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Na CPI, Teich critica imunidade de rebanho e diz que saiu por cloroquina

05.mai.2021 - Nelson Teich, ex-ministro da Saúde do governo Bolsonaro, em depoimento à CPI da Covid - Jefferson Rudy/Agência Senado
05.mai.2021 - Nelson Teich, ex-ministro da Saúde do governo Bolsonaro, em depoimento à CPI da Covid Imagem: Jefferson Rudy/Agência Senado

Luciana Amaral, Rayanne Albuquerque e Lucas Valença

Do UOL e colaboração para o UOL, em Brasília e em São Paulo

05/05/2021 04h00Atualizada em 05/05/2021 19h35

Em depoimento de quase 6 horas à CPI da Covid hoje, o segundo ministro da Saúde do governo Jair Bolsonaro (sem partido), Nelson Teich, criticou a tese da imunidade de rebanho, classificando-a como um "erro" e lembrando como o sistema de saúde brasileiro ficou sobrecarregado de pacientes com a covid-19.

Essa tese de imunidade de rebanho, em que você adquire a imunidade através do contato e não da vacina, isso é um erro"

Senadores independentes e oposicionistas no colegiado têm sustentado a hipótese de que Bolsonaro apostou na teoria da imunidade de rebanho e negligenciou medidas de enfrentamento da crise sanitária no país. O discurso de que a maioria dos brasileiros deveria se contaminar com a covid-19 foi repetido por Bolsonaro desde o início da pandemia como argumento para se contrapor às medidas de isolamento adotadas por estados e municípios.

Questionado pelo senador Humberto Costa (PT-PE) se acredita que a imunidade de rebanho pode ser uma das teorias que justificaram condutas e posicionamentos do governo e do presidente, o ex-ministro afirmou que, durante sua gestão, a tese não era uma questão discutida.

"Na minha época isso nunca foi colocado, nunca foi discutido, nunca foi colocado como uma estratégia. Isso eu posso garantir", disse.

Ontem, também à CPI, o primeiro ministro da Saúde do governo Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta, afirmou ter a "impressão" de que o governo buscava a imunidade de rebanho como estratégia para vencer a pandemia.

Quanto às vacinas contra a covid-19, Teich defendeu que, enquanto à frente da pasta, nenhum imunizante estava sendo comercializado ainda, mas que articulou a realização do estudo da farmacêutica AstraZeneca no Brasil na expectativa de que o país tivesse uma facilidade na compra futura.

4.mai.2021 - O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta em depoimento à CPI da Covid no Senado - Jefferson Rudy/Agência Senado - Jefferson Rudy/Agência Senado
4.mai.2021 - O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta em depoimento à CPI da Covid no Senado
Imagem: Jefferson Rudy/Agência Senado

Ao contrário de Mandetta, Teich adotou um tom de voz baixo, buscou dar explicações mais teóricas e se esquivar de respostas mais políticas. Com certa frequência, o ex-ministro afirmou não se lembrar de determinadas situações e alegou a necessidade da análise de estudos para dar opiniões, o que irritou um pouco alguns membros da CPI.

Por exemplo, Teich foi questionado como ações e eventuais omissões do governo federal contribuíram para a aceleração do processo de disseminação do vírus, mas disse que precisaria de um dado científico e técnico para responder.

"É uma opinião em cima de uma situação que eu acho grave. Então, essa aí... Sem alguma base científica, eu não tenho como lhe responder."

"Eu exerci um cargo de ministro no século passado, eu lembro de tudo que me diz respeito", chegou a afirmar o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), em outro momento.

Falta de autonomia e divergências quanto à cloroquina

Teich disse que pediu demissão do cargo por falta de autonomia e citou divergências quanto à insistência no uso da cloroquina no tratamento para pacientes com covid-19 como o fator determinante.

Até o momento, a cloroquina não tem eficácia comprovada para o tratamento dessa doença e, naquela época, Teich já se posicionava contra a aplicação maciça do medicamento, enquanto integrantes do governo estimulavam seu uso, incluindo o presidente Bolsonaro.

As razões da minha saída do ministério são públicas, elas se devem basicamente à constatação de que eu não teria autonomia e liderança que imaginava indispensáveis ao exercício do cargo. Essa falta de autonomia ficou mais evidente em relação as divergências com o governo quanto à eficácia e extensão do uso do medicamento cloroquina para o tratamento da covid-19, enquanto minha convicção pessoal, baseada nos estudos, [era] que naquele momento não existia evidência de sua eficácia para liberar"

"Uma coisa que vai ficar marcada aqui nesse depoimento é que minha condução é técnica. Tudo o que eu faço é baseado em informação, e informação de qualidade. Quando não tenho essa informação, vou buscá-la. Realmente não me coloco de uma forma superficial para problema complexo", acrescentou, em outro momento, na fala aos senadores.

Apesar disso, o ex-ministro afirmou nunca ter recebido uma ordem direta de Bolsonaro para instituir o uso de cloroquina.

Segundo Teich, sua gestão não passava orientações para que o laboratório químico e farmacêutico do Exército produzisse cloroquina.

Se aconteceu alguma coisa, foi fora do meu conhecimento"

O senador Eduardo Girão (Podemos-CE) questionou Teich se a cloroquina poderia ser melhor aceita caso o presidente Jair Bolsonaro não tivesse feito propaganda da medicação. Em resposta, o ex-ministro disse que "são duas situações distintas" e que é necessário que seja comprovada a eficácia do remédio.

Acho que são duas situações distintas. Uma é o presidente mostrar a caixa. A outra é o remédio funcionar ou não. A minha indicação do remédio depende da comprovação do funcionamento, independente do que o presidente faça"

O uso da cloroquina em pacientes contra a covid-19 permeou toda a sessão hoje da CPI. Alguns senadores governistas procuraram demonstrar que, apesar de estudos que indicam o contrário, o remédio teria efeito benéfico, sim, no combate ao coronavírus. Por outro lado, senadores da oposição buscaram demonstrar uma insistência do governo Bolsonaro em estimular o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra o vírus.

O presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM), pediu cautela a quem assistia à transmissão da sessão pela internet após o senador Marcos do Val (Pode-ES) declarar que utiliza medicamentos sem eficácia comprovada como profilaxia contra a covid-19.

O senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) saiu em defesa da automedicação com o "kit covid" e também foi repreendido pelo presidente da CPI. O posicionamento de Heinze gerou uma segunda discussão na sessão. Otto Alencar (PSD-BA), que é médico, indicou de forma irônica a "vacina antirrábica" para Heinze, após o parlamentar do Rio Grande do Sul ter rebatido a repreensão feita por Omar Aziz.

Indicação de Pazuello e sua promoção a ministro

O ex-ministro da Saúde afirmou que o general Eduardo Pazuello foi indicado para ser o secretário-executivo do ministério pelo presidente Jair Bolsonaro, mas a decisão final foi dele próprio.

"Se ele tivesse sido imposto, eu saía com uma semana em vez de um mês", disse.

Ainda assim, ao ser questionado sobre a qualificação de Pazuello para assumir depois o ministério, Teich afirmou acreditar que "seria mais adequado um conhecimento maior sobre gestão e saúde".

Em sua fala, Teich também afirmou que economia e saúde não deveriam ter sido tratadas como coisas distintas. Ele disse que, na pandemia, a economia foi "tratada como dinheiro e empresa" e, a saúde, "como vidas, sofrimento e morte, mas na verdade, tudo é gente".

Bate-boca entre senadores e mais depoimentos à CPI

Depois de ouvir por mais de sete horas o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta ontem, a CPI da Covid recebeu hoje o seu sucessor na pasta, Nelson Teich. O depoimento no Senado começou por volta das 10h30.

Por volta das 10h50, a sessão foi suspensa por Omar Aziz após bate-boca entre senadores sobre a presença da bancada feminina no colegiado.

As senadoras, que não foram indicadas pelas lideranças partidárias para formar os 18 membros titulares e suplentes da CPI, pedem mais espaço para falas na comissão. Parte dos senadores governistas enxerga nesse pedido uma forma de elas fazerem mais críticas a Bolsonaro, embora nem todas sejam de oposição.

"Podem brigar aí à vontade", disse Omar, ao suspender a sessão, que foi retomada após cerca de três minutos.

A bancada feminina acabou conseguindo fazer perguntas a Teich, como solicitado.

Teich inicialmente seria ouvido na tarde de ontem. A mudança de data ocorreu após o também ex-titular da pasta Eduardo Pazuello, que seria ouvido nesta quarta, alegar ter tido contato com duas pessoas que testaram positivo para a covid-19.

O depoimento do general foi remarcado para 19 de maio e, dessa forma, os senadores preferiram ouvir Teich hoje com mais tempo.

Antes de ser questionado pelos senadores, Teich fez uma breve explanação sobre sua formação e seu mandato de menos de um mês à frente do Ministério da Saúde. "Quem vai julgar o presidente é o futuro, não vai ser eu", disse o médico oncologista após pedir demissão, em 15 de maio de 2020.

Além do depoimento de Teich, a CPI promoveu a votação de requerimentos de convocação de mais pessoas. Foram aprovadas as convocações de nomes importantes que fizeram parte do governo de Jair Bolsonaro: o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo e o ex-secretário-executivo do Ministério das Comunicações Fábio Wajngarten.

Eles devem ser sabatinados pelos senadores na semana que vem, assim como representantes de laboratórios no Brasil. As falas do atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e do diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antonio Barra Torres, já estavam marcadas desde a semana passada.

Veja o cronograma dos próximos depoimentos à CPI:

  • Atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga: 6 de maio, às 10h
  • Presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres: 6 de maio, às 14h
  • Ex-secretário da Comunicação da Presidência, Fábio Wajngarten, e representantes da Pfizer: 11 de maio
  • Presidentes da Fiocruz, Nísia Trindade, e do Instituto Butantan, Dimas Covas: 12 de maio
  • Ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e representante da União Química: 13 de maio
  • Ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello: 19 de maio

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.