Assessoras repassaram salários a advogado de Flávio Bolsonaro nas eleições
Duas assessoras repassaram um total de R$ 27 mil, após seus salários e auxílio-alimentação caírem em suas contas bancárias, ao advogado do atual senador Flávio Bolsonaro (hoje no Republicanos) durante o período da campanha eleitoral do ano de 2018.
As informações são resultantes da quebra de sigilo bancário das funcionárias, a que o UOL teve acesso, e mostram que a prática da rachadinha no gabinete na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) do então deputado estadual ia além dos depósitos realizados na conta do policial militar Fabrício Queiroz.
Foram 22 repasses realizados todos os meses entre junho e dezembro de 2018, período que abrangeu as eleições, ao advogado Luis Gustavo Botto Maia, responsável pela parte jurídica da candidatura de Flávio Bolsonaro ao Senado. Ele recebeu depósitos regulares de Alessandra Cristina Oliveira (15) e Valdenice Meliga (7), de acordo com os dados bancários analisados pela reportagem.
As duas eram assessoras parlamentares de Flávio na Alerj e, ao mesmo tempo, dirigentes do PSL, partido da família Bolsonaro naquele ano. Procurados pelo UOL, Flávio Bolsonaro e seus ex-assessores não se manifestaram.
A reportagem telefonou pelo menos três vezes para a assessoria de imprensa do senador Flávio Bolsonaro e para seu atual advogado Rodrigo Roca. Nenhuma resposta foi enviada até a publicação desta reportagem.
O advogado Botto Maia também foi contatado por e-mail, aplicativo de WhatsApp e ligações, mas também não respondeu. A reportagem esteve ontem em sua residência na zona oeste do Rio, mas não o encontrou. Deixou recado, por escrito, e não recebeu resposta.
O UOL enviou e-mail e esteve ontem no escritório de Alessandra Cristina Oliveira, localizado no centro do Rio. Por meio de uma sócia, ela confirmou que visualizou a mensagem, mas afirmou que não iria se pronunciar.
Advogado sob suspeita
O MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) afirma que Botto Maia participou da discussão de um plano de fuga de Queiroz e sua família. No final de 2019, o advogado viajou para a cidade de Astolfo Dutra (MG) para se reunir com a mulher de Queiroz, Márcia, e a mãe do chefe do Escritório do Crime Adriano Magalhães da Nóbrega. O miliciano foi morto em fevereiro deste ano, em confronto com a PM baiana. Já Queiroz cumpre prisão domiciliar.
Flávio Bolsonaro e ex-assessores na Alerj são investigados pelo MP-RJ pela repartição ilegal de salários, a chamada rachadinha. Segundo as investigações, Fabrício Queiroz seria o operador principal do esquema, tendo recebido pelo menos R$ 2 milhões por meio de depósitos feitos por assessores de Flávio.
Como parte da investigação, a Justiça Estadual do Rio de Janeiro autorizou a quebra de sigilo bancário de diversas pessoas ligadas a Flávio Bolsonaro. Os dados abrangem operações bancárias até dezembro de 2018.
Ciranda da rachadinha
Os dados bancários mostram ainda a ocorrência de outros repasses. Além de transferir para Botto Maia, Valdenice fazia repasses para Alessandra. Por sua vez, Valdenice recebia depósitos mensais de Lídia dos Santos Cunha, outra assessora parlamentar de Flávio Bolsonaro na Alerj.
Valdenice Meliga e Lídia dos Santos Cunha não responderam às mensagens enviadas aos seus respectivos e-mails. Lídia não atendeu os telefonemas da reportagem.
A maioria dos repasses ocorria no mesmo dia ou em até quatro dias depois dos depósitos da Alerj. Após receberem os salários, cada uma das três assessoras transferia o mesmo valor, de R$ 2.562,31. Já o auxílio-alimentação, depositado em separado, não tem valor fixo. Depois que o benefício caía na conta, as assessoras transferiam a metade.
Alessandra Cristina Oliveira foi contratada como assessora parlamentar no gabinete de Flávio Bolsonaro em junho de 2018. Na época, acumulava a função de primeira-tesoureira do PSL no Rio.
O primeiro depósito da Alerj na conta de Alessandra foi o auxílio-alimentação, no valor de R$ 1.740, em 25 de junho. Quatro dias depois, a funcionária transferiu R$ 870 para Botto Maia, exatamente metade do benefício. Na operação, feita pela internet, Alessandra anotou: "aux alim" (auxílio-alimentação).
Alessandra também transferia parte do salário na Alerj para a conta de Botto Maia. Em 31 de julho, por exemplo, Alessandra recebeu R$ 6.854,99 da Alerj. No mesmo dia, transferiu R$ 2.562,31 para Botto Maia pela internet, com a observação "sal julh" (salário julho). Depois de receber o contracheque de agosto, Alessandra novamente depositou R$ 2.562,31 para o advogado, dessa vez com a anotação "salário8" (salário mês 8, agosto).
Os depósitos mensais se repetiram até dezembro de 2018, quando se encerra a quebra de sigilo bancário. Ao todo, Alessandra transferiu para Botto Maia 45% do seu salário líquido na Alerj em 2018, mais 50% do auxílio-alimentação. A soma dá R$ 20,8 mil.
Já Valdenice Meliga assumiu cargo de assessora parlamentar de Flávio na Alerj em maio de 2018. No período, também foi tesoureira-geral do PSL no Rio. Em agosto daquele ano, passou a fazer repasses mensais tanto para Botto Maia como para Alessandra, em valores idênticos e sempre no mesmo dia.
Em 31 de agosto, por exemplo, Valdenice recebeu R$ 5.124,62 líquidos de salário da Alerj. Três dias depois, transferiu R$ 1.281,15 para Botto Maia e igual valor para Alessandra. Somados, os dois repasses dão os mesmos R$ 2.562,31 que Alessandra depositava para Botto Maia. Esse valor também corresponde à metade do contracheque de Valdenice na Alerj. Até dezembro de 2018, Valdenice pagou R$ 11,2 mil para Botto Maia e Alessandra.
Valdenice não ficou de fora da ciranda de transferências. Sua quebra de sigilo bancário mostra que também recebeu R$ 2.562,31 mensais, transferidos pela então assessora parlamentar Lídia Cunha. O valor, geralmente pago em duas parcelas, também equivale à metade do salário líquido de Lídia na Alerj.
Além disso, Valdenice recebia de Lídia um pagamento adicional de cerca de R$ 400. O valor é semelhante à divisão do auxílio-alimentação movimentada nas contas dos demais assessores. Até dezembro, as operações de Lídia para Valdenice somaram R$ 13,1 mil.
No coração da campanha do PSL em 2018
Botto Maia, Alessandra e Valdenice tiveram papel central nas campanhas do PSL no Rio em 2018, incluindo a de Flávio Bolsonaro para senador. Segundo fontes ouvidas pelo UOL, Queiroz e Valdenice foram os principais operadores do partido no estado durante as eleições. Alessandra foi a responsável pela contabilidade de grande parte dos candidatos e Botto Maia, pelo jurídico.
Valdenice é irmã de dois policiais militares suspeitos de envolvimento em um esquema de corrupção descoberto pela Operação Quarto Elemento - um deles morreu, recentemente, de causas naturais. Na reta final da campanha, quando duas candidatas mulheres renunciaram, uma nora e uma irmã de Valdenice assumiram os postos vagos.
Já Botto Maia e Alessandra firmaram contratos com dezenas de candidatos do PSL no Rio. Esse tipo de contratação casada com postulantes de um único partido foi extremamente incomum nas eleições 2018, segundo análise de dados do UOL. Uma procuradora da República, com atuação na Justiça Eleitoral, considerou a movimentação financeira como "suspeita".
Botto Maia representou as prestações de contas de 37 candidatos, sendo 32 mulheres. Somando todos os contratos, recebeu R$ 37 mil. De modo semelhante, uma empresa de eventos de Alessandra foi contratada para fazer a contabilidade de 41 campanhas, sendo 33 de mulheres, por um total de R$ 54 mil. A maioria dos pagamentos foi realizada com dinheiro público, do Fundo Eleitoral.
Depois que Flávio Bolsonaro deixou a Alerj e assumiu vaga no Senado, Valdenice, Alessandra e Lídia assumiram outras vagas remuneradas com dinheiro público. Em março de 2019, as três passaram a exercer funções administrativas no PSL, com salários que chegavam a R$ 11,1 mil. A contratação das três ocorreu exatamente no mesmo dia, 19 de março. A sigla foi presidida por Flávio até o rompimento da família Bolsonaro com o partido, em novembro de 2019.
Já Botto Maia entrou na folha de pagamento da Alerj em julho de 2019, como chefe de gabinete da liderança do PSL, ocupada pelo deputado estadual Renato Zaca. Foi exonerado em junho deste ano, depois do mandado de busca e apreensão em seus endereços. O advogado também é alvo de um processo ético-disciplinar na OAB-RJ.
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