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'Tenho culpa. Queria vacina para o Brasil', diz reverendo a CPI às lágrimas

Thais Augusto, Luciana Amaral e Hanrrikson de Andrade

Do UOL, em São Paulo e em Brasília

03/08/2021 15h56Atualizada em 03/08/2021 17h56

Líder da entidade privada Senah (Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários), o reverendo Amilton Gomes de Paula chorou hoje durante a CPI da Covid e se disse culpado por "ter estado nessa operação das vacinas" ofertadas ao Ministério da Saúde, investigada pela comissão do Senado.

Ele também afirmou que queria "vacinas para o Brasil" após a morte de um conhecido em decorrência da covid-19. O reverendo é apontado pelo policial militar Luiz Paulo Dominghetti como intermediador de uma oferta suspeita e possivelmente superfaturada de 400 milhões de doses de vacinas de Oxford/AstraZeneca ao Ministério da Saúde.

Dominghetti se apresenta como representante da Davati Medical Supply — empresa americana sem base formal no Brasil —, que teria se juntado a Amilton para o negócio. A oferta não tinha autorização da farmacêutica e um contrato não foi concretizado.

Eu abri a porta da minha casa num momento assim em que eu estava enfrentando a perda de um ente querido da minha família, e eu queria vacina para o Brasil. Eu me sinto... Tenho culpa, sim. Hoje de madrugada, antes de vir para cá, eu dobrei os meus joelhos, orei, e aí eu peço desculpas ao Brasil. O que eu cometi não agradou primeiramente aos olhos de Deus."
Reverendo Amilton

Amilton se pôs a chorar brevemente após o senador governista Marcos Rogério (DEM-RO) o questionar sobre o seu papel na suposta oferta de vacinas da AstraZeneca e dizer ter dúvidas se o reverendo faz parte de uma "tríade de golpistas" ou se realmente foi enganado, como o depoente alegou.

Foi um erro que, se pudesse voltar atrás, eu voltaria. Peço perdão a todos os Senadores, a todos os Deputados, e o que eu puder fazer para melhorar a vida de alguém... Para quem me conhece como pastor e hoje está me assistindo, está dizendo: "esse eu conheço." Jamais fraudei ou tirei algo de alguém e estou aqui para contribuir com o Brasil sempre."
Reverendo Amilton

O presidente da CPI e senador Omar Aziz (PSD-AM) questionou a lisura das credenciais de Amilton e chegou a perguntar ao reverendo: "Chorou e se arrependeu do quê?". Segundo Amilton, de "ter estado nessa operação das vacinas".

O reverendo Amilton irritou senadores do colegiado hoje ao fornecer respostas imprecisas e com contradições.

Em um dos breves momentos de maior clareza de raciocínio, a testemunha confirmou ter atuado como um dos elos para que a Davati Medical Supply conseguisse ofertar ao Ministério da Saúde o suposto lote de 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca.

Questionado pela senadora Soraya Thronicke (PSL-MS), o reverendo Amilton negou que tenha recebido autorização do Executivo federal para enviar carta, em nome do governo, à Davati demonstrando interesse na compra de vacinas.

No documento, Amilton diz que há "iminente interesse do governo do Brasil em contratar e autorizar o vendedor para adquirir o suprimento de 400 milhões de doses da AstraZeneca".

Ninguém me autorizou a enviar essa carta, que é da Senah. Quando chegou com o Herman Cardenas, da Davati, ele falou que teria que ser [uma carta] do governo. Foi um equívoco o envio desse documento."
Reverendo Amilton

Em 29 de junho, Dominghetti foi à imprensa para denunciar um suposto pedido de propina por parte de Roberto Dias, ex-diretor do departamento de logística do Ministério da Saúde. Posteriormente, em depoimento ao colegiado, o policial ratificou a versão.

O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), apresentou documentos que mostram uma comunicação do dono da Davati, Herman Cardenas, ofertando dose da AstraZeneca por US$ 10 ao Ministério da Saúde. No entanto, o reverendo Amilton teria apresentado uma oferta de dose a US$ 11. O US$ 1 adicional é o mesmo valor citado por Dominghetti como suposta propina pedida por Roberto Dias.

Amilton afirmou aos senadores "desconhecer o documento de US$ 10, que não acompanha a oferta [feita ao Ministério da Saúde]". Segundo ele, o documento que ofertava vacinas a US$ 10 não tem ligação com o email que cita o preço de US$ 11 por unidade.

Apesar de reuniões no Ministério da Saúde, Amilton afirmou não conhecer "ninguém do governo" e não saber o motivo de tamanha celeridade por parte do governo para recebê-los. Ele teria tido uma reunião no ministério horas depois de mandar um email com base apenas em buscas na internet, alegou.

Segundo reportagem da Agência Pública, o reverendo parece ter bom trânsito no meio político de Brasília. Em suas redes sociais, ele tem fotos com o filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ).

Recentemente, o pastor apareceu na divulgação da "Conferência Nacional de Liderazgo" ao lado da deputada federal bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP).

O líder religioso também participou da criação da Frente Parlamentar Mista Internacional Humanitária pela Paz Mundial (FremhPaz) junto ao pastor Laurindo Shalom, da Associação Internacional Cristã Amigos Brasil-Israel, e do deputado federal Fausto Pinato (PP-SP), em 17 de setembro de 2019.

Durante a explanação, o reverendo Amilton se mostrou confuso, gaguejou em alguns momentos e caiu em contradição em relação ao dia do email enviado à pasta. Antes de esclarecer que o contato havia sido realizado em 22 de fevereiro, ele declarou que a mensagem eletrônica tinha sido enviada em 18 de fevereiro.

"Pressão de Dominghetti"

De acordo com Amilton, ele sofreu "pressão" de Dominghetti e do outro representante da Davati, Cristiano Carvalho, para conseguir as reuniões com o governo federal.

Dominghetti relatou ter tido reunião com Lauricio ao lado de representantes da Senah na primeira vez em que esteve no Ministério da Saúde.

Amilton teria feito o contato político para que, ao lado de Dominghetti, conseguissem o encontro com Lauricio, segundo o policial. Como vacinas não eram a área de Lauricio, este teria dito que encaminharia os vendedores ao então secretário-executivo da pasta, Elcio Franco, responsável por essas aquisições, contou Dominghetti.

Hoje, Amilton negou qualquer encontro com o presidente da República ou com a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e argumentou que a Senah foi usada "de maneira ardilosa".

Hoje, com a série de eventos divulgados, entendemos que fomos usados de maneira ardilosa para fins espúrios e que desconhecemos. Vimos um trabalho de mais de 22 anos de uma ONG, entidade séria, voltada para ações humanitárias, educacionais, jogado na lama, trazendo prejuízo na sua credibilidade e atingindo seus integrantes nas relações profissionais e familiares."
Reverendo Amilton

Em cartas timbradas da Senah e assinadas por Amilton, a entidade costumava usar logotipos da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e da ONU (Organização das Nações Unidas), entre outras instituições.

"Tem um documento aqui que o senhor diz: 'Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários, uma organização sem fins lucrativos e de apoio humanitário com atuação em mais de 190 países, reconhecida pela Organização das Nações Unidas e pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil'", disse Randolfe.

Questionado por senadores, Amilton admitiu não ter autorização oficial para tanto.

O líder da Minoria no Senado, Jean Paul Prates (PT-RN), afirmou que estar "evidente o intuito da organização do depoente de iludir os recipientes dessas cartas, desses documentos, pegando emprestadas essas autoridades e essas organizações".

Na avaliação dele, há falsidade ideológica e estelionato na situação. "Nós estamos diante de falsários e estelionatários que tentam enganar incautos na administração pública e/ou beneficiar espertos e oportunistas", declarou Prates.

A CPI voltou hoje aos trabalhos formais com depoimentos após recesso parlamentar de cerca de 15 dias.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.