Topo

Alvo da CPI, Hélcio Bruno intermediou mais de US$ 33 milhões com Defesa

Coronel Hélcio Bruno de Almeida - Reprodução/YouTube
Coronel Hélcio Bruno de Almeida Imagem: Reprodução/YouTube

Lucas Valença

Do UOL, em Brasília

10/08/2021 07h00

O tenente-coronel da reserva Hélcio Bruno de Almeida, que é ouvido hoje na CPI da Covid, já intermediou ao menos três negociações envolvendo milhões de dólares no Ministério da Defesa.

Especialista e "consultor de Defesa e Segurança", segundo seu currículo Lattes atualizado até o dia 29 de junho de 2020, Hélcio se apresenta nas redes sociais como representante sênior da empresa Suntech Soluções de Inteligência, adquirida pela companhia israelense Verint Systems.

Nos contratos junto ao Exército, Hélcio Bruno teria atuado como facilitador da empresa junto à área militar. O lobby feito pelo militar da reserva teria rendido contratos milionários da Verint junto ao Ministério da Defesa nos últimos anos. O Exército, porém, nega que ele tenha atuado como lobista (leia mais abaixo).

Contratos

Em 8 de outubro de 2018 é publicado no Diário Oficial da União um "extrato de inexigibilidade de licitação" de um contrato no valor global de mais de US$ 11,9 milhões.

A quantia desembolsada serviria para que o Exército Brasileiro adquirisse uma solução integrada "para a ampliação e atualização de sistemas de hardware e software da plataforma Verint". A manutenção contratada é feita pela mesma empresa por se tratar de tecnologia de ponta e com programas exclusivos da companhia.

O documento, assinado pelo então chefe do Departamento de Ciência e Tecnologia, Edson Pujol, e pelo então comandante da Força, Eduardo Villas Bôas, apresenta como justificativa a "necessidade de atualização do sistema e inviabilidade de competição entre fornecedores para a aquisição". Posteriormente, Edson Pujol se tornou comandante do Exército.

Dois meses antes, o Centro de Comunicações e Guerra Eletrônica do Exército havia feito um acordo de compensação com a Verint que contemplava "16 projetos de compensação" concordados no ano anterior. O valor desembolsado foi de US$ 10,5 milhões e o pagamento ocorreu por meio da CEBW (Comissão do Exército Brasileiro em Washington).

A soma de dois dos três contratos que basearam o acordo de compensação, contudo, totaliza US$ 8 milhões. A reportagem não teve acesso ao valor do último contrato citado.

Já em 2020, um outro aditivo também teria contado com a influência de Hélcio Bruno. Assinado pelo então comandante de Comunicações e Guerra Eletrônica, Carlos Alberto Dahmer, três projetos de compensação firmados em 2019 custaram à União quase US$ 10,8 milhões.

Procurado, o Centro de Comunicação Social do Exército disse que Hélcio Bruno "não intermediou nem atuou de qualquer forma como representante das empresas citadas".

"Cabe destacar que o Exército Brasileiro conduz os seus processos de compra cumprindo rigorosamente os princípios da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência", afirmou em comunicado.

contratos Hélcio Bruno - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

O Hélcio com "H"

Hélcio Bruno de Almeida é tenente-coronel da reserva e ex-integrante das Forças Especiais do Exército, formado pela Academia Militar das Agulhas Negras. Ele apareceu recentemente no radar da CPI da Covid após ser citado no depoimento de Cristiano Carvalho, representante no Brasil da empresa Davati Medical Supply.

O militar teria intermediado um encontro do cabo da Polícia Militar de Minas Gerais Luiz Paulo Dominghetti com o então secretário-executivo do Ministério da Saúde, Elcio Franco. Atualmente Franco atua como assessor na Casa Civil.

Hélcio com "H", como ficou conhecido, e Franco foram colegas de turma no Exército. A boa relação deles se manteve ao ponto de o então secretário-executivo permitir que Hélcio participasse de uma reunião com empresários para tratar da elaboração da legislação em favor da compra de vacinas pelo mercado privado.

Dominghetti, um dos que participaram do encontro, foi o responsável por relatar na CPI que teria recebido, no dia 25 de fevereiro, em um restaurante num shopping em Brasília, um pedido de propina de US$ 1 por dose das 400 milhões de vacinas da AstraZeneca que disse ter acesso e que tentou negociar com o ministério.

ONGs investigadas

Segundo informações coletadas pela CPI, quem tentou intermediar a venda de vacinas foi o reverendo Amilton Gomes de Paula, líder da Senah (Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários), que, apesar do nome, é uma Organização Não Governamental.

Amilton teria se valido de outra ONG, o Instituto Força Brasil, para chegar ao alto escalão do Ministério da Saúde.

O instituto é chefiado por Hélcio Bruno e passou a ser investigado pela comissão de inquérito, segundo informou o vice-presidente do colegiado, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), após o depoimento de Cristiano Carvalho.

"Enquanto morriam mais de 3 mil pessoas de covid-19 por dia no Brasil, a cúpula do Ministério da Saúde negociava com estelionatários, no golpe da vacina", afirmou Randolfe durante a fala do representante da Davati.

No portal da entidade, o instituto se diz "organizado pela união de patriotas" e que se pretende "fazer frente à hegemonia da esquerda como participante do poder, bem assim ao crime organizado nas Instituições".

Um dos trechos polêmicos de sua descrição afirma que a ONG também visa "oferecer subsídios para o fortalecimento dos movimentos ativistas conservadores". O vice-presidente do instituto, o empresário Otávio Fakhoury chegou a ser investigado nos inquéritos dos atos antidemocráticos e das fake news no Supremo Tribunal Federal por supostamente oferecer recursos a portais bolsonaristas difusores de fake news.

Nos diálogos investigados pela Polícia Federal no inquérito dos atos antidemocráticos, Fakhoury também aparece tentando montar uma rádio com o filho "03" do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

A estação radiofônica com viés conservador foi pensada para "fazer guerra política" e impedir que conteúdos fossem retirados do ar, como tem ocorrido em canais de plataformas como o YouTube. A retirada de programas e informações pelas empresas ocorre por ferir regras das companhias, como a de difundir fake news.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.