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STJ afasta Witzel do cargo de governador do RJ; Pastor Everaldo é preso

Gabriel Sabóia e Fábio Regula

Do UOL, no Rio de Janeiro e em São Paulo

28/08/2020 06h19Atualizada em 28/08/2020 12h29

O STJ (Superior Tribunal de Justiça) determinou hoje o afastamento imediato de Wilson Witzel (PSC) do cargo de governador do Rio de Janeiro devido a suspeitas de fraude em compras na área da saúde durante a pandemia do coronavírus. A decisão do ministro Benedito Gonçalves tem validade inicial de 180 dias. O vice-governador Cláudio Castro assume o cargo. Witzel também foi denunciado pela PGR (Procuradoria-geral da República).

Já o presidente nacional do PSC, Pastor Everaldo, foi preso depois de mandado também expedido pelo STJ. Ele era esperado pela Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), na próxima semana, onde iria prestar depoimento à Comissão Especial que apura irregularidades durante a pandemia do coronavírus.

Ao todo, a Polícia Federal cumpre hoje 16 mandados de prisão, sendo seis preventivas e 10 temporárias, e 82 de busca e apreensão no âmbito da operação que foi batizada de "Tris in Idem" e é desdobramento da Operação Placebo, que investiga corrupção em contratos públicos do Executivo fluminense.

Policiais conduzem Pastor Everaldo, presidente nacional do PSC, na chegada à sede da Polícia Federal - 28.ago.2020 - Alexandre Brum/Enquadrar/Estadão Conteúdo - 28.ago.2020 - Alexandre Brum/Enquadrar/Estadão Conteúdo
Policiais conduzem Pastor Everaldo, presidente nacional do PSC, na chegada à sede da PF no Rio
Imagem: 28.ago.2020 - Alexandre Brum/Enquadrar/Estadão Conteúdo

Prisão de Witzel foi negada pelo STJ

O MPF chegou a pedir a prisão de Witzel, mas o ministro Benedito disse, na decisão, que entendeu ser suficiente o seu afastamento do cargo para encerrar as supostas atividades de corrupção e lavagem de dinheiro.

Witzel poderá permanecer na residência oficial e ter contato com o pessoal e serviços imediatamente a ela correspondentes. Porém, a decisão proíbe o acesso do governador às dependências do governo do estado e a sua comunicação com funcionários e utilização dos serviços. Witzel ainda deixa de ter poder para liberação de recursos e contratações em tese fraudulentas.

Homens da PF estão no Palácio Laranjeiras e cumprem mandados de busca e apreensão contra a primeira-dama Helena Witzel.

Em maio, Wilson e Helena Witzel foram alvos da Operação Placebo, que colocou o escritório de advocacia da primeira-dama no centro das investigações. Ela teria recebido pagamentos de empresa pertencente a dois presos pela Lava Jato - ambos apontados como operadores do empresário Mario Peixoto.

Conforme consta na decisão do STJ, o escritório de Helena recebeu honorários advocatícios da empresa DPAD Serviços Diagnósticos, cujo nome fantasia é Rioslab. Registros da Receita Federal mostram que a empresa formalmente pertence a Alessandro Duarte, apontado como operador financeiro do empresário Mario Peixoto, e a Juan Neves, citado pelo MPF (Ministério Público Federal) como contador do esquema criminoso.

Os alvos

O STJ emitiu mandado de prisão preventiva para seis pessoas

  • Mário Peixoto (empresário)
  • Alessandro de Araújo Duarte (empresário ligado a Mário Peixoto)
  • Cassiano Luiz da Silva (apontado como funcionário de Mário Peixoto)
  • Juan Elias de Paula (empresário ligado a Mário Peixoto)
  • Gothardo Lopes Netto (ex-prefeito de Volta Redonda)
  • Lucas Tristão do Carmo (ex-secretário de Desenvolvimento Econômico do Estado).

O presidente da Alerj, André Ceciliano (PT), também é alvo da operação de hoje. Homens da PF e do Ministério Público cumpriram mandados de busca e apreensão em uma das sedes da Casa Legislativa. Procurado, Ceciliano afirmou que recebeu a operação "com tranquilidade" e que se coloca à disposição da Justiça.

Organização criminosa no governo estadual

Na decisão, o ministro do STJ, Benedito Gonçalves disse que os "fatos abalam severamente" a ordem pública.

O grupo criminoso agiu e continua agindo, desviando e lavando recursos em pleno pandemia da covid-19, sacrificando a saúde e mesmo a vida de milhares de pessoas, em total desprezo com o senso mínimo de humanidade e dignidade, tornando inafastável a prisão preventiva como único remédio suficiente para fazer cessar a sangria dos cofres públicos, arrefecendo a orquestrada atuação da ORCRIM [organização criminosa]
Benedito Gonçalves, ministro do STJ

Em comunicado, o MPF (Ministério Público Federal) aponta esquema nos Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e alega que, desde a eleição de Witzel, "estruturou-se no âmbito do governo estadual uma organização criminosa, dividida em três grupos, que disputavam o poder mediante o pagamento de vantagens indevidas a agentes públicos"

"Liderados por empresários, esses grupos lotearam algumas das principais pastas estaduais - a exemplo da Secretaria de Saúde - para implementar esquemas que beneficiassem suas empresas", completa.

A Polícia Federal informou que os investigados responderão, na medida de suas participações, pelos crimes de organização criminosa, peculato, corrupção ativa, corrupção passiva, e lavagem de dinheiro.

"Caixinha da propina"

Em comunicado, o MPF confirmou também que a Procuradoria-Geral da República (PGR) ofereceu denúncia contra Witzel, sua esposa, a primeira-dama Helena Witzel e mais sete pessoas: Lucas Tristão, Mário Peixoto, Alessandro Duarte, Cassiano Luiz, Juan Elias Neves de Paula, João Marcos Borges Mattos e Gothardo Lopes Netto.

Segundo o comunicado, são objetos de denúncia o "caso de pagamentos efetuados por empresas ligadas ao empresário Mário Peixoto ao escritório de advocacia de Helena Witzel" e os "pagamentos feitos por empresa da família de Gothardo Lopes Netto ao escritório da primeira-dama".

A investigação ainda aponta que, no âmbito do Poder Executivo, o grupo obtinha recursos financeiros por meio do que é chamado pelo MPF de "caixinha de propina", abastecida por organizações sociais e seus fornecedores. Segundo os procuradores, o direcionamento de licitações era garantido pelas organizações sociais por meio do pagamento mensal a agentes políticos e servidores públicos da Saúde fluminense.

"Agentes políticos e servidores públicos da Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro eram ilicitamente pagos de maneira mensal pela organização criminosa", diz a nota.

Um dos episódios investigados, inclusive, é a contratação da Iabas para administrar hospitais de campanha idealizados para ajudar no combate à pandemia do novo coronavírus. Das sete unidades prometidas por Witzel, apenas duas foram entregues, e com atrasos.

Judiciário e Legislativo

No Judiciário, a suspeita é que um desembargador do Trabalho beneficiava organizações sociais ligadas ao governo com um esquema que envolve dívidas trabalhistas. As organizações tinham suas pendências quitadas por meio de depósito judicial feito "diretamente pelo governo do Rio".

"Para participar do esquema criminoso, as OSs teriam que contratar uma advogada ligada ao desembargador que, após receber seus honorários, retornaria os valores para os participantes do ilícito", diz o MPF.

No Legislativo, os investigadores apontam que alguns deputados estaduais "podem ter se beneficiado de dinheiro público".

"Valores transferidos pela Alerj para uma conta do tesouro estadual eram depositados "em um uma conta específica do Fundo Estadual de Saúde, de onde era repassado para os Fundos Municipais de Saúde de municípios indicados pelos deputados, que, por sua vez, recebiam de volta parte dos valores".

O que dizem as defesas

Em nota, a defesa de Wilson Witzel diz que a decisão "desrespeita a democracia". "Ministro Benedito (Gonçalves, do STJ) desrespeita democracia, afasta governador sem sequer ouvi-lo e veda acesso aos autos para defesa. Não se esperava tais atitudes de um Ministro do STJ em plena democracia."

Ainda de acordo com a defesa, "a decisão de afastamento do cargo, tomada de forma monocrática e com tamanha gravidade" foi recebida com surpresa. "Os advogados aguardam o acesso ao conteúdo da decisão para tomar as medidas cabíveis."

Já a defesa de Pastor Everaldo disse que o presidente do PSC "sempre esteve à disposição das autoridades e reitera a sua confiança na Justiça".

Em nota, a defesa do deputado André Ceciliano disse que ele "está acompanhando os desdobramentos da operação" e "desconhece as razões da busca e apreensão em seus gabinetes no prédio da Rua da Alfândega e no anexo", embora esteja tranquilo em relação à medida.

"Ele pôs à disposição dos agentes da PF seu gabinete no Palácio Tiradentes, que não estava incluído no mandado. Ceciliano reitera a sua confiança na Justiça e afirma que está pronto a colaborar com as autoridades e a contribuir com a superação desse grave momento que, mais uma vez, o Rio de Janeiro atravessa. Ele também colocou seus sigilos bancário, fiscal e telefônico à disposição das autoridades", completa a nota.

Nome da operação lembra Cabral e Pezão

A operação de hoje, de acordo com a MPF, foi batizada de Tris in Idem em referência a suspeitas de participação em "esquemas ilícitos para obter vantagens indevidas" do terceiro governador do estado. O comunicado não cita, mas os outros dois são Sergio Cabral (MDB) e Luiz Fernando Pezão (MDB), que foram presos em investigações anteriores.

A operação contou com 380 policiais federais com mandados sendo cumpridos nos estados de Alagoas, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Sergipe, São Paulo e Piauí, além do Distrito Federal. Também existem ações de cooperação policial internacional com medidas sendo cumpridas no Uruguai.