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Câmara derruba do Código Eleitoral quarentena para militar, policial e juiz

Plenário da Câmara durante a votação do novo Código Eleitoral - Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Plenário da Câmara durante a votação do novo Código Eleitoral Imagem: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

Hanrrikson de Andrade, Eduardo Militão e Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

09/09/2021 16h07Atualizada em 09/09/2021 22h04

A Câmara aprovou hoje o texto-base do projeto do novo Código Eleitoral, um compilado de quase 900 artigos que reúnem todas as regras eleitorais em um único dispositivo. Os parlamentares retiraram do texto a quarentena para policiais, militares e juízes se candidatarem. O período estipulado era de cinco anos.

Deputados da bancada da segurança pública e outros tentaram, por meio de destaques (propostas de modificação na matéria), liderar a mobilização para anular as restrições previstas a agentes do Judiciário e das forças policiais.

Esse destaque é extremamente importante para nós, para todos os brasileiros, e, de modo muito particular, para todos os militares do Brasil. Na nossa visão, [a quarentena] seria tirar direitos políticos do militares"
Vitor Hugo (GO), deputado federal e líder PSL

Durante a fase inicial de deliberação dos destaques, a maioria da Casa rejeitou o pleito e manteve a ideia da quarentena. A situação mudou, no entanto, depois da aprovação de uma emenda que privilegiava os juízes, promotores e membros do Ministério Público.

A partir daí, várias bancadas começaram a mudar de posição, sob argumento de que seria necessário derrubar a quarentena de modo geral a fim de garantir a isonomia no processo eleitoral.

Dessa forma, as restrições foram anuladas para militares da União, dos estados e do Distrito Federal, assim como para os integrantes das guardas municipais, das polícias Federal, Rodoviária Federal, Civil e Ferroviária Federal. A regra, caso tivesse sido mantida, só valeria a partir de 2026.

O texto-base da relatora da matéria, Margarete Coelho (PP-PI), foi aprovado em plenário com 378 votos a favor e 80, contra. Houve apenas duas abstenções.

A conclusão da votação deve ocorrer só na semana que vem, quando os deputados acabarem de analisar os chamados destaques. Depois disso, o texto seguirá para análise e deliberação do Senado —e deve retornar ao crivo dos deputados casa haja mudanças no texto.

O projeto de lei prevê mudanças que devem impactar o processo eleitoral, como censura a pesquisas eleitorais, a flexibilização da transparência na publicidade de gastos e a punição a agremiações que desrespeitarem normas de uso de verbas públicas.

Um dos destaques aprovados durante a sessão deliberativa manteve as regras atuais da janela partidária (prazo para candidatos trocarem de partido até seis meses antes da realização do pleito).

Para aplicação da maior parte do Código já nas eleições do ano que vem, a lei tem que ser sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) até o início de outubro, um ano antes do pleito.

Era uma vez quarentena

A regra da quarentena visava impor um período de cinco anos para que ex-servidores das categorias do Judiciário e da segurança pública disputassem cargos eletivos.

O projeto passou a ser analisado às pressas para poder valer para as próximas eleições. Foi apresentado em 3 de agosto pela deputada Soraya Santos (PL-RJ). No dia 17 de agosto, foi colocado em regime de urgência, a pedido de Cacá Leão (PP-BA), e entrou direto no plenário, sem passar pelas comissões.

Em 20 de agosto, foi escolhida a relatora, a deputada Margarete Coelho (PP-PI). Em 11 dias, ela deu parecer sobre 906 artigos descritos em quase 400 páginas. Ali, ela incluiu as restrições às candidaturas de policiais, juízes e militares. Em 2 de setembro, a proposta continuava com 896 artigos.

Na justificativa para o projeto, a relatora, Margarete Coelho, disse que o projeto "tem a virtude de buscar fortalecer a soberania popular". "Concordamos com a redução dos normativos espaços de judicialização das questões político-eleitorais, conferindo ao batismo das urnas, e não aos tribunais, a palavra final do debate eleitoral", escreveu ela.

Projeto restringe pesquisas eleitorais

A proposta proíbe a divulgação de pesquisas nos dois dias anteriores às eleições. Ela obriga que haja prazo de três dias entre o registro da pesquisa e a sua divulgação.

Além disso, a proposta obriga que seja divulgado um suposto "percentual de acerto das pesquisas realizadas" nas últimas cinco eleições. Os levantamentos eleitorais não dizem qual será o resultado das eleições, mas apenas divulgam a intenção de voto em determinada data do passado. A proposta não esclarece o que seria o chamado "percentual de acerto" dos estudos dos institutos de pesquisa.

Críticas, ficha-limpa e fiscalização

A deputada Adriana Ventura (Novo-SP) vê uma série de problemas no projeto. Um deles é o enfraquecimento da fiscalização das contas dos partidos. "As prestações de contas não serão mais analisadas de forma judicial, mas apenas de forma administrativa, ou seja, o código vai tirar o poder da Justiça Eleitoral de fiscalização das prestações de contas e, o pior, poderá impor um valor irrisório de multa a quem tiver as contas desaprovadas", afirmou ela em plenário na semana passada.

Além disso, políticos poderiam continuar na disputa mesmo se cometerem crimes depois de registrarem suas candidaturas. "Outro ponto de preocupação é que o código complicará a aplicação da Lei da Ficha Limpa", avaliou Adriana Ventura.

Caciques ficarão fortalecidos, diz deputada

Os critérios de distribuição do fundo eleitoral dentro dos partidos não precisarão ser aprovados por maioria de seus filiados. Para Adriana, "isso, em bom português, quer dizer: mais força para cacique, menos democracia e possibilidade de renovação na política".

O Fundo Eleitoral ainda poderá ser usado para qualquer gasto. "Começará aquele vale-tudo de gasto de locação de avião, mansão na praia e outras coisas, o que é um desvio de finalidade do uso do dinheiro público", afirmou.

A compra de votos só renderá multas se houver violência, ameaça ou comprometerem os resultados das eleições. "A pergunta aqui é: o que pode ser violência maior à democracia do que a compra de votos?"

Ela ainda considerou incoerente o retorno das propagandas partidárias na TV com o Fundão Eleitoral. "Na legislatura passada, o Congresso criou um Fundão Eleitoral e justificou que, para tanto, acabaria com a propaganda partidária. Agora, anos depois, a Câmara está trazendo de volta esse instituto, que é tão controverso."