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Planalto divulga fotos com cartazes golpistas e pedidos de 'Bolsonaro 2022'

Flickr oficial da Presidência publica fotos de cartazes, faixas e bonés com mensagens de "Bolsonaro 2022" durante atos de 7 de setembro - Reprodução/Flickr/Clauber Cléber Caetano/PR
Flickr oficial da Presidência publica fotos de cartazes, faixas e bonés com mensagens de "Bolsonaro 2022" durante atos de 7 de setembro Imagem: Reprodução/Flickr/Clauber Cléber Caetano/PR

Juliana Arreguy

Do UOL, em São Paulo

09/09/2021 04h00

O perfil oficial do Palácio do Planalto no Flickr publicou fotos que mostram cartazes com pautas golpistas e menções à frase 'Bolsonaro 2022' nos atos de 7 de setembro, que contaram com a participação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Juristas ouvidos pelo UOL têm interpretações divergentes sobre a existência de irregularidades no uso de uma conta do governo para este fim e explicam que as decisões sobre o tema dependem mais de quem o julga e menos sobre a lei em si.

Os registros foram feitos por Clauber Cleber Caetano e Isac Nóbrega, funcionários públicos lotados no Ministério das Comunicações, e mostram imagens da manifestação pró-Bolsonaro na avenida Paulista, em São Paulo. Os protestos incluíram pautas como pedidos por intervenção militar e fechamento do STF (Supremo Tribunal Federal).

As imagens mostram participantes dos atos exibindo cartazes com frases como "Presidente Bolsonaro, acione as Forças Armadas", "Dismiss the Supreme Court Judges" ("Demita os juízes da Suprema Corte", em inglês) e "Bolsonaro, você tem autorização do povo para fazer o que for preciso", entre outras de teor similar.

As imagens também captaram vários manifestantes usando bonés com a frase "Bolsonaro 2022", o que também aparece nas imagens. Uma delas, que mostra uma criança de costas utilizando o acessório, foi apagada do Flickr do Planalto ontem (8). A reportagem salvou uma cópia do post no site Wayback Machine, que armazena imagens de links apagados.

O advogado especialista em direito político e eleitoral Silvio Salata aponta que houve abuso de poder nas divulgações, já que as manifestações não foram de caráter cívico, mas sim político.

O conjunto dessas manifestações do Bolsonaro, usando todo o aparato governamental, pode até caracterizar um abuso do poder político através da prática de diversos ilícitos."
Silvio Salata, advogado especialista em direito eleitoral

Para Salata, o uso da máquina pública por Bolsonaro para divulgar e realizar os atos rompe com o princípio de igualdade eleitoral em relação a outros possíveis candidatos à Presidência em 2022. O advogado diz que não há precedente semelhante na história do direito eleitoral.

"Essa propagada divulgada numa rede social do governo obviamente quebra o princípio de igualdade de condições dos demais pretensos candidatos à presidência da República. Há outros que não podem usufruir da propaganda. É o princípio básico que reina sobre o direito eleitoral: não pode haver quebra de igualdade", explica.

A advogada eleitoral Paula Bernardelli concorda, mas alerta que a lei é de ampla interpretação e pode ser entendida de outra forma caso vá a julgamento.

"Há a necessidade de investigação, especialmente da forma de financiamento de tudo, para depois ter repercussão em órgãos oficiais. Em minha interpretação, o uso da máquina pública para benefício eleitoral está bem claro, mas isso decorre de uma interpretação da lei, e não de uma ofensa ao texto direto da lei."

Bernardelli entende que a própria lei deixa em aberto não apenas a questão do uso de recursos públicos para benefício próprio, mas também toda a interpretação sobre o que pode ser considerado, ou não, propaganda eleitoral antecipada.

"Não há uma definição clara de o que caracteriza exatamente uma propaganda antecipada. Por regra, o que caracteriza é o pedido expresso de voto. Nesse caso, postar uma foto num perfil oficial de uma manifestação que tem apoiadores pode entrar no que o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] tem caracterizado como contexto eleitoral do ato e pode configurar também uma propaganda antecipada, mas isso não é claro na legislação", diz.

Advogada de Direitos Humanos e doutora em Direito Constitucional, Joana Zylbersztajn avalia que as manifestações a favor de Bolsonaro em si não são o problema, mas sim a participação do presidente nos atos e na divulgação deles. Apesar disso, também considera ser uma questão de interpretação da lei.

"A lei eleitoral é razoavelmente aberta, e o maior volume de decisões caso a caso cabe à Justiça Eleitoral", explica. "Isso pode até configurar [propaganda antecipada], mas quem toma a decisão é a Justiça Eleitoral."

Zylbersztajn observa que além da questão da propaganda eleitoral antecipada, outro item que deve ser avaliado é o uso dos meios públicos para a promoção de Bolsonaro, o que pode ser enquadrado como improbidade administrativa.

A questão da capilaridade e difusão é um dos aspectos do problema, mas o próprio uso de recursos públicos, ainda que seja usar um e-mail do computador da repartição, o uso de um recurso público para fins privados, já configura improbidade."
Joana Zylbersztajn, doutora em Direito Constitucional

Silvio Salata também aponta que a alegação de Bolsonaro de que não aceitará mais decisões do ministro Alexandre de Moraes, do STF, é passível de crime de responsabilidade. Outros juristas fizeram análises semelhantes em reportagem do UOL publicada nesta segunda-feira (8).

"Estamos discutindo duas situações: uma de direito eleitoral e outra de direito constitucional, que é o crime de responsabilidade", diz ele.

O que diz a Lei Eleitoral

A Lei Eleitoral não permite que candidaturas sejam declaradas antes do dia 15 de agosto do ano das eleições.

São permitidas viagens, participação em homenagens e eventos, e também a publicação de registros que mencionem a possível candidatura e destaquem as "qualidades pessoais" dos pré-candidatos, "desde que não envolvam pedido explícito de voto".

No entanto, é considerada propaganda antecipada "a convocação, por parte do Presidente da República, dos Presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal, de redes de radiodifusão para divulgação de atos que denotem propaganda política ou ataques a partidos políticos e seus filiados ou instituições".

Cabe ao vice-procurador-geral eleitoral entrar com representações contra o presidente em caso de crimes eleitorais. Até junho, o cargo era ocupado por Renato Brill de Góes, que pediu dispensa seis dias após propor que Bolsonaro fosse multado por propaganda eleitoral antecipada.

Atualmente, o posto pertence ao subprocurador-geral da República Paulo Gonet. Já o procurador-geral eleitoral, Augusto Aras — que também é procurador-geral da República — não se pronunciou sobre os ataques de Bolsonaro ao STF e ao TSE e disse ter visto os atos de 7 de setembro como uma "festa cívica".