, possibilidade 'anistia' a crimes Imagem: Andre Coelho/Getty Images

Do UOL, em São Paulo

10/07/2020 18h07Atualizada em 10/07/2020 20h00

A retomada dos trabalhos da comissão especial do Congresso Nacional criada para debater a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) sobre a prisão em segunda instância, marcada para agosto, será "um teste moral" para o Brasil.

A avaliação foi feita hoje por Sergio Moro, ex-ministro da Justiça. Em seminário online da FGV (Fundação Getúlio Vargas), Moro afirmou que a decisão a respeito do tema pode se converter em uma espécie de anistia para determinados casos que sejam levados para julgamentos em instâncias superiores.

"Nós vamos ter um teste moral, jurídico, no combate à corrupção, provavelmente em agosto, quando foi prometida a votação da PEC que restabelece a execução da prisão em segunda instância. Ali vamos descobrir que tipo de país queremos ser", disse Moro.

Para o ex-magistrado, é preciso atenção a detalhes da votação. Em especial, à possibilidade, caso aprovada, se restringir apenas a julgamentos a partir da aprovação da PEC.

"A proposta restabelece a execução (da prisão) em segunda instância. Temos que ficar de olho nos detalhes, se o Congresso vai de fato aprovar, e a partir de quando ela vai valer. Se será apenas para os fatos posteriores ou se será aplicada a fatos anteriores", avaliou o ex-ministro, defendendo uma validade mais ampla em caso de aprovação.

"Na prática, é quase como se a gente decretasse uma anistia de crimes anteriores, porque dificilmente esses processos vão chegar ao seu final. Isso envolve os crimes no âmbito da Lava Jato, e casos recentes, de desvio de recursos no combate à covid."

Covid-19 e o combate à corrupção

O seminário se propôs a discutir os efeitos da covid-19 e o combate à corrupção. E Moro alertou não apenas a respeito de novas denúncias que devem aparecer a respeito da pandemia, como também destacou o aprendizado que casos anteriores — como a própria Operação Lava Jato — para investigações que se façam necessárias.

"De fato, a ambição pelo ganho não tem limites. Mesmo em um contexto de pandemia, em que recursos têm que ser otimizados para salvar vidas, a corrupção acaba pontualmente acontecendo", afirmou. "Nós vimos no noticiário casos pontuais no Brasil, o que nos traz grande preocupação", acrescentou, sem citar casos específicos.

Para Sergio Moro, a estrutura recente do Brasil no combate a crimes apresentou resultados positivos, mas sofreu retrocessos no combate à corrupção.

"Nós vivemos um momento de um certo refluxo (no combate à corrupção), mas o aprendizado que foi feito na Lava Jato é absolutamente transferível para outros cenários, inclusive no desvio de recursos da saúde destinado à covid", disse.

"A minha ida para o governo foi exatamente para tentar impedir esses retrocessos de avançar. Conseguiu-se avançar, a meu ver, como ministro muito em crime organizado e criminalidade violenta, mas crime de corrupção, de fato, os avanços foram muito tímidos", completou.

A respeito de possíveis denúncias resultantes da pandemia do coronavírus, Moro afirmou que, antes de deixar o Ministério da Justiça em abril, pediu à Polícia Federal para que fosse criado um grupo para investigar possíveis desvios.

"Estavam a surgir notícias de possíveis compras superfaturadas, desvios. Criamos este grupo, algumas investigações avançaram. Não há uma conclusão definitiva, mas se vê que a polícia fez um trabalho bem feito", disse.

"A dúvida, porém: a Polícia Federal vai lá, faz uma investigação, descobre o crime, de repente tem uma prisão temporária, uma prisão preventiva. Mas temos que olhar esses casos de uma maneira mais abrangente. Quais foram as consequências? Fazer uma batida policial e momentaneamente gerar um resultado tem a sua importância, mas também é relevante saber se a conduta criminosa foi comprovada e se aquelas pessoas foram punidas pelo sistema de Justiça."

Voltando ao tema da prisão em segunda instância, Moro aproveitou para criticar a atual agenda anticorrupção, cobrando para que as ações não se restrinjam apenas a prisões e levem também a julgamentos e condenações.

"O que nós vimos foi retrocesso nessa área, em especial à segunda instância, que é fundamental. E à autonomia dos órgãos de controle. São dois pontos fundamentais nos quais infelizmente o Brasil deu passos para trás. Ótimo da investigação, ótimo essas diligências — gera notícia de jornal, manchetes, as pessoas ficam felizes de saber que desvios estão sendo coibidos. Mas temos que ver se a operação resultou efetiva."

Reflexos da Lava Jato

Moro lembrou também o combate à corrupção como "tema central nas eleições de 2018", entrando na pauta mesmo entre o eleitorado. E lembrou a responsabilidade da população na hora de cobrar representantes eleitos e autoridades públicas. Para o ex-juiz, é necessário evitar narrativas a respeito da corrupção.

"Temos que evitar cair facilmente em fake news sobre o combate à corrupção, ou sobre o que foi feito na Lava Jato. Uma das formas que alguns utilizam para tentar enfraquecer o combate à corrupção é tentar impor uma responsabilidade que não cabe. Não raramente se ouve de autoridades que a Lava Jato prejudicou a economia do país. Quem prejudicou a economia do país foi quem praticou crime de corrupção."

"A raiz do problema não é quem combate a corrupção, mas quem cometeu a corrupção. Ouve-se com facilidade: 'a Lava Jato representou a criminalização da política'. Esse é o maior disparate que eu ouço. Todo mundo que foi condenado na Operação Lava Jato foi porque recebeu suborno. Quem criminalizou política foi quem recebeu suborno."