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CPI pode pedir indiciamento de Bolsonaro? Entenda os limites da comissão

21.set.2021 - O presidente Jair Bolsonaro durante discurso de abertura da 76ª Assembleia-Geral da ONU Imagem: Eduardo Muñoz/Reuters

Luciana Amaral, Hanrrikson de Andrade e Rafael Neves

Do UOL, em Brasília

24/09/2021 04h00

A CPI da Covid chega à reta final após mais de cinco meses, com expectativa de que o relator, Renan Calheiros (MDB-AL), apresente seu parecer até a primeira semana de outubro. No documento constarão as conclusões coletadas pelo senador, com a ajuda de colegas, e recomendações ao MPF (Ministério Público Federal).

Agora, quais são as possíveis punições e as consequências práticas da Comissão Parlamentar de Inquérito?

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Investigação e relatório

A CPI não tem prerrogativa constitucional para punir ninguém. Segundo o artigo 58 da Constituição Federal, a comissão tem "poderes de investigações próprios das autoridades judiciais" para "apuração de fato determinado e por prazo certo".

Ou seja, na prática, o colegiado tem 90 dias (prorrogáveis por mais 90) para conduzir um inquérito, com interrogatórios, análise de documentos e outras diligências.

Ao fim das oitivas, será produzido um relatório contendo a conclusão do relator, que será lido em plenário. Para ser aprovado, deverá receber o apoio da maioria dos membros (ou seis votos).

A CPI da Covid é composta por 11 membros titulares (com direito a voto), entre os quais o relator, sendo sete de oposição ao governo de Jair Bolsonaro (sem partido) ou independentes (o chamado G-7, que deve votar a favor do parecer e contra os interesses do presidente). Quatro fazem parte da base governista.

Papel do Ministério Público

Cabe ao Ministério Público promover a "responsabilidade civil ou criminal dos infratores". Posteriormente, caso haja oferecimento de uma denúncia, os fatos serão analisados pela instância da Justiça de acordo com as pessoas que supostamente praticaram crimes.

Caso um investigado tenha foro privilegiado em âmbito federal, situação que inclui o presidente da República, por exemplo, o foro proporcional é o STF (Supremo Tribunal Federal).

Agora, caso o Ministério Público chegue à conclusão de que, apesar do trabalho da CPI, não há elementos mínimos que justifiquem o processo criminal, não há o oferecimento de denúncia.

Oficialmente, a CPI da Covid tem como prazo final 5 de novembro. Imagem: Pedro França/Agência Senado

O advogado João Paulo Martinelli, especialista em Direito Penal e professor do Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercados de Capitais), explica que uma CPI tem a função de levantar informações, e não de fazer juízo de valor sobre culpa ou condenar. Como exemplo, diz que o relatório é semelhante ao que um delegado de polícia faz na conclusão de um inquérito.

Senadores governistas reclamam ao longo dos trabalhos da CPI que a ala oposicionista na comissão já faz pré-julgamentos e está determinada a culpar o governo federal por eventuais irregularidades que não seriam nem erros nem crimes, na avaliação deles.

Os investigados

Até agora, a lista de investigados pela CPI da Covid chega a 32 pessoas, incluindo três atuais ministros do governo Jair Bolsonaro: Marcelo Queiroga (Saúde), Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência) e Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União).

Também constam na relação o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, o líder do governo na Câmara, deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), o deputado federal bolsonarista Osmar Terra (MDB-RS), e uma série de integrantes e ex-integrantes do governo (veja lista mais abaixo).

Bolsonaro pode ser punido?

Se Bolsonaro for incluído no relatório da CPI da Covid como responsável, por ação ou omissão, pelos erros cometidos durante a pandemia, há dois cenários possíveis:

  • PGR (Procuradoria-geral da República) - Caso o colegiado conclua que o presidente da República cometeu crimes comuns, caberá à PGR abrir uma eventual investigação a respeito dos fatos apontados no relatório;
  • Congresso - Caso o colegiado entenda que houve crime de responsabilidade por parte de Bolsonaro, o relator deverá encaminhar ao Congresso Nacional uma sugestão de dar aval à abertura de processo de impeachment. O pleito, no entanto, é analisado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). A decisão é monocrática e cabe somente ao deputado.

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), disse que a comissão deve entregar o relatório a Lira.

O vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), já afirmou publicamente que o relatório deve propor o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro e de pessoas envolvidas nas investigações pelos crimes de charlatanismo, curandeirismo, exercício ilegal de medicina e divulgação de propaganda enganosa, por exemplo. Renan, porém, ainda não cravou quais crimes seu parecer apontará.

Em reunião com a cúpula da CPI da Covid, em agosto, o procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu que fará uma análise independente do relatório a ser apresentado. Caso Aras não analise o documento dentro de 30 dias —prazo legal para o trabalho segundo Randolfe—, a cúpula estuda entrar com uma ação contra ele no STF.

Presidente Jair Bolsonaro conversa com procurador-geral da República, Augusto Aras, no Palácio do Planalto Imagem: Reprodução

O advogado João Paulo Martinelli afirma que se Aras, analisando as provas que chegaram até ele, entender que há elementos para denunciar o presidente, pode fazê-lo, porque seriam crimes cometidos no exercício do mandato.

"Um mesmo fato pode gerar responsabilidade criminal e política. Essas duas análises são independentes", disse sobre os dois cenários citados acima.

Bolsonaro nega irregularidades e omissões durante a gestão da crise sanitária. Em diversas ocasiões ele declarou que considera que a CPI tem motivações políticas.

Menções e projeto de lei

Além da sugestão de indiciamento dos investigados, o relator tem a possibilidade de fazer menções em seu texto conclusivo, que não geram efeito prático, mas simbólico.

No caso da CPI da Covid, por exemplo, é natural que o texto final seja visto posteriormente como um documento histórico, dadas as circunstâncias do objeto de investigação: uma pandemia.

Durante a audiência da última quarta, o senador Rogério Carvalho (PT-SE) recomendou, por exemplo, que Calheiros inclua o próprio colega Luis Carlos Heinze (PP-RS) no relatório, citando-o como um dos grandes "propagadores" de fake news ao longo dos trabalhos do colegiado.

O parlamentar gaúcho, defensor de medicamentos como hidroxicloroquina e outros sem eficácia comprovada no tratamento da doença, tem defendido o seu ponto de vista em todos os interrogatórios, e rejeita as acusações dos colegas.

O relator também pode, ao final do processo, sugerir a elaboração de um projeto de lei com o intuito de promover mudanças em relação a normas e procedimentos referentes ao que foi apurado pelo colegiado. A recomendação pode ou não ser acatada pelos demais senadores.

O relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros Imagem: Pedro França/Agência Senado

Compartilhamento de provas

Para fins de responsabilização na Justiça, o relatório feito pela CPI pode servir como ponto de partida para uma investigação do Ministério Público, autoridade competente para a função.

Nesse caso, as informações, evidências, provas, depoimentos e materiais obtidos durante as diligências ajudariam a embasar uma eventual denúncia oferecida pelo MP —o que daria início ao devido processo legal.

Há ainda jurisprudência no STF que permite que as informações contidas no relatório de uma CPI possam ser utilizadas por outros órgãos de apuração e/ou execução, tanto na esfera criminal quanto na cível. É o caso, por exemplo, de um eventual inquérito da Polícia Federal que proponha o aprofundamento de um ponto específico da investigação conduzida pela CPI.

Conselhos de ética

O relator de uma CPI não tem prerrogativa para, por iniciativa natural do posto, proceder com pedidos de cassação de cargos. Mas o documento também pode incluir uma sugestão a ser encaminhada para conselhos de ética e/ou órgãos competentes.

Para o advogado João Paulo Martinelli, servidores públicos que aparecerem no relatório da CPI por supostamente terem praticado uma ação ou omissão que causou dano podem ser processados administrativamente e perder o cargo.

O especialista ainda cita, por exemplo, que um parente de vítima da covid-19 que chegar à conclusão de que houve responsáveis pela morte pode abrir um processo por danos morais.

Consequências políticas

Além da possibilidade de consequências judiciais, a CPI da Covid provoca para o governo uma série de desgastes políticos, em especial no que diz respeito às pretensões de Bolsonaro concorrer à reeleição em 2022.

Ao longo dos interrogatórios do colegiado, por exemplo, o presidente registrou o seu menor nível de popularidade desde que tomou posse, em janeiro de 2019. Segundo pesquisa mais recente do Datafolha, o governante teve apenas 22% de opiniões favoráveis.

Além dos danos causados pela CPI —que investiga suposto esquema de corrupção dentro do Ministério da Saúde, irregularidades em processos para compra de vacinas e outros fatos—, a imagem de Bolsonaro é impactada pela alta na inflação, escalada no preço dos combustíveis e pelos níveis de desemprego no país.

O índice dos que consideram o governo Bolsonaro "ruim ou péssimo" subiu para 53%. Em julho, eram 51% e em maio, 45%, segundo o Datafolha. Foram ouvidas 3.667 pessoas entre 13 e 15 de setembro. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.

Lista de investigados pela CPI até o momento

  • Marcelo Queiroga, ministro da Saúde;
  • Onyx Lorenzoni, ministro do Trabalho e Previdência;
  • Wagner Rosário, ministro da CGU (Controladoria-Geral da União);
  • Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde;
  • Ernesto Araújo, ex-ministro das Relações Exteriores;
  • Fábio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação da Presidência;
  • Élcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde;
  • Ricardo Barros, líder do governo na Câmara;
  • Osmar Terra, deputado federal;
  • Arthur Weintraub, ex-assessor especial da Presidência da República;
  • Carlos Wizard, empresário;
  • Luciano Hang, empresário;
  • Francisco Emerson Maximiano, sócio da Precisa Medicamentos;
  • Emanuela Medrades, diretora da Precisa Medicamentos;
  • Túlio Belchior Mano da Silveira, advogado que atuou para a Precisa Medicamentos;
  • Marcelo Bento Pires, coronel da reserva e ex-diretor de Programa do Ministério da Saúde;
  • Mayra Pinheiro, secretária da Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde;
  • Hélio Angotti Neto, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde do Ministério da Saúde;
  • Regina Célia Silva Oliveira, fiscal de contratos no Ministério da Saúde;
  • Roberto Ferreira Dias, ex-diretor de logística do Ministério da Saúde;
  • José Alves Filho, sócio do laboratório Vitamedic Indústria Farmacêutica;
  • Emanuel Catori, sócio da farmacêutica Belcher;
  • José Ricardo Santana, ex-secretário da Anvisa;
  • Hélcio Bruno de Almeida, tenente-coronel da reserva;
  • Luciano Dias Azevedo, tenente-médico da Marinha;
  • Cristiano Carvalho, representante da Davati Medical Supply;
  • Luiz Paulo Dominguetti; policial militar e lobista da Davati Medical Supply;
  • Marcellus Campelo, ex-secretário de Saúde do Amazonas;
  • Nise Yamaguchi, médica;
  • Paolo Zanotto, virologista;
  • Marconny Albernaz de Faria, empresário e suposto lobista;
  • Pedro Benedito Batista Junior, diretor-executivo da Prevent Senior.

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A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.


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