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Falência de ex-deputado mais rico vira saga judicial por corrida bilionária

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

29/06/2021 04h00

Em 2014, o império do então deputado federal mais rico do país, João Lyra (AL), ruiu. O grupo industrial —marca do poder do político e usineiro em Alagoas— teve falência decretada, dando origem a um processo judicial que hoje tem 104 mil páginas e 19 mil credores à espera de solução.

O caso da Laginha Agroindustrial S/A é um dos maiores processos de falência no país. Os credores têm a receber um valor avaliado em R$ 1,2 bilhão. Somente as dívidas com bancos --classificadas como garantia real-- somam R$ 665 milhões.

Já a dívida ativa inscrita na lista de devedores da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) soma R$ 1,97 bilhão. São 547 processos inscritos. Ao todo, o grupo deve mais de R$ 3 bilhões.

Em 2010, quando foi eleito deputado federal, João Lyra havia declarado um patrimônio de R$ 240 milhões (R$ 400 milhões em valores atuais), o maior daquela legislatura de todo o Congresso.

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Caso chega ao CNJ

A falência é marcada por um vaivém judicial, que já chegou ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

Ex-deputado João Lyra tinha patrimônio declarado de R$ 240 milhões em 2010 Imagem: Divulgação

Para entender como isso ocorreu, é preciso conhecer a histórica relação do ex-deputado com os Poderes em Alagoas. Oito dos 15 desembargadores do TJ-AL (Tribunal de Justiça de Alagoas) declararam-se suspeitos para julgar o caso.

Quem acabou nomeado para o caso foi o desembargador Kléver Loureiro, em janeiro de 2019. Mas a sua atuação é questionada por advogados de credores, que o acusam de parcialidade nas decisões, supostamente favorecendo a família de Lyra e dificultando pagamento das dívidas.

Entre as medidas questionadas, estão a destituição da empresa e a indicação de um administrador da massa falida que teria relação próxima com integrantes da família, ocorrida em setembro de 2020.

O comitê de credores ingressou com um pedido de providências no CNJ, e o caso está sob análise do conselheiro André Godinho.

Procurado pelo UOL, o desembargador informou que não queria falar sobre o caso. Loureiro é hoje presidente do TJ-AL.

Hoje, o caso está sendo analisado por uma comissão de juízes designada pelo próprio Loureiro.

Esperança com nova decisão

A esperança dos credores teve um alento. No último dia 7 de junho, a 6ª Turma do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) negou recurso da União que questionava pagamento de um precatório ao grupo João Lyra. Por dois votos a um, os desembargadores determinaram a transferência dos mais de R$ 690 milhões para o juízo falimentar.

O crédito está em conta judicial desde junho de 2020 e é referente à ação impetrada nos anos 1990 contra a União (com base na Lei 4.870, que estipula ressarcimento de danos patrimoniais em virtude dos preços praticados pelo extinto Instituto do Açúcar e do Álcool para comercialização do açúcar e do álcool que estavam em desacordo com a legislação vigente a partir da safra de 1983/1984).

O advogado Otávio Barbi, que representa um dos credores, acompanha o caso desde o começo. Ele afirma que a liberação do TRF-1 abre uma possibilidade de liquidar os débitos daqueles que estão na "cabeça" da fila de espera (os chamados credores extraconcursais).

"Esses são aqueles que trabalharam, forneceram e emprestaram à empresa durante o período de recuperação judicial. Eles têm R$ 337 milhões para receber. Ou seja, esse valor paga a todos e ainda entra nos pagamentos dos credores concursais com uma quantia grande", diz.

Segundo ele, o esperado agora é que o pagamento seja rápido. "Com a decisão, dinheiro vai para o juízo falimentar e não cabe nenhum recurso em Alagoas. Só pode caber recurso quando houver um ato judicial, como um pagamento a um credor ser questionado", diz.

Barbi afirma que o caso é um dos mais complexos já vistos no Brasil. "Na época, a Laginha foi uma das primeiras empresas em recuperação do Brasil. A lei que permitiu esse processo é de 2005. Mas a Laginha não deu conta de cumprir o plano e teve a falência decretada", explica.

Sem-terra esperam definição

Enquanto a definição não sai, movimentos de luta pela reforma agrária ocuparam terras das usinas falidas, à espera de uma desapropriação. Em fevereiro de 2018, havia 10 mil camponeses vivendo no latifúndio abandonado.

Casas em terras da usina Laginha, em União dos Palmares (AL) Imagem: Beto Macário/UOL

Mas, até hoje, apenas uma parte da área foi destinada aos trabalhadores. "Faz seis anos que pautamos a compra da Laginha pelo Estado", conta Carlos Lima, da coordenação da CPT (Comissão Pastoral da Terra) em Alagoas, citando que não crê em ação do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) por conta da paralisação da reforma agrária no país pelo governo federal.

"Sabemos que não há dinheiro para isso. Mas o grupo João Lyra deve ao tesouro estadual. Propomos um encontro de contas e repasse das terras. Essa realidade já existe nas áreas da outra usina do grupo, a Guaxuma [em Coruripe], da qual o Estado adquiriu 1.500 hectares de terra. Queremos agora a aquisição dos 11 mil hectares de terras da Laginha", explica.

Segundo Lima, o governo já fez levantamento da área. "Ele já tem elementos suficientes. Na última reunião com o governador [Renan Filho], em setembro, o governador manteve o compromisso [de fazer isso]", relata.

A longa espera pelo pagamento

Muitos trabalhadores esperam ainda recursos. O supervisor patrimonial da usina Uruba, em Atalaia, sofreu um acidente de trabalho e, por isso, é um dos primeiros da lista de credores.

"Esse acidente ocorreu em setembro, eu atuava para a massa falida [alguns funcionários ficaram na segurança patrimonial, com autorização da Justiça]. Depois disso me aposentei por invalidez. Eu ainda estou como funcionário, eles me abandonaram, não ajudam em nada", relata ele, que à época tinha 14 anos de carteira assinada.

"Fui com a equipe desfazer uma cerca após uma invasão de terra. Na época estava chovendo, e a estrada estava escorregadia. A gente desmanchou a cerca e, quando estava voltando, me acidentei e tive fratura exposta, com rompimento de artéria", explica.

Segundo o presidente da Fetar (Federação dos Trabalhadores Assalariados Rurais) de Alagoas, Antônio Torres, até hoje milhares de trabalhadores esperam receber seu valores.

"Quando se passaram cinco anos da falência, venderam alguns bens do grupo de Minas, e o grupo administrador saiu pagando até quem tinha até R$ 3.600 a receber. Mas quem tem valores maiores não recebeu nada ainda", diz. "A Justiça já deu ganho de causa aos trabalhadores, esperamos apenas ser liberado o valor", completa.

O MPT (Ministério Público do Trabalho) em Alagoas foi procurado, mas informou ao UOL que não atua mais no caso, já que, com a falência, o caso passou para a Justiça comum.

Outro lado

A Laspro Consultores é a empresa que hoje administra a massa falida da Laginha. O UOL pediu para falar com algum dos administradores sobre o processo, mas foi informado que as perguntas deveriam ser "encaminhadas antecipadamente para que possamos apresentá-las em Juízo, a fim de colhermos autorização judicial para as respectivas respostas". O envio dos questionamentos foi feito no dia 14 de junho, mas até o momento não houve retorno.

Já o MP Estadual informa que atua apenas "como fiscal". Alega ainda que o processo demora a ter definição por conta de inúmeros recursos impetrados durante o curso da ação.

A reportagem não conseguiu localizar João Lyra para que comentasse sobre a ação. Segundo informaram pessoas próximas, ele não está concedendo entrevistas e nomeou uma de suas filhas como curadora do processo.

Cronologia:

  • 1958 - Fundação da Laginha Agroindustrial S/A.
  • 2006 - João Lyra se candidata ao governo do estado, mas acaba derrotado. Gastos de campanha comprometem as finanças de suas empresas.
  • 2008 - Laginha ingressa com pedido de recuperação judicial.
  • 2010 - João Lyra é eleito deputado federal, o mais rico da Casa e também o mais faltoso da legislatura.
  • 2012 - Laginha apresenta aditivo ao plano de recuperação, mas, diante dos indícios de inviabilidade financeira, é determinada a intervenção judicial na gestão.
  • 2013 - Laginha tem a falência decretada em primeira instância em 20 de agosto.
  • 2014 - Processo tem trânsito em julgado, e falência definitiva ocorre em fevereiro de 2014.
  • 2016 - Diante do tamanho do processo, a Corregedoria de Justiça de Alagoas designa uma comissão de juízes para atuar no processo.
  • 2017 - Leilões das usinas Triálcool e Vale do Paranaíba, em Minas Gerais, rendem R$ 350 milhões, destinados a pagamentos de créditos trabalhistas.
  • 2019 - Indicado para o cargo, desembargador Kléver Loureiro suspende arrematações das usinas Triálcool e Vale do Paranaíba. Uma nova comissão de juízes é designada para atuar no caso.
  • 2020 - Laginha recebe precatório de R$ 690 milhões, mas o dinheiro fica parado em conta judicial, aguardando liberação (e recurso da União) do TRF-1. Em setembro, grupo com cerca de 50 advogados de credores ingressa com pedido de providências no CNJ contra Kléver Loureiro.
  • 2021 - Em 15 de abril, Kléver, atual presidente do TJ-AL, institui uma nova comissão de juízes para atuar na falência. Em 7 de junho, TRF-1 determina a transferência dos R$ 690 milhões de precatórios para o juízo falimentar.

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