Delis Ortiz: Dar Bíblia para Bolsonaro 'não foi nada de mais'
Segundo a decana do "Jornal Nacional", Delis Ortiz, jornalista não deve ser amigo dos entrevistados, mas narrar as histórias que vê e ouve.
Com essa visão e muita sinceridade, conta também no programa "Jornalistas e Etc." de hoje, com apresentação da colunista do UOL Thaís Oyama, do dia em que entrevistou Tancredo Neves, quando ainda era estagiária.
A gente não tem que ser amigo de ninguém. A gente tem que ser a pessoa que narra a história que assiste, que a gente escuta, que a gente apura e com respeito."
Delis Ortiz, jornalista
Delis trabalha na Rede Globo há 30 anos, cobrindo majoritariamente o alto escalão do poder político. Foi correspondente da emissora para a América Latina por cinco anos dessas três décadas.
Seu conselho aos jornalistas vem em um momento de polarização na política e diz que é vista como inimiga tanto por petistas quanto por bolsonaristas.
Eu tenho sido criticada dos dois lados. Um lado me critica dizendo que eu sou petista e do outro que eu sou bolsonarista. Para mim, é um elogio. Está equilibrado."
A sinceridade com Tancredo Neves
Delis conta ter escolhido o jornalismo pelo rádio e "culpa" o pôr do sol de Cuiabá, sua cidade, por isso.
Ao ouvir "A Voz do Brasil" durante os lindos entardeceres dos dias quentes de sua cidade, ela se encantava a voz naquele rádio.
Sem saber muito bem, quando eu era criança, eu ouvia essa voz no rádio e comecei a sonhar com rádio."
Na faculdade de jornalismo, em Brasília, buscou estágios em rádio, mas um professor lhe deu outro conselho. Ele dizia que seu texto "tinha imagens" e sugeriu que ela procurasse a televisão, a colocando para trabalhar na TV Brasília.
Foi nesse estágio na televisão em que ela entrevistou Tancredo Neves. A honestidade foi o que a garantiu uma exclusiva sobre a candidatura dele para a Presidência pelo Colégio Eleitoral.
"Eu cheguei para ele e falei: 'Doutor Tancredo, me desculpe, eu sou estagiária, não sei nada de coisa alguma. O que eu pergunto pro senhor que vira manchete amanhã?'", conta.
Tancredo Neves então sugeriu que ela perguntasse se ele seria candidato. Ela obedeceu e ele respondeu que sim. A fita desta entrevista, depois, gerou uma fila de jornalistas em busca das imagens.
Foi aí que eu comecei, sendo honesta comigo mesma e com a pessoa: 'Não sei nada de coisa alguma, me ajuda aí'."
O impeachment de Collor
Questionada sobre qual foi a cobertura mais importante de sua vida, Delis relembra um momento marcante na história brasileira: o impeachment de Fernando Collor de Mello.
Ela conta como sonhou dias antes com a morte política de Collor, onde via o rosto dele matando outra pessoa com o mesmo rosto. Mais tarde, ela interpretou esse sonho como o irmão do então presidente, Pedro, matando o futuro político do irmão.
Foi importante, mas nada agradável. "Não tive prazer de fazer nada daquilo. Ver a destruição da imagem de alguém é humilhante. Eu fico com vergonha pela pessoa. Mas foi a mais importante que fiz até hoje", diz ela.
Bíblia para Bolsonaro
A jornalista comentou de um episódio que repercutiu muito em sua carreira: o dia em que deu de presente uma Bíblia a Jair Bolsonaro.
O fato aconteceu em junho de 2019, durante um café da manhã do presidente com jornalistas. Ela conta que não viu nada de mais no episódio e foi uma atitude comum sua, já que é uma cristã protestante.
"Eu sou incapaz de chegar a um lugar sem nada. Uma caixa de chocolate, um livro. Era fim de ano quando comprei uma dúzia de bíblias, lindas, com capa envelhecida. E eu distribuí para um monte de gente.
Fui pro café da manhã com o mesmo pensamento, eu não vi nada demais, não é amizade. Distribuir Bíblia você distribui pra bêbado na rua. Não era um mimo, não era um presentinho. Não vi nada demais pra tanto escândalo."
Para o futuro, a jornalista conta que tem o desejo de escrever um livro de memórias, mas também fala sobre as letras de músicas que já escreveu e da vontade de abrir um restaurante.
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