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Jornalismo de opinião não é falar qualquer coisa, diz Eliane Cantanhêde

Do UOL, em São Paulo

03/08/2021 14h32Atualizada em 03/08/2021 15h35

A jornalista Eliane Cantanhêde detalhou como funciona o jornalismo de opinião e se defendeu de ataques recentes sofridos por emitir suas opiniões. "Não é um raio que cai na minha cabeça e eu saio falando qualquer coisa", disse a convidada de hoje do "Jornalistas e Etc.", apresentado pela colunista do UOL Thaís Oyama.

"O que é a minha opinião? Primeiro é um trabalho de décadas conversando com civis, militares, os políticos mais importantes, todos os presidentes da República, congressistas, empresários, estudantes, sindicalistas, viajando o mundo. Isso tudo me dá uma bagagem para refletir."

Mas eu não me contento com isso, não. Para emitir uma opinião sobre qualquer coisa, eu leio muito, converso muito, ligo para quem pensa diferente.
Eliane Cantanhêde, jornalista

Cantenhêde é colunista do jornal "O Estado de S. Paulo", da Rádio Eldorado e da GloboNews. Ela explicou sua rotina como analista da política brasileira. "Eu acordo todo dia às 8h e trabalho até as 22h", afirmou.

Seu primeiro hábito de manhã, antes mesmo de tomar o café, é ler as manchetes dos principais jornais e as colunas mais importantes, antes de fazer sua participação na Rádio Eldorado. Só depois de tomar o café da manhã é que consegue ler com mais calma as notícias e colunas dos colegas. Sua televisão está sempre sintonizada na GloboNews. Mas, durante o almoço, gosta de ver o "Jornal Hoje", da TV Globo.

Ela confessa que, nos dias em que consegue, tira um cochilo de 30 minutos no meio da tarde antes de escrever a coluna para o Estadão. Seu dia termina depois de participar do programa "Em Pauta", da GloboNews, e com o fim dos jornais da noite.

O telefone e o WhatsApp são ferramentas fundamentais da sua rotina. Cantenhêde conta que, para coisas mais rápidas de checar, prefere mandar uma mensagem por WhatsApp. Mas, quando o assunto é mais complexo, prefere ligar para a pessoa. Deu como exemplo a ligação que teve com o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes sobre semipresidencialismo.

O meu jornalismo de opinião não é aquele que vai ter a notícia em cinco minutos ou vai ter a manchete de amanhã. Eu ouço as pessoas, converso muito e leio muito para entender os processos, para amadurecer o que está acontecendo.
Eliane Cantanhêde, jornalista

Coluna polêmica

Recentemente, a jornalista virou um dos assuntos mais comentados do Twitter após escrever uma coluna sugerindo que o ex-presidente Lula (PT) desistisse de sua candidatura à Presidência.

"Hoje você tem um país muito polarizado, muito ácido", defende Cantenhêde. "O Lula passou 580 dias preso, o PT fez muita bobagem e o Lula corre o risco de jogar fora tudo o que ele construiu de bom nos dois mandados dele —inegavelmente ele construiu muita coisa boa. E segunda, eleito, ele pode radicalizar o que já é radicalizado no Brasil, essa polarização."

"Já que há muita gente suspeitando que o presidente Jair Bolsonaro quer dar um golpe, Lula poderia dar um golpe de mestre e desanuviar o ambiente, se retirando da disputa e sendo o grande articulador de uma transição de união nacional desse país."

Ou seja, agir como o grande líder e não como um futuro presidente.
Eliane Cantanhêde, jornalista

Emitir opiniões em meio a fake news

Ela conta que, devido às fake news, saiu dos grupos de WhatsApp que falam de política e pandemia. "As pessoas acreditam nas coisas mais absurdas, gente inteligente, que tem diploma, que fala [outras] línguas, acredita nas fake news mais sem pé nem cabeça", lamenta.

Se não está na mídia tradicional, esquece, porque aquilo ali é só para fazer jogo político e jogo de robô. O que não tem assinatura, não tem cara e não tem uma pessoa real por trás, descarta. Geralmente, 99% é mentira.
Eliane Cantanhêde, jornalista

Segundo ela, o leitor não distingue bem os tipos de jornalismo: opinativo e informativo. "As pessoas misturam muito as coisas", diz.

A colunista conta que a diferença entre a reportagem e a opinião está no amadurecimento do jornalista. Um repórter de início de carreira apenas relata o que vê e ouve. Já um mais experiente consegue contextualizar as falas de determinada fonte. O próximo passo é o jornalista que faz análises e, por último, emite opiniões.

A relação com fontes

Sobre a relação entre jornalistas e suas fontes. Cantenhêde deixa um conselho aos estudantes de jornalismo de agora: "Você tem que estar perto o suficiente da fonte para ter informação, mas você tem que estar longe o suficiente para não ter promiscuidade". "Jornalista nunca pode fazer o jogo da fonte, nem o jornalista pode fazer o jogo contra a fonte."

De acordo com ela, é importante ter o discernimento entre relações pessoais e profissionais. "Eu almoço, eu tomo café, eu janto com fonte. Isso não significa que eu seja amiga, que eu faça o jogo ou que eu aceite trabalhar contra aquela pessoa ou contra o adversário contra aquela pessoa."

Conta que sempre teve boas relações com os presidentes no poder. Desde Ernesto Geisel, que foi o primeiro que conheceu, até Michel Temer —embora tenha tido certas dificuldades durante os governo petistas. Porém diz que o governo Bolsonaro é muito diferente.

Se a gente pegar o conjunto da obra: no meio ambiente, na educação, na cultura, na economia, na política e principalmente na pandemia, ele é totalmente fora do padrão.
Eliane Cantanhêde, jornalista

Vai ter impeachment?

Segundo ela, é difícil saber se haverá impeachment, pois ele precisa ir de fora para dentro do Congresso. "Você primeiro cria as condições, um consenso na sociedade, para depois evoluir o impeachment dentro do processo político com pitadas de processo jurídico."

"No caso do presidente Bolsonaro, ele em uma base muito sólida, ali por volta de 20% da sociedade. Além disso, ele é fortemente aliado do Arthur Lira, o atual presidente da Câmara."

Hoje em dia não se trabalha com esse cenário de impeachment, mas também não dá para descartar.
Eliane Cantanhêde, jornalista

Segundo ela, é possível que Bolsonaro nem mesmo seja candidato ano que vem. "Acho que ele pode derreter tanto que o próprio grupo que articulou a campanha dele não queira que o Bolsonaro seja candidato."