Topo

Miranda diz que registrou em cartório áudio que causou polêmica na CPI

O deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) - Jefferson Rudy/Agência Senado
O deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) Imagem: Jefferson Rudy/Agência Senado

Fábio Castanho, Hanrrikson de Andrade, Luciana Amaral e Lucas Valença

Do UOL, em São Paulo e em Brasília

01/07/2021 17h04

O deputado Luis Miranda (DEM-DF) registrou hoje em um cartório de Brasília conversas mantidas por meio do aplicativo WhatsApp que abordavam, de acordo com o parlamentar, negociações para aquisição de luvas hospitalares. O objetivo do parlamentar foi desmentir a versão, dada em depoimento à CPI da Covid, pelo lobista Luiz Paulo Dominguetti Pereira.

Os diálogos teriam ocorrido em outubro do ano passado e foram objeto de polêmica ao longo da oitiva com Dominguetti —cabo da Polícia Militar de Minas Gerais que, paralelamente, diz ter atuado como lobista da Davati Medical Supply. O depoente declarou ao Senado Federal que Miranda teria procurado a empresa para negociar a compra de vacinas.

Com o registro de uma ata notarial, Miranda busca reforçar a sua defesa e contestar dois pontos cruciais no depoimento de Dominguetti. Em primeiro lugar, diz o parlamentar, as tratativas não eram sobre imunizantes, e sim sobre luvas hospitalares que seriam comercializadas nos Estados Unidos.

Ata notarial - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

O documento protocolado em cartório também mira visa deixar claro que as conversas são de outubro do ano passado —e não durante o ano de 2021, como o lobista deu a entender na oitiva da CPI.

Os holofotes se voltaram ao depoimento de Dominguetti, que começou por volta de 9h30 desta quinta (1º), depois de uma reportagem publicada ontem (30 de junho) pela Folha de S.Paulo.

Ao jornal, apresentando-se como representante comercial da Davati, ele declarou que houve cobrança de propina por parte de Roberto Dias Ferreira (ex-diretor de logística do Ministério da Saúde) durante negociações para compra de 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca.

A vantagem ilícita solicitada por Dias Ferreira seria de US$ 1 por dose. O servidor, que foi afastado do cargo após a publicação da reportagem), nega ter pedido propina.

Durante o depoimento à CPI, além de reafirmar as declarações que deram luz a suposto crime de corrupção, Dominguetti revelou as supostas conversas entre a Davati Medical Supply e o deputado Luis Miranda. O representante comercial chegou a exibir o áudio de mensagem enviada pelo deputado por meio do WhatsApp. O trecho reproduzido, no entanto, não esclarece do que se tratava a negociação.

Miranda confirmou a existência do áudio, mas alega que Dominguetti mentiu à CPI ao retirar a mensagem do seu contexto correto. Na versão dele, também houve uma insinuação indevida de que o diálogo teria ocorrido em 2021 (e não em outubro de 2020), dentro do contexto de acordos do Ministério da Saúde para compra de vacinas.

A ata notarial registrada pelo deputado indica ainda que as conversas de WhatsApp ocorreram entre ele e um contato telefônico identificado como "Rafael Alves Luvas". O indivíduo seria empresário de Brasília e sócio de uma empresa em Miami, a LX Holding.

Durante o depoimento do lobista da Davati à CPI da Covid, Miranda chegou a se dirigir à sala da comissão, no Senado, para cobrar explicações e acusá-lo de mentir sob juramento. Senadores reclamaram da presença do deputado e questionaram se ele havia ido ao local para intimidar a testemunha. Houve bate-boca.

O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), pediu ao presidente do colegiado, Omar Aziz (PSD-AM), que determinasse a apreensão do celular de Dominguetti. Exaltados, membros da base governista cobraram que a decisão se estendesse ao telefone do deputado Luis Miranda. Aziz respondeu então que não poderia autorizar a apreensão do celular de um parlamentar federal.

Transcrição do áudio

No áudio reproduzido diretamente no celular de Dominguetti, Miranda afirma que um "comprador" [ele não especifica quem seria] já estaria "de saco cheio disso", em referência a problemas burocráticos. Ainda segundo ele, o "comprador" teria "potencial de pagamento instantâneo" (confira no vídeo acima, a partir de 42 segundos).

Então, irmão, o grande problema é, vou falar direto com o cara, o cara vai pedir toda a documentação do comprador. O comprador meu [sic] já está de saco cheio disso, vai pedir a prova de vida antes e a gente não vai fazer negócio. Então a gente nem perde tempo, que você sabe que eu tenho o comprador com potencial de pagamento instantâneo, já que ele compra o tempo todo lá, quantidades menores, obviamente.

Se o seu produto estiver no chão, o cara fizer um vídeo, falar o meu nome, 'Luis Miranda, está aqui o produto', o meu comprador entende que é fato, ok? E encaminha toda a documentação necessária, amarra, faz as travas, faz os contratos todos, e bola para frente.

Na sequência, o deputado diz que há "muita conversa fiada no mercado" e dá a entender que a relação com o suposto fornecedor estaria sendo desgastada pelos entraves burocráticos.

Eu não vou mais perder tempo com esse comprador, que desgastou muito, meu irmão, nos últimos 60 dias. É muita conversa fiada no mercado. E aí eu não me sinto nem confortável, "olha, encontrei uma carga, vamos dar prosseguimento, vamos mandar toda a documentação de novo, daqui a pouco vamos chegar na SGS, você vai ver que a carga existe". Eu não vou perder tempo.

O cara faz uma live comigo, faz um FaceTime, ele pode fazer, meu irmão, um Skype, o que ele quiser, mostra a carga? Ou se ele quiser gravar um vídeo, ele grava um vídeo: "Hey, Luis Miranda, I'm here, in my warehouse, this is my product" [Olá, Luis Miranda, estou aqui, no meu galpão, este é o meu produto]. E mostra o produto para mim e está tudo certo, bola para frente, eu mando pro cara na hora, o cara fecha o negócio, cara, na hora.

Miranda também diz que o suposto fornecedor tem "cliente fixo" e cita transações comerciais realizadas com grandes empresas, como a varejista Walmart.

O cara tem cliente fixo, entendeu? Ele tem recorrência. Esse é o grande problema desse meu cliente, ele tem recorrência, ele fechou alguns contratos lá, de entrega com o Walmart, com o Greens, com redes de restaurantes, com alguns hospitais, então ele tem recorrência de produto o tempo todo.

Novidades na CPI

A menção ao deputado Luis Miranda durante o depoimento de Dominguetti foi uma novidade no contexto do depoimento de hoje e surpreendeu muitos senadores da CPI. O depoente foi convocado falar de um caso específico: a suposta cobrança de propina em oferta ao Ministério da Saúde de compra de 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca.

Durante a oitiva, ele confirmou os fatos e nomes que haviam sido relatados à Folha de S.Paulo. Segundo o lobista, como o negócio não se concretizou posteriormente, não houve pagamento de vantagem ilícita, apenas o pedido.

A referência a Luis Miranda surgiu depois de uma indagação da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), que perguntou se ele, na condição de representante comercial da Davati, recebia contatos de políticos. O depoente respondeu então que não tinha esse hábito, que o CEO da empresa no Brasil, Cristiano Alberto Carvalho, havia sido procurado pelo deputado do DEM-DF para falar de compra de vacinas.

Além do áudio com a mensagem do parlamentar, Carvalho teria encaminhado a Dominguetti por meio do aplicativo WhatsApp um print da conversa entre os dois. O diálogo teria ocorrido entre setembro e outubro do ano passado.

Senadores da oposição disseram estranhar o fato de que o vendedor, na contramão do que vinha sendo o foco da CPI durante a reunião hoje (cobrança de propina), decidiu revelar o fato de que Miranda teria supostamente atuado na intermediação para compra de imunizantes.

"Um áudio, contando ou historiando ou narrando algumas mazelas que, porventura, poderiam envolver o deputado Luis Miranda que esteve aqui na semana passada. Em nome de quê? Do mesmo propósito que a Polícia Federal abriu a investigação ontem?", disse Calheiros.

Fabiano Contarato (Rede-ES) chegou a dizer que Dominguetti era uma "testemunha plantada".

Desafeto de Bolsonaro

Miranda tornou-se desafeto de Bolsonaro depois de revelar à CPI e ao MPF (Ministério Público Federal) supostas irregularidades, ainda não comprovadas, no processo de aquisição de 20 milhões de doses da vacina Covaxin. O contrato foi assinado em fevereiro deste ano.

De acordo com as informações fornecidas pelo parlamentar, o irmão dele, Luis Ricardo Miranda, servidor da área técnica do Ministério da Saúde, foi pressionado internamente a ignorar supostas inconsistências contratuais e acelerar o processo de importação.

De acordo com Luis Ricardo, teriam pressionado a liberar a importação da Covaxin:

  • Alex Lial Marinho, então coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos para Saúde do Ministério da Saúde;
  • Roberto Ferreira Dias, então diretor do Departamento de Logística em Saúde da Secretaria-Executiva do Ministério da Saúde;
  • Marcelo Bento Pires, então diretor de Programa do Ministério da Saúde.

Os irmãos Miranda prestaram depoimento à na CPI na última sexta-feira (25). O deputado federal deve ser ouvido novamente na semana que vem.

Na fala aos senadores, Luis Ricardo relatou ter sido informado por um colega sobre a cobrança de propina por vacina na pasta.

Questionado pelo presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito, Omar Aziz (PSD-AM), sobre os envolvidos no relato, Luis Ricardo respondeu:

"O ministério estava sem vacina e um colega de trabalho, Rodrigo, servidor, me disse que tinha um rapaz que vendia vacina e que esse rapaz disse que os seus, alguns gestores, estavam pedindo propina."

Indagado sobre quem seria esse "rapaz", Luis Ricardo disse que "ele [Rodrigo] não citou o nome". Ele também não deixou claro de onde seria esse "rapaz".

Inicialmente, Luis Ricardo não informou o sobrenome do colega nem sua função no ministério. Mais tarde, em questionamento de um senador, afirmou se tratar de "Rodrigo de Lima", que seria funcionário da pasta. Ele deverá se ouvido pela CPI na semana que vem.