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TRF vê autopromoção de Bretas em ato com Bolsonaro e censura juiz

O presidente Jair Bolsonaro (Sem partido) e o juiz federal Marcelo Bretas durante inauguração de obra no Rio de Janeiro - Tomaz Silva/ Agência Brasil
O presidente Jair Bolsonaro (Sem partido) e o juiz federal Marcelo Bretas durante inauguração de obra no Rio de Janeiro Imagem: Tomaz Silva/ Agência Brasil

Herculano Barreto Filho

Do UOL, no Rio

17/09/2020 15h37

O TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região) decidiu censurar hoje à tarde o juiz federal Marcelo Bretas por autopromoção e superexposição em decorrência de sua participação em uma inauguração ao lado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e do prefeito Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), em fevereiro deste ano.

Com a decisão, Bretas não poderá ser promovido por um ano. Por 12 votos a 1, o Órgão Especial acolheu a decisão de censura por autopromoção e superexposição —11 desembargadores acompanharam o voto do relator Ivan Athié. Já o desembargador Alcides Martins votou pelo arquivamento do caso, por insuficiência de provas. Marcelo Pereira da Silva e André Fontes se declararam impedidos de votar.

No processo disciplinar, os desembargadores votaram pela pena de censura, que será aplicada por escrito, por "negligência no cumprimento dos deveres do cargo, ou no de procedimento incorreto".

O órgão entendeu que não houve caráter político-partidário na participação de Bretas no ato. Após a decisão, o processo será encaminhado na íntegra à corregedoria do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Bretas não poderá recorrer.

'Juiz popstar', diz relator do processo

Citado por Athié como "juiz popstar", o desembargador também mencionou a participação de Bretas em entrevistas e palestras após a notoriedade adquirida graças à atuação nas investigações da Operação Lava Jato no Rio.

"A exposição excessiva acabou atraindo políticos de todas as esferas de poder", disse. "A presença do reconhecido juiz Marcelo Bretas naquele palanque em evento administrativo público sem qualquer ligação com o Judiciário não representou outra coisa, senão sua proximidade com o presidente da República. Isso não é desabonador. Mas representa prestígio, poder e influência. Não é desonra, mas não é conveniente ao magistrado", conclui.

Ele chegou, inclusive, a citar a presença no palanque da deputada federal Flordelis (PSD-RJ), denunciada sob a acusação de ter sido a mandante do assassinato do próprio marido, o pastor Anderson do Carmo, morto a tiros em junho de 2019.

O juiz não deveria estar em meio a políticos e empreiteiros, senão para intensificar a sua já notória autopromoção. Não ocorreu atividade político partidária. [Mas houve] atos de autopromoção e superexposição. Ao recepcionar o presidente em uma comitiva e subir em um palanque e divulgar os fatos na sua página, ele demonstrou desnecessariamente a sua intimidade com políticos, colocando em xeque a sua imparcialidade

Desembargador Ivan Athié, relator do processo disciplinar no TRF-2

'Juiz não deve subir em palanque', diz desembargadora

A desembargadora Simone Schreiber, que acompanhou o voto do relator, também se posicionou sobre a decisão. Ela criticou a aproximação com políticos de um juiz responsável pela Operação Lava Jato.

Ele não deve permitir que alguns segmentos do mundo político capitalizem para si o sucesso da Operação Lava Jato. Não deve permitir que os resultados das ações sejam usados em discurso. Ele não deve se permitir subir em palanque com políticos. Isso acaba gerando dúvida e descrédito sobre o Poder Judiciário

Simone Schreiber, desembargadora

A desembargadora também questionou a decisão de destinar recursos de origem criminosa resgatados em operações a políticas públicas.

"Esses métodos devem ser objeto de reflexão. Isso não compete ao juiz. Isso faz com que alguns laços que não deveriam ser firmados sejam firmados. O próprio juiz parece não ter consciência disso quando reforça que vínculos foram construídos de admiração pelo seu trabalho a partir de comportamentos adotados na condução da operação".

'Bretas não compreendeu o seu papel', critica

A desembargadora também critica o que entende ser uma "personificação" da Lava Jato, que começou a vir à tona quando o ex-juiz Sérgio Moro conduziu a força-tarefa em Curitiba (PR).

"A Lava Jato acaba sendo personalizada e o juiz se torna símbolo de combate à corrupção. Com essa medida de censura, talvez possamos corrigir o curso das coisas e trazer a Operação Lava Jato para um patamar impessoal, como devem ser conduzidos todos os processos criminais", avalia.

"O juiz Marcelo Bretas ainda não compreendeu bem qual é o seu papel, qual deve ser a sua postura na condução desse processo [da Lava Jato]", critica.

A Lava Jato ganhou admiração no inconsciente dos brasileiros no combate à corrupção, com prestígio incorporado ao juiz. Com saída de Moro, Bretas incorporou esse papel. Estamos discutindo o que o juiz faz com esse prestígio

Desembargador Guilherme Couto

Processo instaurado após reclamação da OAB

O processo foi instaurado após reclamação feita pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que questionou a participação do magistrado ao lado da comitiva presidencial na inauguração de uma alça de acesso à Ponte Rio-Niterói, em 15 de fevereiro deste ano, por participar atividades de natureza política, vedadas aos juízes. Ele também participou de um ato evangélico com Bolsonaro e Crivella na praia de Botafogo, zona sul do Rio.

Pelo mesmo motivo, o MPF (Ministério Público Federal) pediu a abertura de uma investigação à Corregedoria do TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região).

A investigação foi aberta a pedido do ministro Humberto Martins, corregedor nacional do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Ele determinou ao TRF-2 que apurasse se houve prática de "atos de caráter político-partidário, de superexposição e de autopromoção", em processo administrativo disciplinar.

Evangélico e especulado a uma das vagas no STF

Conservador e religioso, Bretas passou a ser especulado como um possível candidato a uma das vagas no STF (Supremo Tribunal Federal), objeto de indicação de Jair Bolsonaro. O seu nome ganhou força após o presidente afirmar, em julho de 2019, que irá nomear um ministro "terrivelmente evangélico" para a corte.

Bolsonaro terá direito a escolher ao menos dois nomes para o STF, para as vagas de Celso de Mello e Marco Aurélio Mello, que receberão aposentadoria compulsória ao completarem 75 anos. Celso sairá em 1º de novembro deste ano. Mauro Aurélio alcançará a idade limite para o serviço público em 12 de julho de 2021.

Projeção ao ordenar prisão de Cabral

O juiz ganhou projeção nacional em 2016, ao ordenar a prisão de Sérgio Cabral, ex-governador do Rio, por causa dos esquemas de corrupção descobertos na Operação Calicuite. As decisões de Bretas também atingiram outros políticos e empresários, como o ex-presidente Michel Temer (MDB) e Eike Batista, que já foi apontado como o homem mais rico do país.

Em novembro de 2019, Bretas divulgou o fato de ter recebido uma homenagem na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio). O título de cidadão benemérito do Rio foi proposto pelas deputadas estaduais Alana Passos (PSL-RJ) —apoiadora da família Bolsonaro no Rio— e Rosane Felix (PSD-RJ), conhecida locutora de uma rádio gospel.

Em janeiro deste ano, Bretas também recebeu uma visita do Sergio Moro, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública. No Instagram, registrou o encontro.

Proximidade com Bolsonaro e rompimento com Witzel

Ele também já foi criticado pela proximidade com o clã Bolsonaro. Em entrevista ao colunista Jamil Chade, do UOL, Bretas saiu em defesa do presidente quando houve o vazamento do depoimento do porteiro do condomínio em que o presidente morava na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro.

Na ocasião, o funcionário do condomínio Vivendas da Barra afirmou que Jair Bolsonaro autorizou a entrada do ex-PM Élcio de Queiroz —um dos acusados pelo assassinato da vereadora Marielle Franco, horas antes do crime, em março de 2018. A versão do porteiro foi posteriormente descartada pelas investigações.

O presidente acusou Witzel de divulgar o documento à TV Globo para prejudicá-lo. Após esse episódio, Bretas e Witzel se afastaram, e o juiz da Lava Jato apagou de suas redes sociais todas as menções ao governador.